O combate ao mercado ilegal, especialmente no caso do cigarro, passa por uma revisão tributária bem elaborada e por acordos de colaboração com o Paraguai. Essa é a opinião de Everardo Maciel, consultor tributário, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público e secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002 – durante os governos de Fernando Henrique Cardoso.
Ainda que seja crítico do modelo de reforma tributária que consta na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, recém-aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o especialista não deixa de defender a necessidade de repensar a tributação no Brasil.
Em artigo publicado junto de outros juristas, Maciel advoga por uma "reforma tributária que não implique em aumento de impostos e garanta segurança, transparência, simplificação e neutralidade".
No caso dos cigarros ilegais, que já abocanham mais da metade do mercado, ele acredita que é necessário ir além da repressão e da cooperação internacional. No âmbito da reforma, defende ele, seria necessário um esquema tributário que torne os produtos brasileiros competitivos em relação aos paraguaios, que entram no país de forma ilegal – e assim o Brasil deixa de arrecadar R$ 11,5 bilhões em tributos apenas relativos ao cigarro, como aconteceu em 2018.
Confira a entrevista com o especialista:
Ajustes fiscais podem funcionar como uma medida de combate ao contrabando? Por quê?
Evidentemente que o combate ao contrabando é uma função inerente ao Estado. Mas, no caso específico do cigarro, eu acho que há um erro de concepção. E esse erro de concepção visível é, precisamente, o modelo de tributação adotado. Ele faz com o que cigarro produzido no Brasil tenha uma tributação desproporcionalmente mais elevada do que o que é produzido no Paraguai.
É preciso que seja concebido um tipo de tributação que permita enfrentar em condições de igualdade o preço do cigarro paraguaio.
Everardo Maciel, secretário da Receita Federal nos governos FHC
É muito difícil fazer a fiscalização nas fronteiras no Brasil – elas são muito extensas, as condições de enfrentamento são muito difíceis. Nessa condição, o contrabando entra fácil. E o contrabando já representa uma parcela muito significativa dos cigarros comercializados pelo Brasil.
É preciso que seja concebido um tipo de tributação que permita enfrentar em condições de igualdade o preço do cigarro paraguaio no Brasil. E, é claro, isso sem reduzir a carga tributária agregada – quer dizer, fazendo uma redistribuição da carga tributária. Tendo em conta que não se defende aqui a redução da carga tributária agregada, mas sim uma redistribuição da carga tributária dos cigarros como um todo para que se tenha, portanto, um cigarro com um preço compatível com o que chega do Paraguai.
Isso porque, junto vem uma série de outros crimes, como contrabando de armas, narcotráfico e contrabando de outros produtos. Portanto, isso estrutura o crime organizado do País.
O senhor acredita que somente as ações de repressão e de fiscalização nas fronteiras dão conta de lidar com o contrabando de cigarros?
Não. É preciso muito mais do que isso. E não estou dizendo que não se deva ter o controle na fronteira, longe disso. Ao contrário, a repressão deve continuar existindo. Mas ela isoladamente é ineficiente.
Implica dizer que duas coisas são necessárias: temos que ter um modelo tributário capaz de neutralizar o preço do cigarro paraguaio no Brasil e é preciso que, enfim, tenhamos uma conversa séria com o Paraguai - que é parceiro do Brasil no Mercosul e na exploração de energia elétrica de Itaipu – para dizer que isso é inadmissível.
Um Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça está analisando a questão tributária frente ao contrabando. Quais são suas expectativas?
Eu não sei o que eles estão fazendo. Não conheço nada disso. E nem acho que sequer foi dada alguma divulgação. Acho que eles ainda não têm nenhuma conclusão, nenhuma proposição estruturada.
O senhor acha que a gente pode esperar algum resultado desse GT ainda esse ano?
É difícil especular sobre o que vai ou não acontecer. Espero que dê certo, que de fato sejam medidas efetivas. Mas dentro plano que eu mencionei. Acho que tem dois pontos: é preciso discutir-se um programa conjunto, Brasil e Paraguai, no enfrentamento do contrabando de um modo geral, e em particular de cigarros. E segundo, tem que ter uma estrutura tributária no Brasil capaz de enfrentar o preço do cigarro paraguaio.
Na sua percepção, a gente já tem algum avanço sentido de diálogo com o Paraguai?
Já foi feita uma tentativa [em 2000], justamente comigo, quando eu era secretário da Receita Federal. Nós avançamos, chegamos a celebrar um tratado da cooperação para enfrentamento, inclusive, do contrabando. Esse convênio foi proposto por nós e celebrado pelos ministros das Relações Exteriores. Entretanto, o processo lento de aprovação desses tratados no âmbito do Congresso fez com que apenas três anos depois ele fosse aprovado. E, aí, foi rejeitado pelo Senado paraguaio.