Qual o sentimento que nutre um torcedor que sai à caça de outros torcedores ou de um juiz de futebol depois de ver seu time rebaixado? Em princípio pode parecer incoerente, mas a explicação para a tragédia ocorrida no Couto Pereira, no domingo, após o empate entre Coritiba e Fluminense que levou o time paranaense à Segunda Divisão, é a paixão. Em seu nível mais alto e descontrolado.
"A paixão pode levar ao fanatismo e aí surge o risco da perda do autocontrole por parte de indivíduos aparentemente normais quando desempenham outros papéis sociais", explica Heloísa Baldy, pós-doutora em Sociologia do Esporte e autora do livro Futebol e Violência.
O rebaixamento, diz a professora, não foi do Coritiba. Foi dos 30.493 pagantes que lotaram o Couto Pereira e esperavam outro desfecho para a história.
"Os torcedores viviam a esperança da vitória de seu time para não serem rebaixados. Fato que alguns entendiam como o próprio rebaixamento pessoal, tanto que ao perderem invadiram o campo e tentaram descontar suas iras contra quem quer que os impedissem de externar sua frustração, seu ódio e sua insatisfação", diz Heloísa.
E os alvos principais, na cabeça desses torcedores, foram o árbitro que julgou o Coritiba por 90 minutos e os jogadores adversários, que destruíram o sonho e a expectativa latente.
Possíveis soluções sugeridas pela da estudiosa passam longe do que estão planejando as autoridades, como por exemplo a extinção das torcidas organizadas.
"Só aumentaria a violência, porque grupos de jovens clandestinos são piores para a sociedade do que os associados. A solução passa por políticas afirmativas com as torcidas", explica.
A Polícia Militar do Paraná informou que o efetivo utilizado no jogo de domingo 700 soldados era suficiente para conter possíveis abusos de torcedores. Mas além do número de policiais, o que falta é atitude preventiva para lidar com fanáticos. "A polícia não está preparada para esse tipo de espetáculo porque ele demandaria cursos de formação mais longos e com profissionais especialistas. É preciso compreender o fenômeno esportivo profundamente e como atuar com sujeitos fanáticos, apaixonados em situação de lazer", comenta Heloísa.
Violência é inerente
Para o inglês Geoff Pearson, especialista em hooligans e diretor do curso de Indústria do Futebol da Universidade de Liverpool, a violência é intrínseca ao futebol e sua extirpação seria algo impossível.
"O futebol nunca estará livre da violência. Ela sempre vai existir quando se trata de um grande grupo de pessoas concentradas em um mesmo lugar. Ainda mais quando elas têm ideias diferentes, torcem para equipes distintas", disse o inglês em entrevista à Gazeta do Povo publicada no dia 1.º de novembro.
O que motivaria a violência em detrimento do esporte seria, em sua opinião, a formação cultural e a possibilidade do conflito.
"Torcedores brigam por seus times. Gostam e fazem isso por causa da ação e da adrenalina que os confrontos lhes dão. E também faz parte da cultura, principalmente entre os jovens", explica Pearson, autor do livro Football Hooliganism.
Em entrevista à Gazeta do Povo em junho deste ano, o compositor, ensaísta e professor de Teoria Literária da USP, José Miguel Wisnik, relatou a relação do torcedor com o futebol. A violência seria explicada devido às projeções que o indivíduo faz no que vê em campo. "A relação que torcedores estabelecem com o jogo é hipnótica e projetiva. Mas nela podemos perder também e aceitar que essa derrota é um simbolismo forte. Só assim admitimos que não somos onipotentes", diz o autor de Veneno Remédio O Futebol e o Brasil.
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