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Após incursões na Europa, Gabriel Dias desistiu da F-1. Opção pela engenharia e o kart | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Após incursões na Europa, Gabriel Dias desistiu da F-1. Opção pela engenharia e o kart| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

‘Sul-Americana sai da UTI, mas está no quarto’, diz dirigente

"Pegamos a categoria na UTI e já levamos para o quarto. Mas ainda falta um ano de trabalho para ter alta." A comparação médica feita pelo diretor-geral da Vicar, Maurício Slavieiro, cabe perfeitamente para explicar a recuperação da Fórmula 3 Sul-Americana promovida pela empresa, promotora da Stock Car e do Brasileiro de Marcas.

A Vicar comprou a única categoria brasileira de formação em monopostos à beira da morte, no meio do ano passado. Àquela altura, a temporada não havia começado e corria sério risco de nem acontecer. Um trabalho emergencial possibilitou a realização de uma edição abreviada, de seis etapas e dez carros em média no grid. Para 2013, a previsão é mais otimista: nove etapas (uma delas na Argentina) e de 14 a 15 participantes, com início marcado para 7 de abril.

Um avanço, mas ainda pouco diante da F3 que o próprio Slavieiro conheceu como piloto, em 1997. "Era tão forte que o grid tinha 30 carros com pilotos de quatro, cinco países diferentes", compara.

Segundo Slavieiro, a F3 e as categorias similares definharam por uma combinação de fatores: cortes provocados pela crise econômica, alto custo para correr e baixo retorno de mídia.

Uma temporada custa R$ 500 mil na categoria principal e R$ 250 mil na Light, o menor preço entre todas as F3. O lastro econômico assegurado pela Stock e pelas Marcas dá à empresa uma musculatura maior para superar o prejuízo das duas primeiras temporadas. Resultado que a promotora pretende reverter a partir do ano que vem e que será decisivo para garantir a longevidade da categoria.

"A Vicar é uma empresa capitalizada, mas claro que ninguém vai gastar a vida inteira em um negócio sem perspectiva. Assumimos um pepino conscientemente", diz.

A pé

Nicolas Costa foi o único piloto brasileiro campeão no exterior em 2012. Venceu a Fórmula Abarth. Mesmo com o bom currículo para quem tem 20 anos, Costa ainda está a pé. No fim do ano passado, ele realizou testes na GP3, categoria que corre junto com a Fórmula 1, pela Manor Marussia, mas não fechou contrato. As negociações emperraram também para correr a AutoGP, categoria que tem seu campeonato começando hoje.

Gabriel Dias sentou pela primeira vez em um kart aos 5 anos. Até os 17, ganhou todos os campeonatos possíveis, estaduais ou nacionais. Era hora de levar a carreira para os monopostos. Sem opções viáveis no Brasil, seguiu direto para a Europa. Fez uma temporada na Fórmula Renault e duas na Fórmula 3, perante públicos que batiam na casa das 100 mil pessoas. Fez bons resultados, mas percebeu que as chances de chegar à Fórmula 1 – especialmente sob o aspecto financeiro – eram remotas. Decidiu, então, abandonar o sonho alimentado desde a infância e voltou para casa. Hoje, estuda engenharia civil, dá aulas de pilotagem e, como um hobby, disputa provas de kart pela equipe CRG Brasil.

A história de Gabriel Dias, 22, é sintomática da crise do automobilismo brasileiro de monopostos. Um quadro desolador na base, com apenas uma categoria – de grid esquálido; composto por um restrito grupo de camicases na Europa, pilotos que bancam do próprio bolso uma formação mais adequada; e que já atingiu o topo da cadeia das pistas. Pela primeira vez em 35 anos, o Brasil tem apenas um representante no início de uma temporada na Fórmula 1, Felipe Massa.

Cenário construído ao longo das duas últimas décadas. Há exatos 20 anos, eram 80 carros alinhados entre três grids de categorias de formação, as fórmulas 3 Sul-Americana, Ford e Chevrolet. Um terreno fértil, do qual saíram para os concorridos cockpits da Fórmula 1 nomes como Rubens Bar­­richello, Christian Fittipaldi, Cristiano Da Matta e o próprio Massa.

Ainda nos anos 90 a Ford encerrou seu investimento em competição, caminho seguido anos mais tarde pela Chevrolet. Foi a vez, então, de a Renault montar o seu Speed Show, comandado pelo ex-piloto de F1, Pedro Paulo Diniz. Em cinco anos, ajudou a sustentar a falsa impressão de uma base eficiente no Brasil. Forjou, por exemplo, Lucas Di Grassi, último brasileiro com histórico em monopostos dentro do país a chegar à principal categoria do automobilismo mundial.

Desde então, a formação praticamente ficou restrita à Fórmula 3, categoria que esteve a ponto de ser extinta ano passado, quando passou para as mãos da Vicar, promotora da Stock Car. Massa costurou uma parceria com a Fiat para fabricar futuros companheiros de F1, mas sua Fórmula Futuro durou apenas duas temporadas.

"Eu tentei fazer a minha parte, investi muito dinheiro numa categoria na qual eu não tinha nada a ganhar, porque já estou na F1, mas ela não deu certo, até por falta de pilotos", afirmou o ferrarista, durante evento da escuderia no Rio, no início do mês, oportunidade em que criticou o trabalho da Confederação Brasileira de Automobilismo. "A CBA pode criar muitas oportunidades para novos pilotos brasileiros", disse.

A entidade atenua seu papel. Define-se como um órgão fiscalizador e sem condições de comprar carros, que no máximo pode estabelecer uma ponte entre fabricantes e potenciais patrocinadores. Empossado nessa semana vice-presidente da CBA, o paranaense Milton Sperafico culpou os promotores da F-Futuro – gerenciada por Titônio, pai de Felipe Massa – pelo fim da categoria.

"A Fórmula Futuro era cara, inviável. A CBA não pode ser culpada se o promotor troca os pés pelas mãos e quer ganhar muito", defendeu Sperafico, ele mesmo piloto da Fórmula Ford nos anos 80.

O custo elevado é apontado pelos próprios pilotos como fatal para a base no país. Na ponta do lápis, é mais vantajoso correr na Europa do que nos circuitos brasileiros. "Entre gastar R$ 700 mil para uma temporada de Fórmula 3 Sul-Americana e 300 mil euros para correr na Fórmula Renault Europeia, muito melhor ir para o exterior", compara Pedro Bianchini, piloto curitibano que saltou direto do kart para a Fórmula BMW em 2006, com respaldo da Red Bull, que o incluiu no programa de talentos do qual saiu o tricampeão mundial Sebastian Vettel.

Caminho seguido pelo também curitibano Pietro Fantin. Para compensar o início tardio no kart, aos 15 anos, ele nem considerou a hipótese de encarar a Fórmula 3 Sul-Americana. "Se quer correr entre os melhores, é na Europa. O grid da F-3 Sul-Americana é muito pequeno, pobre, não tem o profissionalismo que tem aqui. Correr no Brasil não vai te levar a lugar nenhum", define o piloto de 21 anos, que acaba de trocar a F-3 Inglesa pela World Series, categoria hoje no mesmo nível da GP2, último degrau antes da Fórmula 1. Fantin projeta chegar ao topo do automobilismo em dois anos.

O principal impacto na formação dos pilotos é provocado pelo tempo de pista. Enquanto no Brasil, sob a justificativa de reduzir custos, os treinos são limitados, as categorias europeias têm longas pré-temporadas e períodos de teste – economiza-se nos deslocamentos, com etapas concentradas em poucos e próximos circuitos. Com mais quilometragem de teste e desenvolvimento dos bólidos, uma temporada na Europa acaba valendo por três no Brasil. Formam-se pilotos mais completos em menos tempo.

O grande complicador acaba sendo conseguir patrocínio. Mesmo com GP2, GP3, Fórmula 3 europeia e World Series passando em canais do mundo inteiro, a cobertura no Brasil inibe o investimento de empresas nacionais. Para atrair apoiadores de fora, seria necessário concorrer com os pilotos estrangeiros. Resta, invariavelmente, o "paitrocínio".

"Corro até hoje com o dinheiro da família. A gente está sempre atrás, mas é difícil conseguir alguém que queira patrocinar uma categoria que não passa no Brasil. Espero chegar à Fórmula 1 em uma equipe grande, pois se precisar levar patrocinador, é muito dinheiro e muito difícil", diz Fantin.

Dias conhece bem essa história. Na Europa, correu com Sérgio Perez e Esteban Gutierrez, dois promissores pilotos mexicanos que chegaram à Fórmula 1 carregados pelos dólares da Telmex. Sem o mesmo suporte, fez as malas e voltou para casa, como muitos outros brasileiros.

"Eu precisava estar vinculado a uma marca grande, dobrar o investimento que tínhamos para correr a GP2. Não tinha condições de arriscar o dinheiro da família. Era o projeto da minha vida desde que nasci. Foi frustrante voltar", reconhece.

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