A principal porta de entrada do contrabando e tráfico de armas do Paraguai ao Brasil está mudando de endereço. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apontam que, no primeiro trimestre de 2019, o volume de apreensões de cigarro em Guaíra, no Oeste do Paraná, foi 33 vezes superior ao de Foz do Iguaçu, considerada, até então, a principal passagem de produtos ilegais do Paraguai com destino ao Brasil.
Entre janeiro e abril, a PRF apreendeu 2,3 milhões de carteiras de cigarro em Guaíra. Em segundo lugar ficou Ponta Grossa, com 1,3 milhão, seguida de Londrina, com a retirada de circulação de 1 milhão de carteiras de cigarro. Foz do Iguaçu apareceu apenas na sétima posição, com a apreensão de 71 carteiras de cigarro em 2019.
O chefe da Delegacia da PRF em Foz, Luiz Antônio Gênova, explicou que desde 2018 as forças de segurança vêm observando esta migração. A Operação Muralha, inclusive, pela primeira vez incluiu uma barreira na PR-163 em Guaíra. Além disso, nessa edição, a Operação se estenderá ao Mato Grosso do Sul por meio de equipes volantes, para assim fiscalizar toda a faixa fronteiriça. A nova fase da Operação Muralha iniciou no dia 13 de maio e reúne agentes da Receita Federal, Polícia Federal, PRF, Polícia Militar do Paraná, além de outros órgãos.
Ainda, durante o mês de maio, a PRF vem mantendo um helicóptero monitorando o Lago de Itaipu. E a PF promove ações rotineiras nas estradas do Oeste do Paraná.
Para o chefe do Núcleo de Polícia Fazendária da DPF em Foz do Iguaçu, Samuel Wagner Camboim, há mais de uma explicação para esta mudança. Uma delas está no trabalho ostensivo dos órgãos de segurança na região da Tríplice Fronteira. A outra é a facilidade de cruzar a fronteira naquela região. Ali, basta atravessar uma rua para sair do Paraguai (Salto del Guairá) e ingressar no Brasil (Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul).
“Quem trabalha com contrabando de cigarro está sempre em busca de maneiras mais fáceis de ingressar no Brasil. Como houve reforço em Foz, buscaram pontos mais vulneráveis como o Lago de Itaipu e a fronteira seca do Mato Grosso do Sul”, explicou Camboim.
Ao longo do lago, são mais de 500 pontos apropriados para embarque e desembarque de pessoas e mercadorias.
Mesmo com esta mudança, Foz do Iguaçu continua tendo atenção especial dos policiais.
Olheiros
Combater os crimes transnacionais, no caso o descaminho, contrabando e tráfico de armas e drogas, não tem sido tarefa fácil às forças policiais. São atividades por terra, água e ar. E ainda com a tarefa adicional de enfrentar a audácia dos “olheiros”.
“Não temos um alvo específico. Ele muda todos os dias. Nosso papel é desestimular os criminosos e mostrar à população que estamos atentos”, disse Samuel Camboim.
Para alcançar os objetivos, os oficiais realizam operações tanto em postos policiais e vias secundárias paralelas à BR-277, como também com o uso de drones para encontrar possíveis pontos de armazenagens. “Eles utilizam fazendas para estocar cigarros, drogas, armas e medicamentos. Quando recebemos denúncias, investigamos e fazemos a apreensão”, contou.
As equipes estão muito bem preparadas. Junto com equipamentos de última geração, como aparelho de raios-X móvel e narcoteste, eles contam com a experiência dos policiais e o faro dos cães. O narcoteste tem sido um grande aliado. Quando os agentes desconfiam de alguma embalagem, aplicam um produto. Em segundos, uma reação colorimétrica pode detectar se é ou não droga.
Mas os maiores obstáculos ao trabalho dos policiais são os próprios cidadãos. Há uma rede de comunicação muito forte e preparada para atrapalhar a atuação da polícia.
Os chamados “olheiros” utilizam grupos de aplicativos para informar às quadrilhas, em tempo real, os passos dos agentes. “Nossas operações não duram mais que quatro horas. Quando nos deslocamos para qualquer destino, os traficantes já são informados”, contou.
A audácia dos “olheiros” é grande a ponto de terem instalado uma central de monitoramento, com câmeras de vigilância, a 500 metros do posto da Polícia Rodoviária Federal de Céu Azul, município a cerca de 100 quilômetros de Foz do Iguaçu. As câmeras forneciam em tempo real todos os dados necessários para as quadrilhas driblarem a fiscalização no local. A central foi desativada pela polícia em abril.
Operação
A reportagem monitorou uma operação da Polícia Federal no último dia 8 de maio. Uma equipe de nove agentes e dois cães saiu às 20h de Foz do Iguaçu com destino ao posto da PRF, em Céu Azul. Retornaram por volta da meia-noite.
Às 21h30, abordaram um ônibus de turismo. O veículo, que havia saído de Foz com destino a São Paulo, além da documentação irregular estava carregado de produtos estrangeiros sem documentação fiscal. Após a apreensão, o veículo foi conduzido à Receita Federal.
Segundo Camboim, eles pegaram um desavisado. “Foi um azarado que caiu na rede. Depois dele, só passou mais um ônibus de turismo. Os outros devem ter sido alertados”, disse.
Logo depois, um ônibus de linha intermunicipal Foz do Iguaçu-Cascavel também foi parado. Dentro de uma mochila foram encontradas sete miras telescópicas para armas de fogo.
Residente em Cascavel, o dono da mochila foi preso e encaminhado à Delegacia da PF em Foz, onde foi autuado em flagrante e colocado à disposição da Justiça. O homem disse aos policiais que iria vender as miras por meio de um aplicativo na internet.
“Nossas ações são tão rotineiras que nem percebemos o perigo ou ficamos surpresos. Já estamos calejados”, finalizou o agente da PF.
Modelo de fiscalização reduziu o contrabando em Foz
O procurador da República na unidade do Ministério Público Federal em Foz do Iguaçu, Juliano Baggio Gasperin, avalia que nem só Guaíra vem ganhando mais atenção entre os contrabandistas. “Foz do Iguaçu é mais fiscalizada, em especial a ponte da Amizade. Logo, os criminosos procuram lugares menos vigiados, como o lago de Itaipu. Vemos inúmeras apreensões de barcos carregados, principalmente com cigarro, nesta região. A rota de grandes cargas de cigarros em caminhões tem preferido Guaíra e o Mato Grosso do Sul, que tem a fronteira seca”, informa, lembrando que sua avaliação é baseada em sua experiência de seis anos em Foz e quase um ano em Guaíra.
Gasperin entende que a repressão e fiscalização mais efetivas acabam reduzindo a entrada de ilegalidades, causando prejuízos aos autores e desestimulando a prática irregular.
Ele defende que a importação legal de mercadorias que não são proibidas (como eletrônicos, perfumes e produtos de beleza) poderia ser facilitada, com menos burocracia e tributos. Já para reduzir o contrabando de mercadorias proibidas, como cigarros e medicamentos, por exemplo, o caminho, além da repressão, seria a educação do consumidor, na visão de Gasperin. “Uma medida de redução seria melhorar a informação para evitar o consumo interno desse tipo de produto”, sugere.
Luiz Bernardi, superintendente da Receita Federal do Brasil na 9ª Região Fiscal (que engloba o Paraná e Santa Catarina), ressalta que o contrabando, o descaminho e a pirataria são um problema mundial e não exclusivo do Brasil. “Quando se facilita o comércio, abrem-se as portas também para o ilícito. E o ilícito se sustenta pelo consumo”, lembra.
Bernardi acredita que o combate ao contrabando pelas autoridades deve acontecer em duas frentes: repressão e conscientização. “A repressão sempre é a primeira frente de combate ao contrabando e descaminho. Envolve a honradez de uma nação, onde os bens têm que entrar e sair dentro da lei”, explica.
“A repressão [ao contrabando e descaminho] com a força-tarefa na região de Foz do Iguaçu é modelo mundial, recomendado pela Organização Mundial do Comércio. Tirou Foz de uma referência negativa para se tornar positiva, para o Brasil e para o mundo. A ponte da Amizade já foi contrabando puro. Hoje é 5% de contrabando e o restante são turistas”, avalia.