Nakhon Nayok, principal cidade da província tailandesa de mesmo nome, tem apenas 18 mil habitantes. A distância para a capital Bangkok é de 115 quilômetros, uma viagem de aproximadamente duas horas e meia. Percurso feito por dois paranaenses há duas semanas e que terminou com desfile no carro do Corpo de Bombeiros, acredite, em Pontal do Paraná, no último domingo (16).
Professor e aluno de uma academia de muay thai no Litoral, os atletas Luiz Henrique Wilson Silva, 23 anos, e Willian ‘Lila’ Barbosa, 21, viajaram meio mundo para se aventurar na Queen’s Cup — tradicional torneio amador em homenagem ao aniversário da rainha Sirikit, no dia 12 de agosto. Com um nocaute em menos de 30 segundos, Lila voltou com o cinturão da categoria até 75 kg. Luizinho perdeu após contestada decisão dos juízes em uma luta casada de 68 kg. Mas ambos retornaram para casa com largos sorrisos, honras de heróis, e um aprendizado sem igual para a carreira que pretendem seguir.
“Realizamos o sonho do nosso mestre levando a equipe Thainaja para a Tailândia. Pudemos comparar nosso nível com o deles e sabemos que estamos no caminho certo”, garante Luiz Henrique, praticante do esporte desde os nove anos de idade e agora prestes a receber a faixa preta.
Antes de viajar quase 25 horas até o coração da Ásia, porém, os lutadores também suaram na busca por patrocinadores para bancar as passagens (R$ 3.500 cada) e despesas com hospedagem e alimentação. Recorreram a comerciantes locais, rifa, festa junina na academia, além de dinheiro do próprio bolso. “O pessoal ajudou e deu tudo certo. Só tenho a agradecer”, diz Willian, acostumando-se a tirar fotos e dar autógrafos no balneário de Shangri-lá.
O convite para competir no berço do muay thai surgiu em julho, durante seminário do grão-mestre Narong Wongsoonthon, em Porto Alegre. Examinador mundial da AITMA, principal entidade do esporte na Tailândia, Narong pediu indicações ao mestre Rafael ‘Thainaja’ Pereira, discípulo de Nelio Naja, introdutor da arte marcial no Brasil.
Assim, Luizinho e Lila se tornaram os únicos brasileiros da competição, em meio a atletas de outras dez nacionalidades. Eles lutaram por uma bolsa de 3.000 bahts, cerca de R$ 290.
Programado para iniciar às 18 horas, o Queen’s Cup tinha um card com 25 lutas. Como tudo aconteceu em um ringue montado ao ar livre no centro de Nakhon Nayok, uma forte chuva seguida por um blecaute interromperam o torneio por meia hora.
O fato atrasou toda a programação e aumentou o clima caótico do evento. O adversário de Luizinho, por exemplo, apareceu na pesagem, feita na manhã do dia da luta, com seis quilos a mais do que o permitido para a categoria (61 kg). O brasileiro fico sem opção.
“Fui lá para lutar, mostrar nosso trabalho, independentemente do resultado”, explica. “Mas eu ganhei a luta”, ressalta, argumentando contra os árbitros.
Lila subiu ao ringue bem antes, no segundo duelo da noite, ainda com luz natural. Rodeado por crianças enquanto colocava as luvas e se preparava, ele transpirava ansiedade. “Estava com receio por lutar contra alguém da casa. Mas assim que pisei no ringue fiquei tranquilo. Esperei para ver o jogo dele e depois parti para o boxe. Se você chuta, eles dão risada. Mas não gostam de tomar soco na cara”, comenta.
Nocauteou mesmo com duas joelhadas, uma delas no plexo solar. O adversário literalmente se contorcia de dor enquanto esperava atendimento médico.
O que mais chamou a atenção dos paranaenses, contudo, não foi nem o calor (a sensação térmica alcançava 45ºC por causa da umidade), nem a culinária ultraapimentada e repleta de iguarias como espetinhos de insetos. Muito menos a adoração do povo tailandês pelo futebol brasileiro, especialmente por Neymar. Mas sim a maneira como o muay thai está inserido na sociedade e cultura local.
“Lá, se você é um nak muay [lutador] você é respeitado. É como se fosse um jogador de futebol aqui, você é ‘o cara’. No Brasil um lutador não vale quase nada”, reclama Lila.
“Nossa realidade é vender o jantar para comprar o café”, concorda Luiz Henrique, que voltará a Tailândia ao lado do aluno para o Mundial, em março. Até lá, a luta diária é para pagar o aluguel do mês.
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