Ed Whitlock: exemplo de envelhecimento mínimo.| Foto: Ian Willms/NYT

Era dia de conversar, não de correr. A neve se acumulava ao longo das ruas. A entrada da garagem estava coberta de gelo fino. O ombro de Ed Whitlock doía. Seu rosto estava inchado. Ele não se sentia bem o suficiente para ir ao cemitério.

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A pedido de um visitante, Whitlock mostrou sua coleção de troféus curiosos: uma lata de cerveja por ter ganhado uma série de corridas aos 60 anos de idade; (”Ainda tem cerveja aí dentro!”.) uma caneca de café por ter se tornado a primeira pessoa com mais de 70 anos (e ainda a única) a correr uma maratona em menos de três horas; uma bola de beisebol por ter feito o primeiro arremesso em um jogo da segunda liga.

“Acabou três vezes na mão do receptor. Meu braço é terrível”, disse Whitlock, poucos dias antes do Natal.

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Não foi o braço, mas as pernas e os pulmões o transformaram em uma maravilha científica e em um fenômeno octogenário. Em outubro, aos 85 anos, ele estabeleceu seu novo recorde de longa distância, completando a Maratona Toronto Waterfront em 3 horas, 56 minutos e 34 segundos, e se tornando a pessoa mais velha a correr 42 km em menos de 4 horas.

Tendo estabelecido dezenas de recordes de sua faixa etária em maratonas, Whitlock permanece na vanguarda dos atletas idosos que levaram os cientistas a reavaliar as possibilidades de envelhecimento e desempenho.

“Ele é o mais próximo que podemos chegar ao envelhecimento mínimo em um ser humano”, disse o Dr. Michael Joyner, especialista e pesquisador da Clínica Mayo.

 

Sem treinador e sem dieta

A carreira de Whitlock é tão heterodoxa quanto notável. Para começar, ele treina sozinho no cemitério Milton Evergreen, perto de sua casa, nos arredores de Toronto. Corre entre 3 ou 3,5 horas por vez, sem ser incomodado pelo tráfego ou pelos habitantes eternos, nem por teorias modernas ou dispositivos de treinamento.

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Na Maratona de Toronto, ele usou um tênis de 15 anos de idade e uma camiseta de 20 ou 30. Não tem treinador. Não segue nenhuma dieta especial. Não analisa seu treinamento. Não usa monitor de frequência cardíaca. Não toma banhos gelados nem faz massagens. Recolhe a neve com uma pá no inverno e cuida do jardim no verão, mas não levanta pesos nem faz abdominais ou flexões. Evita o alongamento, exceto no dia da corrida. Não toma nenhum remédio, apenas um suplemento que pode, ou não, ajudar os joelhos.

É um homem pequeno: tem 1,70 m de altura e pesa cerca de 50 kg. Também tem uma enorme capacidade de transporte de oxigênio; uma retenção de massa muscular rara para alguém da sua idade; um caminhar leve e uma dedicação inabalável de competir contra o relógio, tanto o biológico quanto o da linha de chegada.

“Acredito que as pessoas podem fazer muito mais do que acham que podem. Basta ser idiota o suficiente para tentar”, disse Whitlock, engenheiro de mineração aposentado que nasceu em Londres e fala com a costumeira autodepreciação britânica.

Tênis utilizado pelo britânico na última Maratona de Toronto tem mais de 15 anos. 

Alvo de estudos

Quatro anos atrás, aos 81 anos, Whitlock foi submetido a uma bateria de exames fisiológicos e cognitivos na Universidade McGill em Montreal. Um dos testes mediu seu VO2 máximo, a quantidade máxima de oxigênio que pode ser consumido e utilizado pelos músculos durante o exercício, registrada em mililitros de oxigênio por quilograma de peso corporal por minuto. Quanto maior o número, maior a aptidão aeróbia do indivíduo.

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Um esquiador cross-country de nível olímpico pode ter um VO2 máximo de 90, em comparação, uma pessoa de 80 anos que vive de forma independente tem cerca de 20. A pontuação de Whitlock foi um excepcional 54. “Esse número é equivalente ao de alguém em idade universitária que é atleta recreativo”, disse Russell Hepple, fisiologista do exercício que realizou os testes com Whitlock na McGill com seu colega e a esposa, Tanja Taivassalo.

Um VO2 de 54 parece ser insuperável entre as pessoas de 80 anos que foram testadas, segundo Scott Trappe, o diretor do laboratório de desempenho humano na Universidade Ball State em Muncie, Indiana, estudioso de esquiadores suecos de cross-country que continuaram com desempenhos em níveis elevados em seus 80 e tantos e 90 e poucos anos, incluindo o campeão olímpico de 1948, Martin Lundstrom.

“Não há nada maior do que isso na literatura. É uma fisiologia fenomenal”, disse Trappe sobre Whitlock.

Na McGill, Whitlock também fez exames de imagem e biópsia de seus músculos. A menor entidade funcional do músculo é chamada de unidade motora, que consiste de um neurônio e as fibras musculares que ele ativa, cujo funcionamento declina com a idade.

Por exemplo, um adulto jovem saudável tem cerca de 160 unidades motoras no músculo da tíbia, chamado de tibial anterior, que ajuda a levantar os dedos dos pés. Segundo Hepple, em um octogenário, esse número poderia ter diminuído para cerca de 60, mas Whitlock manteve “quase cem”.

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Esse fato pode ser amplamente explicado, disse ele, por um nível cronicamente elevado de substâncias químicas em circulação, chamadas neurotrofinas, que protegem e nutrem os neurônios, ajudando-os a sobreviver.

“Essa é uma grande vantagem. Se você tem mais unidades motoras, no contexto da idade, isso se refletiria em uma melhor manutenção da massa muscular, que por sua vez, se traduziria em mais força”, disse Hepple, que recentemente se mudou para a Universidade da Flórida e continua a analisar seu estudo de Whitlock e de outros atletas idosos.

“Além da genética, existem outros fatores que certamente contribuíram para a resistência impressionante de Whitlock”, disse Joyner, da Clínica Mayo.

Ele comparou Whitlock com Joan Benoit Samuelson, campeã olímpica da maratona de 1984 que continuou a fazer tempos de menos de 3 horas até quase 60 anos e que afirmou que tentará manter a façanha extraordinária com o avanço da idade.

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“Whitlock e Joan podem não ser extrovertidos, mas atletas como eles, que permanecem altamente ativos com a idade, no fundo, continuam verdadeiras crianças”, disse Joyner. Ele os descreveu, em geral, como curiosos, relativamente irrestritos e cheios de vigor físico e emocional, não tão diferentes da tia ou tio mais velhos que insistem em brincar com pistolas de água nas reuniões de família.

“Existem fatores biológicos; não sou ingênuo em relação a isso, mas essas pessoas não são aberrações. Elas mostram que, com um pouco de sorte, grande parte do envelhecimento também tem a ver com a vontade”, disse Joyner.

“Idade pesando”

Inevitavelmente, porém, até mesmo Whitlock fez algumas concessões ao envelhecimento. Seu peso antes da maratona de Toronto Waterfront em outubro caiu para 47,6 kg, e ele se perguntou se estaria passando por alguma perda muscular.

Seu tempo de maratona aos 85 anos, 03h56min34s, é mais de uma hora mais lento do que o de 02h54min48s da disputa em Toronto aos 73 anos, considerada sua melhor corrida de masters.

Ajustado para a idade, a prova foi o equivalente a um corredor no auge da carreira completar uma maratona em 02h04min48s, que é menos de 2 minutos superior do que o atual recorde mundial de 02h02min57s. Escrevendo no New York Times, o jornalista e corredor Marc Bloom disse que o desempenho de Whitlock em 2004 pode ter feito dele “o melhor atleta do mundo em sua idade”.

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Em 2016, ele estabeleceu uma série de recordes dessa faixa etária, incluindo uma meia-maratona em 01h50min47s. Mas também houve interrupções mais frequentes no treinamento, por dores no ombro, joelho, quadril e virilha.

“Quando se chega à minha idade, a taxa de deterioração vai se acelerando”, disse Whitlock.

Amby Burfoot, vencedor da maratona de Boston de 1968 e editor da revista Runner’s World, que continua a correr aos 70 anos, disse: “Para um cara que parece que um vento de 15 km/h poderia derrubá-lo, Ed segue firme, definindo seu caminho e seus recordes, e ninguém consegue se aproximar deles”.