Falar sobre transplante de órgãos com a família não é algo exatamente recorrente ou fácil. O tema, por envolver a morte, ainda é um tabu. Justamente por ser um assunto delicado, o Madero – rede de restaurantes paranaense com mais de 80 unidades no Brasil e uma em Miami – resolveu puxar essa conversa em uma campanha em parceria com o Hospital Angelina Caron, em prol da doação de órgãos. O filme, desenvolvido pela Agência Beats, se tornou um viral na internet, e foi o premiado na categoria social do Top de Marketing 2016.
O vídeo, de dois minutos, faz a seguinte abordagem com clientes reais: em uma mesa, uma das pessoas recebe um cheeseburguer sem o hambúrguer, elemento principal do sanduíche. Ao notar o erro e fazer a reclamação, o cliente ganha um novo produto, embalado em uma caixa, com a frase “se um hambúrguer faz falta em um cheeseburguer, imagina quanto um órgão faz falta para quem precisa. Seja um doador de órgãos e avise a sua família. Sua ajuda pode salvar muitas vidas”.
O objetivo de criar uma experiência impactante foi alcançado tanto nas estatísticas (foram 925 mil visualizações e cerca de 2,5 milhões de pessoas impactadas) como nas reações dos consumidores. “As pessoas que foram impactadas falaram que nunca tinham refletido sobre o assunto, e quiseram falar com a família. Alguns, ali mesmo na hora.Essa é uma decisão [doar órgãos de um familiar] que ninguém quer tomar porque não se fala sobre isso. Também foi unânime a participação no vídeo, todos cederam os direitos de imagem”, diz o diretor de Marketing do Grupo Madero, Leandro Lorca.
A gravação mexeu com a rotina da cozinha, que trabalha sincronizada justamente para evitar erros em pedidos. “Teve um envolvimento dos funcionários e de toda a equipe de qualidade. Os garçons já ficavam de prontidão para trazer rapidamente o hambúrguer certo com a mensagem da doação”, conta o diretor.
Causa
De acordo com Leandro, o engajamento social existe desde a fundação do restaurante, em 2005 (cada inauguração do Madero, por exemplo, tem a verba destinada para alguma instituição de caridade parceira). Porém, há uma preocupação particular com o tema doação de órgãos por ele estar presente no cotidiano dos sócios e funcionários: a estilista Thayana Ribas Mello, esposa de um dos sócios, tem rim (doado pelo pai, que era 100% compatível) e pâncreas transplantados, por conta de problemas que surgiram pelas complicações da Diabetes Tipo 1, doença que ela descobriu aos nove anos.
Hoje, aos 35, é saudável e se livrou da insuficiência renal. “Tive sorte de ser 100% compatível com o meu pai, mas fiquei mais de um ano na fila para conseguir o transplante de pâncreas, que é uma espécie de tratamento para pessoas com Diabetes Tipo 1. Doar órgãos e avisar aos seus familiares o desejo de ser um doador é uma atitude muito nobre”. No Brasil, a doação vem avançando: de acordo com dados do Ministério da Saúde, o número de doadores de órgãos e tecidos cresceu 7,4% no primeiro semestre deste ano.
A designer aposentada Vera Lúcia Scorsin Kruger, mãe do gerente de marketing do Madero, Guilherme Scorsin Kruger, também passou por situação semelhante: o ceratocone (doença degenerativa da córnea) fez com que ela precisasse de transplante – ela chegou a ficar apenas com 5% da visão. “Hoje, nem óculos eu uso. Mas a recuperação do transplante é delicada, e é preciso tomar todos os cuidados do pós-operatório. Acho que é uma maneira de agradecer a generosidade dessas famílias”.