Conheça alguns mitos sobre holdings patrimoniais familiares e saiba como elas realmente funcionam no planejamento tributário e sucessório| Foto: Shutterstock
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A chamada “holding patrimonial familiar” — sociedade constituída para controlar e administrar bens dos sócios, como imóveis e participações em empresas — tornou-se muito popular na última década, como revelam a quantidade de artigos e livros sobre o tema e o número de buscas pela expressão nas ferramentas de pesquisa online.

O interesse pelo tema decorre, fundamentalmente, do fato de esse instrumento ser frequentemente apresentado como uma panaceia, capaz de, ao mesmo tempo, prevenir conflitos, proteger o patrimônio pessoal dos sócios e gerar grande economia tributária.  

Embora ele possa prestar-se a essas finalidades, isso não ocorre sempre. E, na verdade, casos há em que verter os bens amealhados ao longo de gerações para uma sociedade pode ensejar consequências opostas às pretendidas.

O objetivo deste texto é fazer esse alerta e ilustrá-lo com exemplos de alguns dos mitos que envolvem essa solução jurídica.

Mito n.º 1: a “blindagem patrimonial”

O primeiro mito que convém desfazer é o de que alocar os bens dos sócios numa holding os protegeria contra dívidas pessoais, gerando uma espécie de “blindagem” do patrimônio. 

A transferência de bens para uma sociedade pode, de fato, dificultar a sua identificação pelos credores, especialmente quando a holding é uma sociedade anônima, cujo quadro de sócios não é objeto de registro público. Contudo, não é pequeno o risco envolvido em operações dessa natureza. Há cada vez mais instrumentos para identificá-las e, assim, abrir caminho para viabilizar a cobrança do crédito. E, a depender da natureza da dívida e das circunstâncias em que a operação houver sido realizada, a própria holding e os demais sócios podem ser chamados a responder por essas obrigações.

Além disso, há casos em que transferir o bem para a holding, além de não gerar o pretendido efeito de “blindagem”, acarreta o efeito contrário, afastando a proteção dada pela lei aos bens da pessoa física. Um exemplo evidente é o do bem de família, que, enquanto mantido no patrimônio pessoal, não responde por certas dívidas, mas, uma vez transferido para a sociedade, perde imediatamente essa condição. 

Mito n.º 2: facilidades e economia na sucessão

Igualmente disseminada é a ideia de que verter os bens para a holding facilita a sucessão hereditária e gera economia tributária. A verdade, porém, é que isso nem sempre se verifica. 

Não é correto, por exemplo, a suposição de que integralizar os bens numa holding dispensa a realização de inventário. Isso porque, assim que transmite os bens para a sociedade, o adquirente torna-se sócio dela e, portanto, dono de quotas ou ações representativas de seu capital, bens tão sujeitos a inventário quanto os originalmente titulados. A alocação dos bens numa estrutura societária realmente pode permitir que a participação indireta dos herdeiros sobre o patrimônio familiar vá aumentando progressivamente, mas isso precisa ser feito com cuidado, com tempo e seguindo a lei.

É também equivocada a ideia de que essas quotas ou ações terão, para fins de ITCMD, valor inferior ao preço de mercado dos bens vertidos para a holding. Afinal, as participações societárias também são submetidas à avaliação do Fisco, tanto quanto o seriam os bens utilizados para formar o capital social; e o Estado, ao avaliá-las, costuma considerar na conta os ativos que compõem o patrimônio da sociedade a que se referem.

Até recentemente, integralizar imóveis numa holding podia gerar alguma economia tributária em razão de permitir maior flexibilidade na escolha do Estado ao qual pagar o tributo. Isso porque, enquanto o ITCMD incidente sobre imóveis é devido ao Estado no qual o bem se localiza, o imposto incidente sobre a transmissão de bens móveis — como as quotas ou ações da holding —  era devido, até recentemente, onde se processava o inventário. Assim, era possível, com algum planejamento, fazer o inventário (extrajudicial) onde fosse menos oneroso. Contudo, a reforma tributária acabou com essa alternativa, ao estabelecer que o ITCMD sobre bens móveis não é devido ao Estado onde corre o inventário, mas àquele em que era domiciliado o falecido. 

Também não se pode perder de vista que transferir imóveis para a pessoa jurídica pode frequentemente ensejar a incidência do imposto municipal (ITBI) e, ainda, implicar a perda de benefícios aplicáveis à pessoa física, como o previsto na lei paranaense do ITCMD, segundo a qual é isenta a transmissão, por herança “de [um] único imóvel, por beneficiário, destinado exclusivamente à moradia do cônjuge sobrevivente ou de herdeiro, que outro não possua”

Mito n.º 3: facilidades na gestão e redução na tributação

É verdade que a alocação do patrimônio numa sociedade pode tornar mais fácil a sua gestão, especialmente nos casos de bens mantidos em condomínio, já que as regras societárias permitem uma maior flexibilidade na tomada de decisões, de modo a não permitir que um único condômino crie obstáculos para a destinação econômica do bem comum. Para que isso se converta em realidade, todavia, é imprescindível ter um contrato social com regras bem definidas, eventualmente complementadas com pactos societários adicionais. Do contrário, a constituição da sociedade, em vez de prevenir conflitos, poderá ensejar disputas novas e mais complexas. 

É verdade, também, que a tributação de atividades como a compra e venda e a locação de bens imóveis tende a ser mais econômica se realizada por meio de uma pessoa jurídica. Todavia, nem sempre isso corresponde à realidade. 

Primeiro, porque, a depender do valor recebido a título de aluguel, a economia esperada poderá ser totalmente consumida com o ITBI incidente na versão do imóvel para a pessoa jurídica, bem como com outros custos necessários para a sua operação, como a contratação de contador, por exemplo. 

Segundo, porque há benefícios fiscais incidentes na alienação de imóveis por pessoa física, como os fatores de redução do ganho de capital previstos na chamada “Lei do Bem”, os quais conseguem ensejar substancial diminuição do valor a ser pago, mas simplesmente não se aplicam às pessoas jurídicas. 

Para concluir, pode-se dizer que, embora houvesse ainda outros pontos a considerar, aqueles já expendidos parecem-nos suficientes para deixar clara a necessidade de se examinar cada caso individualmente, não só do ponto de vista da oportunidade e conveniência de constituir a holding, mas também no que diz com a escolha dos específicos bens a serem transferidos a ela.

Por Guilherme Broto Follador – OAB/PR no40.517
Assis Gonçalves, Nied e Follador Advogados

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná em 2006. Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) em 2007. Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná em 2013 e doutorando em Direito pela mesma instituição. Professor convidado no curso de especialização em Direito Tributário da Universidade Positivo. Membro Relator da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná. Associado Fundador do Instituto Prof. Assis Gonçalves.