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Grilo e Adriano de Souza posam juntos para foto depois de acertarem a parceria que culminou no título mundial. | Reprodução/Facebook
Grilo e Adriano de Souza posam juntos para foto depois de acertarem a parceria que culminou no título mundial.| Foto: Reprodução/Facebook

Enquanto dentro da água a tensão era total, com o título mundial podendo passar das mãos de Adriano de Souza para as de Mick Fanning a qualquer momento nas ondas de Pipeline, na areia um personagem sofria à distância. Técnico de Mineirinho, Leandro Dora tentava manter a calma e torcia para que seu atleta mantivesse a vitória sobre o havaiano Mason Ho para conquistar o mundo e dar início a uma festa digna de Arpoador na normalmente calma praia havaiana.

Peça que normalmente pouco ou nada aparece no individualista mundo do surfe, o técnico vem ganhando espaço e importância nos últimos anos. Campeão mundial do ano passado, Gabriel Medina é ‘comandado’ pelo padrasto Charles Saldanha, conhecido por vibrar e não parar quieto na beira da água. Revelação da temporada e quarto do mundo, Filipe Toledo é orientado pelo pai Ricardinho, ex-surfista profissional que já é famoso no circuito pelos assovios que usa para orientar o filho.

O início em uma prancha de R$ 30

Filho de uma empregada doméstica e de um estivador aposentados, Mineirinho cresceu em uma favela na periferia do Guarujá, a 40 minutos da praia. Foi do irmão Angelo de Souza que herdou o apelido no diminutivo e ganhou a primeira prancha, aos 7 anos, de segunda mão.

“No início, levava ele para surfar com a minha prancha, que era muito grande e pesada. Ele era muito pequeno e não tinha força para surfar com ela. Quando percebi que ele estava se desenvolvendo e tinha vontade de continuar, ele apareceu com uma pranchinha para comprar de um conhecido na praia. Já estava bem usada, deteriorada. Como éramos muito humildes e tínhamos pouca grana, pesou um pouco, mas decidimos investir R$ 30 para poder auxiliar a trajetória dele”, recorda Angelo.

Policial ambiental, Angelo, de 40 anos, tinha 19 na época e estava servindo ao exército quando usou parte do seu salário para comprar a prancha. Na quinta-feira, estava trabalhando durante a conquista do irmão em Pipeline e não conseguiu assistir ao vivo a dedicatória que Mineirinho fez a ele: “Estava no policiamento embarcado, soltando jacaré. Durante o serviço, minha esposa e os amigos me mantinham informado pelo Whatsapp. Assim foi até a final. Esse título é o resultado de muito trabalho, não só dele, mas também da família. Veio coroar a trajetória dele e nosso esforço também.”

Angelo, que ganhou o apelido de Mineiro na adolescência por ser quieto e falar pouco, continua a pegar ondas no Guarujá por lazer nos fins de semana e já surfou em Pipeline a convite do irmão, bem como em outros picos na França e na Espanha. Se Mineirinho se emocionou ao agradecer pelos R$ 30 para a compra da primeira prancha, seu irmão também é muito grato: “Se algum dia fizemos algo por ele, ele retribuiu cinco vezes mais.”

Adriano iniciou o ano sem técnico. E o começo de temporada foi impressionante, com duas finais e uma vitória nas três etapas australianas do WCT. Líder do ranking, Mineirinho passou a ser o cara a ser batido. A pressão atrapalhou, e ele tropeçou cedo no Rio, em um campeonato em que tinha altas expectativas, e nas Ilhas Fiji. Foi aí que entrou em cena Leandro Dora, conhecido como Grilo, de 45 anos.

Pai de Yago Dora, jovem surfista que promete ser outro integrante de peso na ‘brazilian storm’, Leandro adota um estilo mais calmo. Orienta e conversa com Adriano – que o chama de ‘paizão – durante os treinos, mas não fica ‘em cima’ do surfista no momento das baterias.

Ex-treinador de Ricardo dos Santos, surfista catarinense assassinado no começo do ano na Guarda do Embaú, Grilo conheceu Adriano através de seu ex-pupilo, que era grande amigo do campeão mundial. Ricardinho serviu como inspiração para Mineirinho durante toda a campanha do título.

Os dois começaram a trabalhar juntos na etapa sul-africana, em julho. Logo de cara, a parceria funcionou, e Mineirinho avançou até as quartas de final. Um mês depois, Adriano surfou bem em Teahupoo, no Taiti, mas cruzou logo na terceira fase com o niteroiense Bruno Santos, especialista naquele tipo de onda e que acabou levando a melhor.

A partir dali, Adriano emendou dois bons resultados em sequência. Foi vice em Trestles, na Califórnia, perdendo apenas na final para Mick Fanning, e terceiro colocado na França, parando na semifinal diante de um Gabriel Medina endiabrado, que acabaria vencendo o evento. Em Portugal, um tropeço inesperado diante do convidado local Vasco Ribeiro impediu Adriano de chegar ao Havaí como líder do ranking, mas o paulista de 28 anos superou todos os obstáculos para levantar a taça após um desempenho irretocável em Pipeline.

“A conquista do Adriano foi esplêndida, mais do que merecida.O Dora é um guerreiro, que vem há um bom tempo trabalhando nesse segmento. Ter se aliado ao Leandro com certeza foi mais um fato que ajudou na evolução do Adriano”, disse Fabio Gouveia, um dos pioneiros do Brasil no circuito mundial, no fim dos anos 80.

“Sinto que sou um ‘paizão ‘do Adriano em certos momentos. Temos uma relação profissional que acabou virando pessoal também, por causa da nossa intimidade. Eu faço tudo o que puder para ele ficar tranquilo e surfar da melhor forma possível“, disse Leandro ao GloboEsporte.com antes do título mundial em Pipeline.

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