Há 28 anos, oito meses e dois dias, o recorde das Américas dos 800 metros no atletismo pertence ao brasileiro Joaquim Cruz. Em 26 de agosto de 1984, ele terminou a prova em 1min41s77. Apenas outros quatro atletas no mundo conseguiram um tempo menor.
Vinte dias antes do recorde, outro êxito histórico: a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Até hoje, é o único brasileiro a conquistar o topo do pódio em uma prova de pista no atletismo.
Aos 50 anos, segue acumulando êxitos, agora pelos Estados Unidos, onde mora desde 1983. É treinador de atletas olímpicos e da seleção paralímpica do país, com a qual foi eleito, em 2011, o melhor técnico do país em modalidades para atletas com alguma limitação física.
Envolvido na preparação da equipe americana para os Jogos do Rio, em 2016, prevê que mais uma vez o Brasil dificilmente terá um medalhista no atletismo. E mais: lamenta que o país esteja desperdiçando a chance de criar o legado ao permitir a destruição de instalações esportivas "para a construção de estacionamentos para a Copa 2014".
Ele investe na formação de atletas no país com seu projeto, no instituto que leva seu nome, em Brasília, que selecionou jovens da periferia para receber treinamento visando aos Jogos de 2020 e 2024. "Não podemos pensar em apenas formar atletas que querem chegar à Olimpíada. Eles têm de saber que vão para disputar o pódio", diz.
Quando se olha para os recordes nacionais, a maioria não é baixada há muitos anos. Isso é um reflexo de uma estagnação do atletismo no país? O que esperar da seleção brasileira de atletismo em 2016?
As estatísticas não mentem. Pegue os atletas da seleção de hoje e coloque no ranking mundial. Os que não estão entre os 50 melhores hoje, não estarão entre os possíveis vencedores [em 2012, 25 brasileiros estiveram entre as 50 melhores marcas em 47 provas]. Os que terão chance têm de estar entre os vinte melhores em 2015. Quando eu venci em 1984, era o terceiro do ranking em 1983. Com a Maurren [Maggi, campeã olímpica em Pequim no salto em distância] foi a mesma coisa.
Qual é o seu diagnóstico?
Isso é um problema antigo. Hoje, infelizmente, as minas que geravam bons atletas secaram. Não temos programas para identificá-los. O atletismo não está mais nas escolas. Na minha época, estudava pela manhã e voltava para a escola à tarde para a Educação Física. Isso não acontece mais. Hoje, dependemos muito de clubes, um ambiente da classe média-alta para formar os atletas olímpicos. O atletismo é um esporte de classe média-baixa, da periferia.
Como você vê a derrubada do estádio Célio de Barros para a construção de estacionamentos do Maracanã e a interdição do Engenhão, no Rio de Janeiro?
Fala-se de legados para a comunidade carioca. Nesses últimos meses, tivemos a indicação de que estão fazendo a coisa de maneira errada ao tirar um legado para acomodar outro. No caso do Célio de Barros, tirou-se um local de treinamento dos atletas sem um plano de ação. Estão destruindo um legado para o esporte. E não vamos cair na armadilha de que o Engenhão vai ser o estádio do atletismo. Pode ser durante a Olimpíada, mas vai ser no dia a dia, para a comunidade? O atletismo pode dividir o espaço com o futebol. Mas o futebol vai dividir o espaço com o atletismo?
Hoje você treina atletas amputados, qual sua motivação com esse trabalho?
Hoje sou contratado do Comitê Olímpico dos Estados Unidos e uma das minhas tarefas é identificar possíveis atletas paralímpicos, visitando militares em hospitais navais em San Diego. A prioridade é reinseri-los na vida normal, oferecer alternativas para pessoas que voltaram com lesões de guerra, uma amputação. Outras quatro vezes na semana, vou à base naval para dar treinamentos aos militares com potencial de competir. E também trabalho como técnico no Centro de Excelência, onde treino atletas olímpicos e paralímpicos. Em 2011, comecei a treinar um atleta da Marinha e, oito meses depois, estava competindo o campeonato nacional.
Como os para-atletas norte-americanos têm visto o fato de os próximos jogos serem no Rio?
Estive com eles nos Jogos de Pequim (2008) e em Londres (2012). Já temos as metas traçadas para o Rio. Todos, mesmo os que nem sequer chegaram às finais em edições anteriores, falam em pódio.
Você criou em Taguatinga (DF), um programa de treinamento esportivo para formar campeões olímpicos. Como se forma um campeão?
Estamos pensando nos Jogos de 2020 e 2024, treinando garotos no atletismo, porque essas coisas são feitas a longo prazo. Alcançar um pódio não é tão complicado. Estive em três Olimpíadas e subi ao pódio em duas. Conheço o que tem de ser feito. O garoto já tem de entrar no projeto com o objetivo bem definido, de que pode vencer. Não pode ir para Olimpíada para dizer que foi, tem de ir para vencer.
Qual é o processo de escolha de jovens com esse perfil?
Fizemos no ano passado uma chamada pública e testamos os que comparecem, analisamos o potencial físico e a vontade de ficar no programa. Passam por testes de laboratório, físicos e psicológicos, com ajuda da universidade católica local e da USP, em São Paulo. Os aprovados treinam de segunda a sábado com nossos treinadores, que são incentivados a seguir estudando sobre o esporte. Somos um país privilegiado para o atletismo, com muitas crianças ainda brincando muito na rua, correndo, pulando.
Você tem lembranças recorrentes da sua prova que lhe deu o ouro olímpico em 1984?
Na verdade, tenho mais lembranças das minhas origens, de quando tinha de dividir cama com a irmã, não tinha tevê em casa, caminhava e corria no cerrado para pegar frutas. Lembro mais da minha primeira experiência com atletismo, em que tive de correr 12 minutos. Tenho mais orgulho disso do que da medalha em si. Porque foram esses momentos que me moldaram como pessoa. O pódio foi resultado do que fiz durante esse processo.
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