Personagem
"Nosso escudo era nossa cara"
Entrevista com Leandro Vuaden, árbitro de Coritiba x Fluminense.
Imaginava que tamanha confusão pudesse ocorrer?
Jamais imaginaria isso. Ainda mais hoje em dia, quando muito se fala para que esse tipo de problema não aconteça.
Quando percebeu que alguém tentaria te agredir?
Eles vinham correndo por trás e fui alertado pelo auxiliar, o Paulo Ricardo Conceição. Tive a visão de um deles em minha direção e procurei me defender. Felizmente houve a chegada polícia, que nos retirou rapidamente. Não fosse a polícia, poderia ter acontecido o pior.
Demorou a sair do estádio?
A gente nunca tem pressa para sair do estádio, a prioridade é chegar e sair com segurança. Ficamos no vestiário preeenchendo o relatório do jogo, fizemos o boletim de ocorrência lá mesmo. Saí de lá por volta das 22 horas, dentro de uma viatura, escoltado pela polícia.
Já havia enfrentado algo assim?
Nada nem parecido e nunca mais quero passar por isso.
Sua família entrou em contato para saber como você estava?
Sim. Minha esposa, filhos, bah, um terror o que as imagens mostravam, eles se assustaram. Do gramado, não vimos nem um décimo do que aconteceu.
E sua reação quando viu as imagens na tevê?
Fiquei muito assustado, preocupado e aliviado. Vendo os policiais, encolhidos, sendo agredidos... Eles ainda tinham escudo para se defender. Nosso escudo era a nossa cara. Pela quantidade de pessoas, virou uma batalha campal.
O Coritiba encerrou o Brasileiro-2009 ocupando espaço nos noticiários do mundo todo, com as imagens de violência dos torcedores que invadiram o campo após o empate por 1 a 1 com o Fluminense. As confusões dentro e nos arredores do Estádio Couto Pereira foram notícia em jornais e sites dos Estados Unidos, Espanha, Portugal e Alemanha.
"O Coritiba ficou com uma imagem extremamente arranhada. Uma pena, depois de tudo que foi feito no ano do centenário", diz o jornalista Erich Beting, diretor da Máquina do Esporte, site especializado em marketing esportivo.
"Não sei dizer se essa repercussão pode interferir em novos contratos de patrocínio, até porque, nos vídeos dos confrontos, o que mais se vê são pessoas com camisa de torcida organizada, não do clube", prossegue. O consultor marketing e gestão no esporte da Horwath RCS Auditoria e Consultoria, Amir Somoggi, também não acredita em perdas de patrocínio ou de contratação de atletas por causa das ranhuras sofridas pelo Alviverde com os atos de vandalismo do último domingo.
"O time começa 2010 em um cenário de caos, sem ter receita de bilheteria, com o estádio interditado. Mas acho que o clube tem condições de, com trabalho sério, ficar ainda mais forte", avalia Somoggi. "Ficou evidente um problema de gestão. Mais uma vez faltou planejamento no evento. Um jogo com dois times com risco de rebaixamento não poderia ter só 20 policiais em campo", diz Beting.
A violência vista em campo no Couto Pereira chamou a atenção dos especialistas para a relação dos times com as torcidas organizadas.
" É o momento de romper com essa cultura de o torcedor ter muito poder dentro do clube", aponta Beting. Ele apoia a separação total entre as organizadas e os clubes. "Se a torcida quiser usar o escudo do time, por exemplo, teria de pagar royalties", sugere.
"A hora é de o Coritiba aumentar a segurança de seus torcedores", fala o coordenador do MBA em Indústria do Futebol da Universidade Positivo, Oliver Seitz.
O Liverpool, da Inglaterra, pode servir de modelo. Hoje sua torcida é bastante respeitada, depois de superar a década de 1980 com grandes tragédias ligadas aos hooligans.
Na final da Copa dos Campeões de 1985, na Bélgica, 39 torcedores do Juventus morreram prensados contra um muro após um tumulto iniciado pelos fãs dos Reds. Em 1989, a maior tragédia do futebol inglês: a superlotação de uma das alas do estádio levou à morte 96 torcedores do Liverpool.
"Há 20 anos os Reds celebram a data do desastre. Relembram o que tem de ser feito para evitar que a tragédia se repita. Guardadas as devidas proporções, o Coritiba tem de tomar esse dia do rebaixamento como lição para que coisas mais graves não aconteçam no futuro", fala Seitz.
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