Giovana Madalosso não é muito boa com datas. Quando fala da vida pessoal, ela empilha algumas possibilidades – "há dez, onze, doze anos" – e na sequência diz que não é muito boa com datas. Mas ela não esquece quando teve seu primeiro impacto literário. Na biblioteca da escola, na quinta série, Giovana levou um livro ilustrado para ler em casa.
"Grimble", escrito por Clement Freud (neto do pai da psicanálise), conta a história de um menino cujos pais viajam e o deixam sozinho em casa. "Parte da narração era em bilhetes com instruções dos pais. É a história de um menino guiado pela escrita", relembra. "O humor e a irreverência quebraram a ideia que eu tinha até então. Eu não sabia que uma história poderia ser contada assim". Ela tem um exemplar de Grimble até hoje.
Giovana Madalosso é muito boa com palavras. Seu livro de estreia "A Teta Racional", foi finalista do Prêmio Biblioteca Nacional e sua segunda publicação, o romance "Tudo Pode Ser Roubado" (2018), foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e os direitos no cinema foram vendidos para a produtora e diretora Vera Egito. Em 2020, "Suíte Tóquio", repetiu o sucesso e foi além: o livro foi finalista do Prêmio São Paulo, finalista do Jabuti em 2021 e teve seus direitos vendidos para a produtora de cinema Conspiração.
Sua narração é ágil e certeira, com doses do universo interno das personagens na medida para engatilhar discussões pós-leitura sobre desigualdade social, maternidade, carreira, consciência de privilégios, faltas e desejos. Ativista climática e feminista, ela escreve sem esconder ou justificar o contraditório. "A arte pressupõe liberdade. Quando você trabalha de maneira livre e não panfletária, você consegue tratar muito mais temas", exemplifica.
"As pessoas me falam 'poxa, você, feminista, escreveu aquela garçonete que se apaixona pelo cara que apelida ela de Rabudinha?' Como vamos discutir o machismo se ele não for retratado?", questiona. Suas angústias é que guiam o processo criativo, que pode ser acionado por uma frase ou ideia passageira – cada livro começou de um jeito. "Boa literatura, feita com profundidade, emociona. Um personagem tridimensional, com conflitos, que não é perfeito, toca as pessoas".
Dona de uma mente prolífica, Giovana sempre precisou escrever. O verbo não é sem razão: mesmo no trânsito, no supermercado, na sala de espera, cozinhando; sua cabeça não para de pensar em frases, enredos e personagens. "Se me colocarem numa cela ou num hotel cinco estrelas, eu vou escrever, porque essa é a maneira que eu consigo ficar bem". Tem sido assim desde os sete anos, quando começou a compor as primeiras histórias e peças de teatro para encenar com os primos.
"Eu consegui descarregar boa parte dessa criação incessante quando trabalhei em agências de publicidade", diz, referindo-se aos 16 anos em que atuou como redatora em São Paulo. Ainda assim, naquela época, a escritora curitibana tirava noites e madrugadas para escrever ficção. Formada em Jornalismo, a ficha caiu durante a faculdade, quando começou seu estágio em uma emissora de televisão. Na ilha de edição, pensou que as imagens da enchente poderiam ter outro enredo. "Aí vi que narrar as coisas como elas são não era pra mim mesmo. Eu gosto de inventar".
Depois de 22 anos em São Paulo, a escritora curitibana comprou uma passagem só de ida a Curitiba. Veio com a filha de 11 anos viver mais perto dos pais, Neuza e Carlos Madalosso, do restaurante em Santa Felicidade, e experimentar novamente a cidade em que cresceu. "Estou fazendo uma arqueologia forçada do que vivi, mas está sendo muito saudável e interessante criativamente. Curitiba tem qualidade de vida, calma, menos trânsito. Aqui eu consigo fazer mais com o meu tempo", diz, mas descarta a permanência. "Nada do que é para sempre me interessa".
Dividindo seu tempo entre ser mãe, cronista da Folha de S. Paulo, roteirista e trabalhos pontuais, Giovana está trabalhando em um novo romance, a ser entregue até o final do ano para a editora Todavia, e toca o projeto Um Grande Dia Para As Escritoras, com um livro e podcast em produção.
O livro trará as fotos das escritoras de 52 cidades diferentes e a identificação das 2.250 mulheres que compareceram para o registro, enquanto o podcast contará a história do movimento. "Cada vez que abro essas fotos eu choro. Eu me enxergo ali. Por anos, não tive nem o privilégio de ter um manuscrito recusado. Era apenas ignorada", lembra. Com O Grande Dia, Giovana acredita que a história começa a mudar. "A literatura fora do cânone virá dessas pessoas", emociona-se.