De portas abertas para as calçadas, bares e restaurantes costumam viver uma relação no mínimo complicada com o contrabando. São cerca de 1 milhão de estabelecimentos no Brasil e boa parte deles tem como vizinhos – e concorrentes – vendedores informais de produtos como alimentos, bebidas e cigarros, itens que são as principais, e muitas vezes as únicas, fontes de renda desses locais.
Uma das principais entidades do setor no país, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), aponta o mercado ilegal de cigarros como o centro do problema. A situação de outras mercadorias, como as bebidas, é entendida como pacificada.
"O contrabando de bebidas é bem menor. Já foi maior no passado, mas o país tratou bem. É um produto com imposto razoável e a distribuição [para os contrabandistas] é mais complicada que a do cigarro. Assim, a questão está melhor equacionada", aponta Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar/SindiAbrabar), Fábio Aguayo, além do contrabando, há questões mal resolvidas entre estados. As bebidas continuam sendo parte importante, principalmente por conta de diferenças tributárias entre os estados – o que gera uma espécie de mercado paralelo de produtos que estão legalmente no país.
No Paraná, por exemplo, esses itens sofrem tributação maior que em estados vizinhos. É o segundo maior imposto do Brasil sobre bebidas alcoólicas, segundo Aguayo. Assim, o mercado é inundado por bebidas alcoólicas adquiridas fora do estado.
Ele calcula que aproximadamente 80% das bebida alcoólicas vendidas no estado são de, nas palavras dele, "de origem duvidosa" - ou, no mínimo, de descaminho. Fruto, para ele, da diferença tributária de até 50% em relação a estados vizinhos, aliada à fronteira com dois países.
"O nosso setor está em estado vegetativo e quer que o discurso venha para a prática. Todos estão pedindo para baixar o imposto porque o mercado ilegal tomou conta. E o governo sabe que chegou nesse ponto, mas não tem reação", cobra.
O vilão
Para Paulo Solmucci, é especialmente grave a situação dos cigarros ilegais. "É uma questão gravíssima, um crime que vemos todos os dias nas nossas portas. E nos incomoda sobremaneira, tirando dinheiro de quem paga imposto e luta para manter seus negócios", lamenta.
"Virou uma tragédia de uns três ou quatro anos para cá. Aumentou de maneira impressionante e indignante. O fato da marca líder de mercado ser contrabandeada é uma vergonha para o país", afirma, referindo-se à marca Eight, facilmente encontrada nas ruas e até em alguns estabelecimentos a preço muito abaixo do mínimo que as marcas nacionais regulares conseguem alcançar.
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Solmucci concorda com a postura de órgãos e entidades da área de combate ao contrabando e controle de fronteiras em relação principalmente a um possível ajuste nos impostos de cigarros no Brasil. O executivo acredita que tem faltado coragem às autoridades para enfrentar o problema.
"Essa questão está gritando na rua, especialmente porque prejudica a sociedade como um todo. O Brasil de novo está colocando uma venda e fingindo que as coisas estão bem”, opina.
Fiscalizações dão resultado
Mas as cobranças de Solmucci e dos empresários do setor também dão resultados. A Receita Estadual do Paraná divulgou, no último dia 4, que aplicou R$ 14 milhões em multas a 60 empresas do ramo de bebidas.
A penalidade foi imposta porque o órgão encontrou divergências na documentação fiscal das mercadorias que encontraram nos estabelecimentos. A operação, que aconteceu em julho e foi batizada de "Dose Certa", visitou mais de 100 empresas.
De acordo com o inspetor geral de Fiscalização da Receita, Linor Nespolo, o objetivo da operação foi “coibir a sonegação no setor de bebidas em geral, mas as bebidas alcoólicas foram as que apresentaram mais problemas em virtude de ter uma carga tributária maior”.