A proposta de Reforma Tributária em tramitação no Congresso Nacional busca transformar a complexa estrutura fiscal brasileira.
A proposta de Reforma Tributária em tramitação no Congresso Nacional busca transformar a complexa estrutura fiscal brasileira.| Foto: Shutterstock

A proposta de Reforma Tributária em tramitação no Congresso Nacional visa transformar a complexa estrutura fiscal brasileira. As principais mudanças estão nos tributos sobre o consumo, incluindo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Esses impostos, até então caracterizados pela diversidade de regras estaduais e pela tributação cumulativa, passarão por uma reformulação completa, com a substituição pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Os advogados Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli e Alexander Silvério Cainzos, sócios do escritório Advocacia Lunardelli, destacam que a nova estrutura fiscal visa simplificar o sistema, reduzindo as distorções criadas por incentivos estaduais e facilitando o entendimento do montante de impostos embutidos nos preços. 

Além disso, eles esperam que a burocracia em torno dos tributos também dê lugar a mais transparência e simplicidade tributária. “Embora não tenhamos ainda toda a regulamentação das normas destes dois novos impostos, espera-se que seja menor a burocracia relacionada à emissão de documentos fiscais e à apuração dos valores devidos pelos contribuintes”, diz Lunardelli. 

Impacto da Reforma no IPI e ICMS

Inicialmente, o IPI e o ICMS foram criados para atender a diferentes finalidades. O IPI, para tributar a produção industrial, e o ICMS, para incidir sobre a circulação de mercadorias e alguns serviços. 

Ambos, no entanto, são considerados altamente burocráticos e geram inúmeras controvérsias entre contribuintes e o fisco. A reforma tributária prevê a extinção de ambos, criando em seu lugar o IBS e a CBS, que terão uma abrangência mais ampla e serão regidos por uma única legislação federal, eliminando as variações estaduais do ICMS.

“A criação de um regime unificado para o IBS e CBS, regido por uma lei complementar em discussão no PLP 68, acabará com a multiplicidade de normas que hoje regulam o ICMS nos estados”, explica Cainzos. 

O principal impacto dessa unificação será a transparência e a simplificação, já que as empresas lidam atualmente com diversas legislações estaduais que definem alíquotas, isenções e benefícios fiscais variados.

A reforma também amplia a base de cobrança, incluindo operações antes isentas, como as imobiliárias. Isso significa que transações imobiliárias, que antes eram tributadas apenas pelo Pis e pela Cofins, agora também estarão sujeitas ao IBS e à CBS. “A nova estrutura deve proporcionar menos burocracia na emissão de documentos fiscais e na apuração dos valores devidos”, diz Lunardelli.

Outra mudança significativa será a implementação de um regime de não cumulatividade ampla, que permitirá às empresas a recuperação total dos créditos fiscais, o que não acontece integralmente com o IPI e o ICMS. 

Apesar disso, os advogados alertam que a eficácia dessas medidas dependerá da regulamentação específica, ainda em tramitação no Congresso.

“Tudo ainda depende da regulamentação que está sendo votada no Congresso, mas já é possível antecipar a análise das respectivas operações em função dos fatos geradores do IBS/CBS definidos na Reforma Tributária e dos possíveis regimes de exceção admitidos”, diz Cainzos.

“Tão logo sejam definidas estas regras e especialmente as respectivas alíquotas do IBS e da CBS, é importante que sejam reanalisados os impactos nas operações da empresa”, defende Lunardelli. 

Alterações no IPI

O IPI, tributo federal que incide sobre a produção industrial, é considerado uma das grandes complexidades no sistema tributário. Ele representa um custo que, em muitos casos, é incorporado ao preço dos produtos, resultando em carga fiscal embutida. 

A reforma propõe extinguir o IPI e substituí-lo pelo IBS, que abarca uma base de cálculo mais ampla e inclui mais setores econômicos.

Esse novo formato de tributação é um dos pontos mais elogiados pelos especialistas. Ao contrário do IPI, que incide principalmente na indústria, o IBS será aplicado em toda a cadeia de consumo, incluindo setores antes parcialmente isentos ou beneficiados. 

Outro ponto importante da reforma é a transparência no cálculo. Hoje, o IPI é um tributo devido pela indústria, acaba sendo agregado ao custo dos distribuidores e atacadistas e, por consequência, embutido no preço ao consumidor, sem transparência. Ou seja, o imposto integra o preço final do produto sem que o consumidor saiba exatamente quanto está pagando de imposto. 

Com o novo modelo, o valor do imposto será destacado separadamente, permitindo ao consumidor avaliar o impacto tributário de cada produto ou serviço adquirido.

Alterações no ICMS

O ICMS, imposto estadual aplicado sobre a circulação de mercadorias e alguns serviços, é frequentemente apontado como uma das fontes de maior complexidade no sistema tributário brasileiro. 

Cada estado possui suas próprias regras, alíquotas e incentivos, gerando uma disparidade na carga tributária para empresas que operam em diferentes regiões do país. 

A reforma tributária prevê a substituição do ICMS pelo IBS, que será regulamentado uniformemente por uma legislação federal, eliminando a diversidade de normas estaduais.

“Toda a estrutura industrial, distribuição e logística do Brasil foi fortemente impactada pelos incentivos fiscais concedidos pelos Estados, que eram concedidos sem a devida publicidade, provocando distorções reais no mercado e na concorrência”, explica Cainzos. “Com a extinção do IPI e do ICMS, estes incentivos serão extintos dando, assim, ao mercado mais transparência e concorrência efetiva”, completa o advogado.

Essa mudança pode impactar diretamente a localização das plantas industriais, uma vez que muitas delas foram estrategicamente posicionadas em estados que ofereciam benefícios fiscais. 

"É possível que as indústrias movam suas unidades para os centros de consumo, enquanto consigam menores custos de transporte e logística. Isto deverá redesenhar o parque fabril nacional", explica Lunardelli.

Essa alteração também beneficia o consumidor final, que passará a visualizar o valor do imposto destacado na nota fiscal, aumentando a transparência sobre a carga tributária embutida nos preços.

Setores mais afetados e os novos desafios

Os setores econômicos mais impactados pela reforma tributária serão aqueles com alta carga de mão de obra, serviços em geral e o setor primário. Empresas intensivas em mão de obra enfrentam um desafio adicional, uma vez que esses custos não geram créditos tributários.

 "Os serviços, que hoje têm uma carga tributária média de 15% (PIS + Cofins + ISS), podem ver essa alíquota aumentar para até 28% com o IBS/CBS", destaca Cainzos.

Os setores primários, como a agricultura e a pecuária, que atualmente são isentos de muitos tributos, também serão impactados. A postergação no pagamento de impostos, um dos incentivos vigentes para o setor, pode ser eliminada, trazendo novos custos para as operações agropecuárias.

A recomendação para as empresas, segundo os especialistas, é monitorar as mudanças legislativas e realizar uma análise detalhada das operações para se adequar às novas regras. 

"O principal ponto é o monitoramento constante das alterações legislativas e das manifestações dos fiscos a respeito de como interpretar a nova legislação", orienta Lunardelli.