O Brasil perdeu, a seleção deu vexame, a torcida chorou indignada, mas a história do futebol brasileiro na Copa do Mundo da Alemanha deve parar por aí mesmo. Na opinião de especialistas de diversas áreas, mesmo no país do futebol a bola não é mais tão determinante para os rumos da sociedade como em outras épocas. E a derrota brasileira nem mesmo deve ter grandes reflexos no meio futebolístico.

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Baseado em derrotas como a de 1950, do Maracanazo, para o Uruguai, de virada, por 2 a 1, Nelson Rodrigues criou o tal "complexo de vira-lata" – que o cronista diz ter acabado com o título mundial de 58. O termo nasceu dentro de campo, mas foi estendido para definir outros tantos episódios sociais, nos quais o escritor detectava um sentimento de inferioridade em seus personagens. A seleção era o reflexo do Brasil. E se o futebol perdia o país também sentia o impacto. Uma realidade que não existe mais.

"Com a mídia, hoje há um processo muito rápido de dissociação", opina o historiador Luiz Carlos Ribeiro.

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A afirmação do professor da UFPR é baseada em uma pesquisa que ele realizou sobre o desempenho brasileiro nas Copas e alguns de seus possíveis impactos no país. Com base no estudo, ele discorda radicalmente do senso comum que diz que o desempenho de nossa seleção em um Mundial pode influenciar até o rumo de uma eleição presidencial.

"Não é verdade que exista uma relação entre o resultado das eleições e o da Copa do Mundo. É só pegar exemplos recentes, como o Mundial de 98, quando o Brasil perdeu, mas a situação se manteve no governo (Fernando Henrique Cardoso foi reeleito). Ou 2002, quando ocorreu o contrário (Lula, candidato de oposição, venceu)."

A baixa auto-estima da população também não seria apenas dependente dos insucessos na bola, mas muito mais guiada por questões como desemprego, a mortalidade infantil, o analfabetismo e a corrupção. "Esse sentimento de impotência frente à corrupção fere muito mais a população do que perder a Copa", conclui Ribeiro.

Feita a separação, o óbvio seria imaginar que a desgraça teria como alvo o próprio futebol nacional, em uma desvalorização generalizada na qual a única saída seria a tão falada (e ouvida) renovação total.

Outro erro.

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Os jovens craques, por exemplo, continuarão sendo vendidos – cada vez mais cedo. "Sinceramente, acredito que não vai afetar em nada. Senão meu telefone já tinha parado de tocar. E o que está ocorrendo é o contrário", afirma Márcio Rivelino, filho de Roberto Rivelino, craque da seleção de 70, e empresário de jogadores como Borges (ex-Paraná) e Danilo (Atlético). "O fracasso foi de uma seleção européia. Nela só havia três jogadores que atuam no Brasil. E os europeus vêm aqui procurar as revelações, não o jogador pronto. Talvez influenciasse se as seleções de base parassem de conquistar títulos", justifica.

A imagem do futebol no exterior também permanecerá intacta. "O futebol brasileiro é uma grife. A desclassificação não vai acabar com o mito que foi criado em torno dele. A seleção jogou mal, mas o futebol brasileiro não é só esse time, é um histórico", opina o jornalista inglês Alex Bellos, autor do livro Futebol, o Brasil em campo. "O que faz as pessoas admirarem o futebol brasileiro na Europa não é mais a seleção, mas sim os jogadores que atuam nos clubes", complementa.

A longo prazo, até o selecionado sairia ganhando. "Acho que a derrota vai servir de exemplo. Mais uma vez fica explícito que o futebol não se joga apenas com técnica e em cima de valores individuais. E isso deve refletir de alguma forma em campo", diz Branco, tetracampeão mundial em 94 e coordenador da categorias de base da CBF.

"Vai haver uma transformação na seleção. Vai pesar mais o jogo em conjunto. Tudo aponta para isso. E acho também que vão passar a dar mais valor ao lado motivacional, que é fundamental", afirma Cristóvão Tezza, escritor e colunista do caderno "Copa do Mundo 2006", da Gazeta do Povo.

Mas, afinal, ninguém vai se dar mal depois desse papelão? Resposta: os próprios jogadores que dormiram em campo na Copa.

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A tendência é que o valor dos contratos publicitários dos atletas da seleção tenha um valor mais baixo na renovação. As multas contratuais também tendem a se desvalorizar.

"A transferência desses galáticos com certeza vai sair mais barata agora", aponta Rivelino. "Na renovação dos contratos também haverá uma desvalorização. É natural, a lei da oferta e da procura. O Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, teve muitas ações nessa Copa, com 5 ou 6 produtos usando a sua imagem. Sem o título, isso vai pesar para a atração de novos contratos", complementa Marcelo Budolla, especialista em marketing esportivo.

Zé Roberto, um dos poucos que jogou pro gasto, já havia feito a previsão: "A Copa do Mundo é a principal vitrine para um atleta. Eu acho que os jogadores que não foram bem podem esperar uma queda de 10% à 20% de seus valores e de seus contratos de imagem e de publiciade no mercado."

Só isso?