A violência de gênero é um problema que continua ameaçando a segurança e o bem-estar das mulheres brasileiras.
A violência de gênero é um problema que continua ameaçando a segurança e o bem-estar das mulheres brasileiras.| Foto: Shutterstock

Ao longo dos seus quase 19 anos de existência, a Lei Maria da Penha sofreu diversas modificações para aumentar a eficiência no combate à violência doméstica. Ao menos 50 dispositivos da legislação, considerada uma das mais avançadas do mundo no tema, já foram alterados pelo Legislativo brasileiro.

Mesmo com o endurecimento, os números relacionados a esse tipo de delito continuam crescendo, apontando para o desafio de enfrentar a violência de gênero no país, um problema que continua ameaçando a segurança e o bem-estar das mulheres brasileiras. 

Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os casos de feminicídio cresceram 0,8% em 2023, e, mais grave ainda, foi o crescimento das tentativas de feminicídio e homicídio contra mulheres, de 7,2% e 9,2%, respectivamente.

Entre as maiores e mais recentes mudanças na lei, está a sancionada em outubro passado, que endureceu, por exemplo, a pena de feminicídio, com pena de reclusão que aumentou de 12 a 30 anos para de 20 a 40 anos. Antes tratado como qualificadora do homicídio doloso, também passou a ser um crime autônomo.

Como detalha o advogado criminalista Beno Brandão, esse tempo pode ser ampliado em até metade em situações agravantes, como crimes cometidos durante a gestação, contra pessoas vulneráveis ou em descumprimento de medidas protetivas. 

“Na prática, o feminicídio passou para uma pena que pode chegar até 60 anos de reclusão. E, caso assim fixada a pena, o réu somente poderá progredir para o regime semiaberto depois que cumprir 55% da pena em regime fechado - e isso se for ele primário”, explica.

Outros crimes, como lesão corporal e descumprimento de medidas protetivas, também tiveram penas elevadas, tentando frear o aumento de quase 10% nas agressões decorrentes de violência doméstica em 2023. No primeiro caso, que antes previa reclusão de 3 meses a 3 anos, agora têm penas de 2 a 5 anos. 

Já o crime de ameaça tem a pena aplicada em dobro se cometido contra a mulher por razões do seu sexo, e a ação penal não depende mais de representação da ofendida. “Esse é um ponto importante, pois não raro havia registro de companheira, esposa, namorada, relatando ameaça sofrida do homem. Instaurada a apuração, poderia a vítima desistir da representação até antes do recebimento da denúncia. Hoje, mesmo que ela não queira, haverá prosseguimento da apuração para responsabilizar o infrator”, detalha Brandão.

Ele cita ainda como ponto importante de alteração da lei a perda automática do poder familiar, de cargo ou mandato eletivo, ou proibição de nomeação em função pública para condenados por violência doméstica. Independentemente do crime, o preso também passa a ser obrigado a usar tornozeleira eletrônica para usufruir de benefícios de saída do sistema prisional e não poderá receber visita íntima.

Já no caso de crimes contra a honra em razão da condição do sexo feminino, a pena foi dobrada, e triplicada nas contravenções de vias de fato pelo mesmo motivo.

Impactos do endurecimento da Lei Maria da Penha

Essas - e outras alterações legislativas no decorrer dos anos - refletem um esforço legal para tornar a proteção mais eficaz. “A intenção é resguardar a segurança da mulher e prevenir reincidências”, detalha Brandão. 

O advogado vê as mudanças como um novo avanço no combate à violência doméstica, garantindo maior segurança às vítimas, especialmente ao dificultar o contato entre agressores e mulheres protegidas por medidas judiciais. 

Por outro lado, o especialista aponta que as alterações também geram novos desafios. Com penas mais rigorosas, é esperado um aumento no número de condenados, o que pode sobrecarregar o já saturado sistema prisional brasileiro. Ele cita que no Paraná, por exemplo, unidades como a Colônia Penal Agrícola já enfrentam superlotação, gerando dúvidas sobre a viabilidade de acolher novos detentos.

Como reflete o advogado, o endurecimento da Lei Maria da Penha busca consolidar uma mensagem clara: a violência contra a mulher não será tolerada. Mas, será a saída mais eficaz para a diminuição desse tipo de crime?

“A meu ver, feminicídio não se resolve com pena maior. A pessoa que comete esse gravíssimo delito, geralmente o faz em momento de cólera, vindo, não raras vezes, após consumado o assassinato de sua companheira, a se suicidar ou tentar o suicídio. Isso revela que a questão não é de ter o agente a consciência de que será rigorosamente punido. A questão é de construção familiar, de princípios adotados desde criança, na escola, de respeito à vida, à mulher”, avalia.

Brandão entende que, para outros tipos de crimes, a lei pode gerar um freio importantes, mas ainda são necessárias mais medidas educativas e preventivas. “A própria escola seria um canal importante, conscientizando crianças e adolescentes; e as faculdades, estabelecendo claramente as consequências da prática de um crime contra a mulher”.

Com mais de 30 anos de experiência na área, ele conta que não raras vezes há acusações falsas, problema agravado pelo diferente peso dado às provas ligadas à violência doméstica, o que pode levar a condenações indevidas. “Criou-se, por bem ou por mal, uma jurisprudência repetitiva, que dispensa o julgador de avaliar melhor a prova, contentando-se com o relato da (alegada) vítima”, conta. Prevê o art. 339 do Código Penal o crime de denunciação caluniosa, que prevê pena de prisão até 8 anos para aquele que, sabendo ser uma pessoa inocente, dá causa à instauração de inquérito, processo judicial ou administrativo contra ele.