A colaboração entre órgãos fiscalizadores de diferentes países e o estímulo ao desenvolvimento social de cidades fronteiriças são duas importantes iniciativas no enfrentamento do contrabando. As propostas estão entre as 10 Medidas de Combate ao Mercado Ilegal propostas pelos integrantes do Centro de Estudos de Direito Econômico Social (Cedes).
Em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), o grupo, que inclui pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), analisou o quadro atual do mercado ilegal no Brasil. Os resultados deste diagnóstico podem embasar propostas de alterações legislativas e administrativas na área.
A cooperação internacional deve ser um dos focos na busca por soluções efetivas, e é com esse foco que estão as medidas 4 e 5. Conheça as propostas:
MEDIDA 4: Instituir a cooperação entre órgãos de fiscalização de diferentes países
Por sua própria natureza, o contrabando – a importação ou exportação clandestina de bens – é um crime transnacional. Além disso, o mercado ilegal e o comércio de produtos irregulares ou falsificados acontecem no mundo todo. Assim, para combater esse problema no Brasil é preciso pensar em ações internacionais conjuntas.
A articulação para esse tipo de procedimento cabe a órgãos como o Ministério das Relações Exteriores, por instrução da Presidência da República, agências reguladoras e as polícias federais das nações envolvidas. Também podem acontecer colaboração e compartilhamento de informações entre as autoridades de fronteiras no caso de países vizinhos.
"A informação é vital no combate ao crime. Sem a informação, se faz muito pouco, dá muito tiro no escuro. Com ela você vai no alvo certo", afirma o superintendente da Receita Federal do Brasil na 9ª Região Fiscal, Luiz Bernardi.
O professor Luis Winter, do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), usa, ainda, a relação entre Paraguai e Brasil como um exemplo que poderia se beneficiar de mais acordos comerciais.
"Embora haja livre circulação de bens entre os produtos paraguaios e brasileiros, por força da área de livre comércio, a tributação do Paraguai é muito menor. Nós precisamos aproximar o diálogo na questão da tributação", afirma.
As propostas do Cedes envolvem verificar a possibilidade de reforçar convenções que já tenham sido adotadas, sugerir novas negociações para uma proteção maior das fronteiras e adotar uma efetiva gestão colaborativa do combate ao mercado ilegal.
Os pesquisadores recomendam, ainda, a criação de um Observatório das Fronteiras. A entidade transnacional "identificaria o grau de comprometimento dos países às obrigações assumidas nos documentos, apontaria gargalos operacionais, e, ao servir como repositório institucional da experiência compartilhada, garantiria um maior nível de continuidade à atuação conjunta".
Em um sentido mais prático, medidas em direção à proteção das fronteiras já começaram a ser tomadas. No fim de março, o ministro da Justiça Sergio Moro publicou uma portaria criando um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar o projeto de instalar um Centro Integrado de Operações de Fronteira em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com Argentina e Paraguai.
A ideia é que o centro reúna autoridades dos órgãos envolvidos com as operações de ataque ao contrabando e ao descaminho, incluindo Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Secretaria Nacional de Segurança Pública, Departamento de Recuperação de Ativos e as polícias Civil e Militar.
Em Curitiba já está funcionando, inclusive, o Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública da Região Sul (CIISPR-Sul). A capital paranaense foi escolhida como sede do Centro por vários motivos. Porém, o primeiro deles é por ser a capital mais próxima da tríplice fronteira. “Foz do Iguaçu é por onde entra boa parte do contrabando do país, principalmente cigarro”, disse em maio, à Gazeta do Povo, o diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marcos Aurélio Pereira de Moura.
MEDIDA 5: Estimular o desenvolvimento socioeconômico nas regiões fronteiriças
As dimensões continentais do Brasil trazem muitos desafios para a gestão pública e um deles é o de lidar com a extensão de nossas fronteiras. São milhares de quilômetros por onde se espalham cidades com alto grau de urbanização e territórios predominantemente rurais.
Devido aos altos índices de atividades criminosas em muitos destes municípios, o desenvolvimento socioeconômico dessas regiões é um dos focos no combate à ilegalidade sugeridos pelo Cedes.
Bernardi explica que crimes transfronteiriços alimentam a cadeia criminosa dos países. No Brasil, ela é representada pelo contrabando de itens como drogas, armas e munições, mas também produtos usados por consumidores comuns, como remédios falsificados, cigarros e eletrônicos.
"As comunidades fronteiriças sofrem com isso, porque na linha de fronteira os jovens e adolescentes são aliciados para serem transportadores destes bens e são usados para cruzar a fronteira [levando o contrabando], fazer pequenos depósitos, entre outros", diz ele.
"Quem trabalha para essas organizações obviamente não tem carteira assinada, não tem assistência social, não tem garantia. Então, essa atividade causa um dano social", continua Bernardi.
Para o superintendente da Receita, é preciso combater as atividades irregulares para gerar desenvolvimento, atraindo investimentos e criando empregos formais. Ele usa o exemplo da cidade de Foz do Iguaçu, que faz fronteira com a Argentina e o Paraguai, e que já esteve entre os municípios mais violentos do país. Porém, na visão dele, o trabalho de forças tarefa de combate ao tráfico de drogas e armas e ao mercado ilegal mudaram esse cenário.
"De uma referência negativa para o país e o mundo, Foz se tornou uma referência positiva. Nós recebemos autoridades internacionais para conhecer o nosso trabalho", conta ele. De acordo com o Atlas da Violência 2018 – Retrato dos Municípios, a cidade ocupa o atualmente o 72º lugar na lista das cidades com as maiores taxas de homicídios no Brasil.
O diagnóstico feito pelo grupo de pesquisa aponta que parcerias voltadas ao desenvolvimento de atividades econômicas lícitas em regiões de fronteira em todo o país seriam decisivas.
Algumas possibilidades seriam a atuação focada do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o engajamento de entidades de fomento público focando em potencialidades econômicas locais e o investimento em projetos sustentáveis de infraestrutura visando a integração da região de fronteira ao restante do país.