O projeto
Ajuda de padrinho e bolsa esportiva driblam infraestrutura precária
A história dos irmãos Fidelis é mais uma que o técnico da Fecam (Fundação de Esportes de Campo Mourão), Paulo César da Costa, o Paulinho, ajuda a escrever. Há 22 anos o ex-fundista repete a rotina de criar as planilhas de treinos para jovens a partir dos 10 anos. Mas o que nasceu com o objetivo de ser um projeto social, de oferecer uma atividade a crianças de baixa renda, transformou-se em um celeiro de velocistas, fundistas, saltadores, arremessadores.
O projeto melhorou de vida em 2005, quando Vanderlei Cordeiro de Lima, bronze na Maratona da Olimpíada de Atenas (2004), deu um empurrãozinho. Ele é padrinho da equipe.
"Somos amigos há mais de década e ele sempre disse que queria colaborar. Foi ele quem convenceu a Caixa [Econômica Federal, que patrocina a confederação de atletismo] a investir no meu projeto. Antes, o banco tinha dito não outras quatro vezes", conta Paulinho, 44 anos.
O projeto, batizado de Atletismo Esperança, atende 42 atletas, entre 10 e 18 anos é está na lista da confederação de Centros de Descoberta de Talentos. "Chegamos a condições que são ao menos iguais aos principais centros de atletismo do país. Temos atletas de outras cidades pedindo para vir para cá", garante o treinador.
As condições a que ele se refere, porém, estão longe do ideal. Tanto que não há a pretensão de estender o time para a categoria adulta. A pista de corrida do Estádio Roberto Brezezinski não recebe reformas há 12 anos e tem problemas de absorção da água das chuvas. O melhor ponto é a área de arremessos, que recebeu murada de alambrado. A sala de musculação deficitária, com equipamentos antigos e falta de equipe multidisciplinar nutricionista, preparador físico, fisioterapeuta. Hoje, além de Paulinho, a comissão técnica é formada pela auxiliar Daiane Puzzo e um voluntário. A zeladora do estádio, Helena, e a mulher do treinador, Mariza, são as cozinheiras não-oficiais da equipe.
Ainda assim, hoje os garotos e garotas recebem, ao todo, cerca de R$ 140 mil/ano em bolsas de auxílio ao esporte dos governos federal (Bolsa Atleta) e estadual (Top 2016). O projeto recebe ainda R$ 41 mil anuais da Lei Municipal de Incentivo, R$ 120 mil da Caixa e o apoio de 18 empresas locais, que cedem produtos desde almoços e transporte para competições até o aluguel de uma kitinete para três atletas. Nos fundos da casa do técnico, quatro garotas dividem uma edícula.
O grande trunfo da Fecam, contudo, é a força de vontade do grupo. Para chegarem às quase 480 medalhas em 2012, os atletas chegam aos treinos faça sol ou chuva de bicicletas. Alguns pedalam quase 20 km diariamente. E ninguém depende das ordens de Paulinho ou Daiane para os treinamentos: desde pequenos, aprendem a cumprir suas planilhas de atividades diárias sozinhos.
Êxodo...
Quatro vezes campeã dos Jogos da Juventude do Paraná, a Fecam também tem a atual campeã brasileira do arremesso de dardo (até 17 anos), Noélia Cristina Rodrigues; e a campeã brasileira das Olimpíadas Escolares 2012 na prova dos 250 m, Maria Letícia Peres, 14. Mas o time conta com seis recentes baixas que foram treinar em clubes fora do estado.
...promessa
Campo Mourão é uma das cidades em que o governo estadual promete instalar uma das pistas em material sintético para o projeto em parceria com a confederação de atletismo. O técnico Paulinho não quer que ela seja no Estádio Roberto Brezezinski. "A nossa é ótima para treinos, feita em carvão mineral e terra, evita lesões, mas precisa ser restaurada". A prefeitura diz que a reforma é prioridade.
O irmão mais novo queria só aumentar sua nota em Educação Física. O mais velho foi no embalo e acabou conquistado de vez pelas frutas oferecidas no pós-treino. Ser atleta nunca havia sido, até quatro anos atrás, um projeto para os irmãos Weverton e Bruno Fidelis, de Campo Mourão. Mas é correndo e marchando que os dois estão conhecendo o mundo e levando no peito o nome da cidade do Norte do Paraná.
Weverton já gostava de correr e, ao vencer uma das provas de rua, aos 12 anos, recebeu o convite para treinar com a equipe da Fecam (Fundação de Esportes de Campo Mourão). Naquele dia, disputou a prova só porque valeria um ponto extra no boletim. Há um mês, venceu a disputa dos 3000 metros e foi bronze nos 1500 m no Festival Olímpico da Austrália.
No ano passado, terminou em terceiro nos Jogos Escolares Britânicos, em Londres, nos 3000 metros. "Foi a competição que serviu de evento-teste para a estrutura do Estádio Olímpico montado para os Jogos de Londres", conta.
Hoje, aos 16 anos, orgulha-se ainda por ser campeão sul-americano de cross country (corrida em trilhas, de 10 km) e por obter o índice do Mundial para Menores (até 17 anos), em Donetsk (Ucrânia), em julho, nos 1500 m e os 2000 m com obstáculos. Terá de escolher uma, como prevê o regulamento.
"Devo competir na prova mais longa, por ter mais chance de entrar na lista dos dez melhores do mundo", fala. Os planos também incluem o sonho olímpico. "Quero competir em 2016, mas sei que a chance de medalha é menor. Em 2020, não quero só participar. Me preparo com uma rotina de escola, treino e casa. Faço aulas de inglês também pensando nas viagens", diz Weverton.
"Ele ainda vai crescer muito no esporte. Tem um potencial de ser atleta olímpico, sem dúvida", aposta seu técnico, Paulo César da Costa, o professor Paulinho.
Para eles, o município com quase 90 mil habitantes reconhecido basicamente pelo plantio de soja e milho também pode colher no esporte.
"Sou reconhecido na cidade. Há quem comece a treinar se espelhando em mim. Mas, dentro do Paraná, as pessoas ainda não sabem que Campo Mourão é capaz de formar bons atletas. Acreditam que só São Paulo e Rio de Janeiro conseguem isso", cobra o adolescente.
Bruno, o irmão dois anos mais velho, é um dos que se inspiram no sucesso de Weverton. "Quando morávamos em Engenheiro Beltrão, ele, eu e um amigo apostávamos quem chegaria em casa antes, saindo da escola. Ele vencia sempre". O trajeto era de cinco quilômetros. O prêmio, coisa de moleque: soltar impropérios sobre a família do perdedor.
Já em Campo Mourão, quando o irmão mais novo começava os treinos no Estádio Roberto Brezezinski, assistia mais atento às laranjas e bananas que esperavam pelos atletas do que pelo que acontecia na pista. E assim, começou a correr também. Sem resultados expressivos, convenceu o técnico a mudar para a marcha atlética, antes de ceder aos pedidos do pai para procurar um emprego. "Eu já andava meio marchando, diferente dos outros", explica.
A insistência deu resultado: ele é o atual campeão brasileiro da prova, sétimo no Sul-Americano e, no Mundial, conheceu a Rússia e terminou em 28.º lugar. "Passei 15 dias em Barcelona. Fiz amigos de todo o mundo do atletismo", fala. E, há duas semanas, garantiu vaga para o Pan-Americano de Menores, em julho, no Peru, na prova de 10 km de marcha. "Foi por pouco. Eu precisava fazer abaixo dos 42min58s53. Fiz 42min58s33", conta.
Por causa do esporte, Bruno e outros três atletas da Fecam também conquistam o apoio de uma faculdade da cidade para cursarem a graduação em Educação Física. "Vou estudar para me formar técnico", diz ele, em busca de outro importante ouro: ser o primeiro da família a concluir o ensino superior.
Atletismo em Campo Mourão