Em média, uma mulher vítima de violência doméstica falta ao trabalho oito dias por ano sem justificativa. O dado é do Instituto Patrícia Galvão e revela como as consequências do abuso são múltiplas – cada falta sem justificativa no trabalho, além de prejudicar a carreira, tem o valor de um dia de trabalho descontado do salário. Quebrar o ciclo de violência é um processo sem receita pronta e que requer uma rede de apoio para que a mulher consiga reconstruir sua vida sem sacrificar ainda mais de si.
O Instituto Batom é uma resposta a essa realidade. Criada em 2019 por Larissa Hack, a instituição tem como foco auxiliar mulheres vítimas de violência a saírem da situação de abuso e se realocar no mercado de trabalho. Em pouco mais de três anos, cerca de 500 mulheres foram impactadas em ações do Instituto Batom, que conta com o apoio e parceria da Câmara da Mulher Empreendedora, da Fecomércio e o Comitê de Educação e Empreendedorismo do grupo Mulheres do Brasil, idealizado pela empresária Ana Luiza Trajano. Nos primeiros dois meses de 2023, quatro mulheres começaram um novo trabalho a partir da mediação do Instituto Batom.
"Mapeamos o que a mulher precisa para crescer na área dela ou começar um negócio", explica Larissa. "É um trabalho de formiguinha, feito a muitas mãos, e individual. Ouvimos cada mulher que nos procura, separadamente, para saber quais são as necessidades dela", diz. Para procurar o Instituto Batom, nenhuma mulher precisa explicar que tipo de violência sofreu ou apresentar o boletim de ocorrências denunciando o agressor.
Larissa trabalha em duas frentes: com o Instituto, acolhe e direciona as mulheres a mentores, parceiros de negócios, gestores de eventos e recrutadores. Media rodas de conversas quinzenais, de participação voluntária, junto de uma psicóloga e advogada, em local secreto e sob a escolta da Guarda Municipal. Organiza cursos técnicos e de capacitação em horários alternativos, com recursos para refeição e recreação para crianças, para garantir que as mulheres possam aprender uma nova profissão.
A segunda frente é pela empresa Grupo Batom, em que ministra palestras e treinamentos corporativos para sensibilizar funcionários e gestores sobre violência doméstica. "As empresas têm de ter um compromisso com a comunidade. As boas práticas ambientais, sociais e de governança, as ESG, têm de ir além do ambiente de trabalho", defende. As consultorias empresariais são remuneradas e bancam o Instituto, que também conta com outras fontes de receita, como a loja de produtos com semijoias, ecobags e camisetas.
Funcionária ou empreendedora, a mulher vítima de violência doméstica enfrenta dilemas que a paralisam. "A violência doméstica deixa muitas sequelas na vida, porque você faz escolhas para fugir da situação: abandona os estudos para trabalhar logo, casa cedo para sair de casa. Muitas vítimas acabam empreendendo por necessidade, sem muito conhecimento de como gerir um negócio", explica Larissa.
Nos impactos a longo prazo, a educação interrompida impede o acesso ao ensino superior e melhor remuneração. No caso de mulheres com ensino superior e qualificação formal, os impasses podem ser de outra ordem. "A mulher que está casada com o agressor sabe que ela terá que abrir mão de algo que ela tem. Muitas vezes é o status, a reputação, a casa, o carro, o dinheiro", exemplifica.
Cidadania curitibana
Larissa criou o Grupo Batom em 2019 após anos de experiência como voluntária de grupos de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica. Depois de se recuperar psicologicamente de falir um negócio, ela se empenhou em cursar gratuitamente tudo o que pode sobre empreendedorismo. Encontrou-se na ideia de um negócio social.
Em três anos, Larissa Hack aperfeiçoou o projeto do Grupo Batom. Se em 2019 sua inscrição foi recusada logo na primeira fase do prêmio Mulher Empreendedora, o jogo virou três anos depois. Em constante aperfeiçoamento, Larissa ouviu atentamente todos os feedbacks e levou o título em 2022. "Queria exibir o troféu na testa todos os dias", comemora.
Curitibinha dos anos 1990, Lari Hack internalizou a cidadania desde cedo. Teve carteirinha de pedestre emitida pelo Departamento de Estradas de Rodagem, conheceu a primeira geração da Família Folha, foi guarda de trânsito mirim e aluna de escola pública com orgulho. Ela guardou os livros didáticos Caminhos do Saber, criados pela gestão municipal de Rafael Greca entre 1993 e 1996. Em 2022, Larissa foi palestrante do evento Paiol Digital, e aproveitou o café com o novamente prefeito Greca para solicitar um autógrafo. "Ele ficou chocado que eu ainda tinha a cartilha", riu.
Na adolescência, Lari trabalhou como monitora de uma unidade do Farol do Saber, logo nos primeiros anos da década de 2000, quando a internet era rara de acessar. Sem acesso a nenhum outro site além das páginas da prefeitura de Curitiba e da rede social Orkut, Lari passava as horas ociosas lendo sobre as secretarias, serviços e políticas públicas. "Aprendi muita coisa. Que existia um Conselho Tutelar, por exemplo, e que no caso de situações de violência, mulheres e crianças poderiam procurar o Estado", relembra. Anos depois, Larissa entrelaça todos os aprendizados em uma coisa só. "Tem mulher que ainda não olhou para si, ainda não se apaixonou por ela mesmo. É uma questão de tempo", finaliza.