Assim como em todas as relações humanas, as sociedades empresariais não estão imunes a desentendimentos e crises. Conflitos societários são uma realidade comum no dia a dia de pequenas, médias e grandes empresas e é preciso saber lidar com esse tipo de situação de forma que o negócio não seja prejudicado pela falta de harmonia na sociedade.
Quando mal administrados, conflitos societários podem minar a harmonia entre sócios, comprometer a produtividade e até mesmo ameaçar a continuidade do negócio. A boa notícia é que, com as estratégias certas, é possível resolver esses impasses eficazmente e até preveni-los para preservar o sucesso da organização.
Conflitos mais comuns na sociedade
A advogada e contadora Mariana Corrêa Monteiro Seccatto trabalha há mais de 12 anos em consultoria corporativa e é sócia atuante no departamento de corporate Advisory da Crowe Consult Consultoria Empresarial. Durante mais de uma década de experiência, ela conta que considerando que a maioria massiva das sociedades empresárias são formadas por famílias, ou grupos familiares, muitos destes problemas também podem ter cunho bastante pessoal.
“Os conflitos podem surgir a partir de uma discordância deliberativa; por sugestões, muitas vezes não ouvidas, de sócios minoritários, que tentam expor suas opiniões, em muitos momentos ignoradas pelo controlador; ou ainda, pelo ingresso de membros da família que não estão preparados para atuar na sociedade, mas que acabam desempenhando papéis estratégicos na estrutura da organização; ou, ao contrário, pela tentativa de profissionalização do negócio, que pode gerar ciúmes e inveja naqueles que entendem estarem no direito de exigir uma posição específica do negócio”, explica a advogada.
Ainda no campo dos desentendimentos pessoais familiares que acabam trazendo conflitos societários, há um problema geracional, segundo Seccatto, que geralmente acontece por falta de um planejamento sucessório adequado.
“Muitas vezes o fundador, ou o grupo de fundadores, assume uma posição centralizadora, e sente dificuldades em efetivar a sucessão, planejada; ou, pior, sequer pensou num plano de sucessão, pois os empreendedores têm o hábito de se pensarem imortais. Mas olhando do ponto de vista do negócio, esse pensamento raramente traz bons frutos, e atrapalha o processo de continuidade”, garante a especialista.
Além de problemas familiares e de relacionamento, muitos conflitos societários podem surgir de má gestão, falta de comunicação ou outras questões, passíveis de surgir em qualquer tipo de sociedade.
“Qualquer desentendimento pode se tornar uma cicatriz na gestão societária, criando impasses e causando prejuízo ao negócio em si”, explica Seccatto.
Assessoria especializada em gestão de conflitos é fundamental
Quando o conflito societário está instaurado em uma empresa, seja ela do tamanho que for, é importante contar com uma assessoria especializada para resolver os impasses. Além de tratar de questões que geram atritos na sociedade, uma consultoria tem o papel fundamental de preservar o negócio.
Por isso, é importante contar com profissionais capazes de atuar na gestão de conflitos entre os sócios.
“Para resolver os conflitos, a primeira coisa que se deve fazer é identificar a raiz do problema. Tentar entender daqueles que nos procuram, as razões do desentendimento, e quais os objetivos daquelas pessoas que estão buscando o nosso auxílio”, conta Seccatto.
Segundo a advogada, há uma dificuldade a mais em lidar especialmente com casos de quebra de lealdade e descompasso nas obrigações entre os sócios. “É aí que os sócios perdem o compromisso com o negócio, e passam a atacar uns aos outros, o que cria o pior clima possível na organização. A nossa intenção, como consultores, mais do que cuidar das pessoas, é cuidar do negócio, afinal, é ele que sustenta a todos; é por ele que estão reunidos. Se o negócio é saudável, todos usufruem e ficam felizes”, explica.
Nesse caso, o papel dos consultores como mediadores e apaziguadores é ainda mais importante. “É essencial que os consultores tenham um grau de empatia e sensibilidade com os sócios, porque é isso que vai trazê-los a um nível que os permitirá discutir o problema urgente, solucioná-lo e, a partir disso, resgatar a confiança, o que chamamos de affectio societatis”, diz Seccatto.
De acordo com ela, se mesmo assim, não houver consenso, e o impasse não se resolver, pode chegar a hora em que é mais saudável que um sócio se retire, ou que a sociedade se dissolva.
Compliance societário e antecipação de possíveis problemas
Um ponto muito importante quando se fala em conflitos societários, segundo Seccatto, é que é possível - e muito mais recomendado - trabalhar com a prevenção.
“Se existe uma máxima importante a se divulgar, é a de que sempre é melhor pensar no problema enquanto ele não está na mesa. É importante criar essas estratégias de resolução de conflitos enquanto os sócios estão em harmonia, e buscar antever eventuais conflitos que naturalmente acontecerão”, defende.
Segundo a especialista, a melhor alternativa para empreendedores é buscar sempre antecipar os possíveis problemas; criar ferramentas sociais que previnam discussões e que permitam à sociedade já ter mecanismos de solução de impasses.
Acordo de Quotistas pode ser uma ferramenta eficaz na prevenção de conflitos
Nesse contexto entram a estruturação dos acordos societários, a criação de ferramentas nos contratos ou estatutos sociais para resolução de conflitos, e, dentre outros, especialmente os Acordos de Quotistas ou de Acionistas, a depender do tipo societário.
O Acordo de Quotista ou Acordo de Sócios pode criar diversos mecanismos que previnam os impasses e protejam o negócio. “Podemos estipular regras de votos, com votações em bloco para o caso de grupos familiares, por exemplo. Ou a criação de Ações de Classe Especial, comumente chamadas “golden shares”, que criam privilégios, geralmente para o sócio fundador, ou para o controlador, para que este tenha voto de minerva, ou poder de veto em circunstâncias estratégicas”, exemplifica Seccatto.
A advogada ressalta que também há mecanismos de proteção aos sócios minoritários, como por exemplo, o direito de retirada em momentos de dissidência, ou outras previsões, que mantenham a capacidade de expor e deliberar nas assembleias ou reuniões.
“Sempre buscamos, pela experiência da nossa equipe, que já viu muitos conflitos acontecerem, auxiliar os sócios a identificar esses pontos de estresse, e os incentivamos a pensarem em ferramentas como o Acordo de Sócios, por exemplo, já na primeira geração; antes de efetivar uma sucessão, por exemplo; ou antes do ingresso de herdeiros, cônjuges, outros parentes ou partes relacionadas. A atuação preventiva é sempre a melhor ferramenta, e deve ser explorada sempre que possível”, destaca Seccatto.