Quando cruzou a linha de chegada e olhou para a marca estampada no placar do Estádio de Valence, Christophe Lemaitre, 20 anos, se deu conta de que a sua vida mudaria. Era o fim do anonimato. Bem mais do que vencer o Campeonato Francês, o corredor havia entrado para a história. Se transformara no primeiro branco a correr os 100 metros rasos em menos de 10 segundos. 9s98 mais precisamente a prova foi disputada no mês passado.
Não é pouca coisa. Sem querer, o francês reascendeu as discussões em torno da supremacia negra no atletismo. Alvoroçados com o feito, especialistas juntaram anos de estudo e diferentes teorias para tentar explicar os motivos que relegam brancos como Lemaitre a um papel secundário dentro da modalidade, especialmente em provas de velocidade.
Doutor em Ciências do Desporto pela Unicamp, Valdomiro de Oliveira acredita que a tendência é de que o antigo grupo fechado seja cada vez mais frequentado por atletas de pele clara. "É a unificação do treinamento. Hoje, por causa da tecnologia, o acesso aos planos de trabalho e aos aparelhos usados ficou bem mais fácil", afirmou ele, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
A porta está aberta, mas não será nada fácil para a ala capitaneada pelo francês tomar a dianteira o recorde mundial dos 100 metros rasos pertence ao negro jamaicano Usain Bolt (9s58). Lemaitre e outros brancos lutam contra o próprio biótipo, mais adequado a prática de esportes de força como o lançamento de dardo ou levantamento de peso, explica o norte-americano Jon Entine, autor do livro Taboo: Why Black Athletes Dominate Sports and Why Were Afraid to Talk About It (Por que atletas negros dominam os esportes e porque nós temos medo de falar sobre isso).
"O tipo de corpo e a fisiologia diferentes da população é que dizem quem é melhor ou pior em determinados esportes", disse ele, em entrevista por e-mail.
Oliveira detalha a teoria. "As fibras musculares humanas são divididas em tipo I e II. As fibras do tipo I possuem características de abalo lento, ou seja, mais propícias para esforços de longa duração e baixa intensidade. Em contrapartida, as fibras do tipo II são adequadas para esforços de curta duração e alta intensidade, ideais para provas de 100 m e 200 m", explicou. "Estudos russos e americanos mostram que os negros são possuidores de um maior número de fibras do tipo II", completou.
Ainda assim o professor acredita por meio do treinamento a distância que hoje separa brancos e negros no atletismo tende a diminuir. "Em breve outros atletas brancos baixarão o tempo atingido por Lemaitre em função dos avanços científicos. A questão genética continua sendo fundamental, porém as metodologias de treino aliada a fatores ambientais podem surpreender", ressaltou.
Combinação que fez Christophe Lemaitre entrar para a história.
Deixe sua opinião