Fundadores do Curitiba Rugby Clube: paixão pela bola oval mobilizou sonho do grupo.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Anos 80. O argentino Eduardo “Lalo” Lagarrigue entra com o elenco do Curitiba Rugby Clube em um coletivo da cidade de Niterói (RJ). Ele percebe que o cobrador do ônibus está faturando a mais na passagem, provavelmente por causa do sotaque do pessoal. Ele pede a Ricardo Gama Monteiro, hoje um cirurgião cardíaco respeitado em Curitiba, então com 16 anos, que acerte a conta com o cobrador. Ricardo entende errado e acerta um soco na cara do cobrador. Todo mundo vai parar na delegacia.

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Fundado em 1983, o Curitiba Rugby Clube, atual campeão brasileiro, teve um começo mambembe, repleto de histórias como a relatada acima. Em uma época sem internet ou TV a cabo, os primeiros jogadores do time foram recrutados por Lalo, Mauro Callegari e outros fanáticos por rugby por meio de cartazes espalhados por postes na rua Sete de Setembro, na Praça Santos Andrade, PUC e Rua XV.

Muitos dos primeiros voluntários que apareceram achavam que o esporte se tratava de futebol americano. Mesmo assim foram ficando. “A primeira bola de rugby que nós tivemos foi o pai do Lalo que mandou de presente de Natal para ele”, conta Mauro Callegari, 56 anos, um dos pioneiros do “Touros”, apelido do clube, e hoje dirigente do Urutau, o segundo clube de rugby de Curitiba.

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Os primeiros uniformes do time eram camisas usadas por operários de fábrica, mais grossas, com punhos vermelhos. “Não havia quem fabricasse no Brasil. Depois conseguimos uniformes vindos de fora. O primeiro uniforme fabricado no Brasil só fomos conseguir em 2004”, conta Aluisio Dutra, 51 anos, diretor técnico do clube e secretário municipal de esportes de Curitiba.

Lalo, Callegari e Dutra já tinham conhecimento prévio de rugby antes de montarem o Curitiba Rugby Clube. “Eu nasci jogando rugby”, afirma o argentino Lalo. Até que não é um exagero tão grande. Nascido em Tucumán, espécie de capital de rugby da Argentina, para Lalo o esporte é “uma religião”. “O rugby ensina a ser pessoa, ensina organização, disciplina, lealdade. Quanto mais pessoas praticando, melhor.”

Aluisio chegou com 22 anos em Curitiba, mas já havia praticado rugby antes no colégio Mackenzie, em São Paulo, onde começou com 14 anos. Já era jogador da Seleção Brasileira. Callegari também veio de São Paulo, onde conheceu o esporte.

Pelo menos dez anos mais velhos que os amigos, Lalo transformou seu escritório de arquitetura em sede do recém-criado clube. Treinavam durante a semana na Praça Osório e nos finais de semana no Parque Barigui. Pediram apoio à Associação Brasileira de Rugby, mas a primeira resposta que obtiveram foi algo na linha: “vão treinando aí e quando jogarem alguma coisa a gente vê o que faz.”

Até que conseguiram marcar o primeiro jogo em São Paulo, no clube de campo do Palmeiras. O segundo jogo, em Curitiba, foi no Curtume Curitiba, onde hoje é o Positivo Ambiental. Duas derrotas, mas o time provou que tinha um bom nível e recebia bem os adversários em casa, um fator essencial no rugby.

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No ano seguinte foi a vez de disputar a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro de Rugby. O começo não foi bom. O time perdeu todas as partidas. Mas ainda se tratava dos primórdios do esporte no Brasil. Era quase impossível ter acesso a publicações estrangeiras sobre o tema. “Para ver um jogo profissional, era preciso um amigo trazer de fora uma fita VHS ou mandar pelo correio”, diz Mauro Callegari. “Com a chegada do DVD, algumas empresas gravavam os jogos e vendiam.”

“Eu cheguei a assistir jogo em Super 8”, lembra Aluisio Dutra. “Os argentinos traziam fitas de VHS para a gente, mas era raro.” Para se ter uma ideia da defasagem, o primeiro Mundial de Rugby transmitido no Brasil foi o de 2003, sediado na Austrália.

A ignorância dos brasileiros era tanta (e ainda é grande), que em um dos jogos que o Curitiba Rugby fez na Vila Capanema na década de 80 como Colorado, fruto de uma parceria com o clube que daria origem ao Paraná, quando o scrum (cobrança de falta, quando os jogadores se abraçam para disputar a bola) foi realizado, a torcida presente achou que estava ocorrendo uma briga e tentou invadir o gramado. Até a polícia estranhou.

Com o tempo, porém, a situação do esporte melhorou muito. O orçamento da Associação Brasileira de Rugby saltou de 400 mil reais de 2009 para atuais 15 milhões. O próprio Curitiba Rugby Clube, que hoje treina em um campo sediado pelo Paraná Esportes, órgão do governo estadual, vive sua melhor fase da história.

Depois de vencer o Campeonato Brasileiro da Segunda Divisão em 1989 e ser rebaixado no ano seguinte, voltou a subir em 2005, desta vez para nunca mais descer. E melhor, ano passado, no dia 8 de novembro, conquistou o título da Primeira Divisão, ao vencer o São José (oito vezes campeão) por 19 a 10.

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Além disso, mantém um projeto social para 600 crianças. É a maior escola de rugby do Brasil. “Dá a volta na quadra para fazer a inscrição. Fico muito feliz por ver todo o nosso esforço sendo recompensado, dando fruto”, diz Lalo. O projeto foi vencedor do Spirit of Rugby Awards de 2014, concedido pela International Board of Rugby, que premia os principais destaques do esporte todo ano.

Duelo entre os primeiros praticantes do rúgbi na capital paranaense. O time de branco é o da Universidade de Edimburgo, que foi recebido aqui em curitiba pelo CRC .
Partidas eram disputadas nos campos de futebol da cidade.
Parceria com o extinto Colorado (camisa vermelha), embrião do Paraná, ajudou a fomentar o rúgbi na cidade. De branco, o time da Universidade de Edimburgo.
Empolgação dos pioneiros foi uma das marcas do time nos anos 80: paixão pelo esporte da bola oval. Festa pelo título brasileiro da segunda divisão, em 1989
Campos de areia também serviam para os desafios locais. Em 1985, antes de jogo com o Niterói-RJ.
Apoio do Colorado colocou o rúgbi dentro do espaço exclusivo do futebol. Apoio importante na era pré-internet.
Jogo na Vila Capanema chegou a ter polícia pela falta de compreensão dos torcedores. Muitos achavam que o jogo era ‘pancadaria’. Curitiba vestia o vermelho do Colorado.