Parque Bacacheri é um dos locais que Pascoal Zani costuma passear com a família.| Foto: Cezar Brustolin/SMCS
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Será o local de nascimento prenúncio do destino de algumas pessoas? Se assim fosse, quem nasceu em Bandeirantes, município paranaense a 381 km da capital, seria dono de qual sorte? Pois basta conhecer a história de Pascoal Zani para concluir que sua trajetória e o nome de sua cidade natal fizeram, de fato, um pacto quando o garoto nasceu em 1966: aqui vem ao mundo um novo bandeirante - com todas as (boas) qualidades extraídas do Aurélio: “desbravador, descobridor, dianteiro, explorador, guia, escoteiro”.

COLECIONADOR DE MEMÓRIAS

Pascoal Zani, 56 anos, mora em Curitiba há 38 anos. Psicólogo, bancário, pai, avô e esposo, é uma pessoa que sabe vivenciar Curitiba, no mais amplo sentido da palavra. Enquanto a maioria dos habitantes apenas vive na cidade. Pascoal, não: ele aproveita a capital paranaense desde sua chegada, em 9 de janeiro de 1984. A data, para ele, é o “Dia do Fico”, tomando por exemplo a frase célebre dita por D. Pedro I na mesma data, mas em 1822, ao avisar a Coroa Portuguesa que não voltaria para Lisboa

Talvez por não ter nascido em Curitiba, talvez por ser um “bandeirante”, a verdade é que o olhar atento e curioso de Zani sobre Curitiba nunca mudou.

OLHOS CURIOSOS

Na época, o jovem de quase 18 anos observou, ansioso, seu ônibus passar sob o viaduto do Órleans. Com o rosto grudado no vidro, seus olhos desvendam as luzes da capital e o que seria registrado para sempre em sua memória: a Rodovia do Café, o Parque Barigüi, a chegada à Rodoferroviária de Curitiba.

Antes de chegar à capital paranaense e ainda na companhia dos pais, Zani passou por outras cidades do estado, como Ivaiporã, Iraí, Irati e Siqueira Campos. A exemplo de inúmeros jovens, ele veio para estudar. Porém, sendo de origem humilde, precisava buscar um emprego para conciliar estudos e subsistência.

A oportunidade surgiu em um grande anúncio do Grupo Hermes Macedo, no jornal Gazeta do Povo. Rasgando a página, Zani colocou-a no bolso e seguiu rumo à Rua João Negrão, 586. Hoje, ao passar no local, conta que sente um estranhamento ao contrastar a memória afetiva de uma rua parcialmente calma com a intensidade do tráfego atual.

Zani é enfático: aproveitou a cidade desde o primeiro momento. Curiosamente, tornou-se frequentador de todos os eventos possíveis da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), sem sequer imaginar que, anos mais tarde, estreitaria relações profissionais com a instituição. “Descobri a Fundação Cultural de Curitiba, no Largo da Ordem, e o folder contendo a programação de eventos da semana”, recorda.

Desde então, ele se tornou um autêntico curitibano, aproveitando dos melhores conteúdos culturais gratuitamente. Entre seus passeios preferidos estava a Feirinha do Largo - onde não ia para comprar, mas para observar as pessoas. Zani lembra que seu prazer era sentar no gramado próximo às Ruínas de São Francisco com o jornal de domingo e simplesmente desfrutar a leitura enquanto fazia pausas para olhar os curitibanos.

CINE RITZ E O CINE LUZ

O Cine Ritz, na Rua XV de Novembro, e o Cine Luz, próximo à Praça Santos Andrade, também eram locais frequentados por Zani, que ficou muito satisfeito com a reabertura das salas no atual Cine Passeio. “É importante preservar a emoção da cidade”, destaca.

Surpreendentemente, à medida que as salas de exibição migraram para os shoppings, seu interesse diminuiu. Parece, ressentido com o fim de salas como Cine Condor, Astro e Plaza. Este último, em especial, porque foi o local em que pediu sua atual esposa, na época, em namoro.

LOCAIS HISTÓRICOS

Antes do namoro e do emprego nas Lojas HM, Zani se alistou no Quartel do Comando da 5.ª Região Militar do Exército, onde hoje é o Shopping Curitiba, mas foi destacado na reserva.

Ele trabalhava durante horário integral na Hermes Macedo. À noite, seguia até a Faculdade de Ciências e Letras Tuiuti, no Bigorrilho. Os quase 4 quilômetros de distância eram percorridos a pé, uma vez que seus recursos eram escassos. Ainda na faculdade, sentiu necessidade de buscar proteção financeira e prestou concurso para a Caixa Econômica Federal em 1989, onde fez carreira como gerente.

Em 1991, formou-se em Psicologia e atuou como psicanalista durante algum tempo, porém abandonou a psicanálise e adotou a abordagem de Terapia Cognitivo-Comportamental no atendimento aos seus pacientes.

No dia a dia do bancário que gerencia contas corporativas do governo (entre os quais a Prefeitura de Curitiba e a Fundação Cultural de Curitiba), os atendimentos a seus pacientes convivem em harmonia. Com a pandemia e a necessidade de confinamento, as sessões se tornaram online e, com isso, chegaram pessoas de outros estados. Com essa dupla jornada, Zani ainda consegue tempo para ser fotógrafo amador, colunista, caminhante e semeador.

BANCÁRIO NO DIVÃ

Frequentemente, Zani é questionado sobre a atuação como psicólogo e gerente de banco. Ao contrário do que se imagina, sua explicação é lógica: “sou psicólogo e sou bancário, porém nunca atuei como psicólogo dentro do banco”, pondera.

Como pai de três filhos, ele ensinou o sentimento de experimentar a cidade à Ana, Jorge e André. Aos domingos de manhã, iam em família ao Teatro de Bonecos. Durante a semana, Pascoal e sua esposa levavam os filhos mais velhos - Ana e Jorge - para passear de bicicleta no fim da tarde, geralmente no Parque Bacacheri. André, o caçula, optou pelo roller e Pascoal, então, achou o Parque São Lourenço mais adequado.

“CURIOSANDO” CURITIBA

Zani se define como uma pessoa simples, introvertida, tímida, mas de fácil convivência. Seus pares, pacientes e clientes do mundo corporativo acrescentam os adjetivos solidário, empático e extremamente educado. Com um interesse genuíno no outro, ele se diz um curioso do comportamento humano e, como tal, gosta de usar a expressão “curiosar”.

“Ouvir uma pessoa quando ela tem um sofrimento e poder ajudá-la é algo que me motiva e me traz contentamento”, afirma.

SEMENTES

Atualmente Pascoal recebeu uma nova atribuição: a de avô. O psicólogo e bancário gosta de brincar com sua netinha, de 1 ano, e diz que “gosta de ver pelos olhos dela” - aprendendo na prática algo que ele prega aos seus pacientes: o poder de focar no agora, desacelerar e esvaziar a mente.

As diversas tribos que presenteiam Curitiba em seus 329 anos.

Colhedor de sementes e semeador, em seus passeios gosta de pegar sementes largadas ao chão e replantar. Ele anda na cidade como se fosse um turista, fotografando tudo o que acha interessante - sem preocupação estética. O que gosta é de observar o antes e o depois das coisas. Lê livros de psicologia e gosta de mudar a configuração das notícias que recebe através da internet: “para que receba conteúdos diversos e continue aprendendo”.

Ouvinte de MPB, cita Milton Nascimento, Danilo Caymmi e Oswaldo Montenegro entre seus preferidos.

Além de psicólogo e bancário, Zani também escreve para veículos sobre temas como psicologia e, outra surpresa, jogos virtuais. Com tantas atividades, ainda é possível encontrá-lo batendo perna por Curitiba. Basta ter disposição para acordar cedo, às 5h30, calçar um tênis e partir rumo a ciclovia da Mateus Leme em direção ao Shopping Mueller.