Organizar um casamento pode ser bastante trabalhoso e costuma consumir bastante tempo do casal que está prestes a formar uma família. Com isso, alguns casais podem acabar deixando de dar atenção a um item tão importante quanto a elaboração dos votos ou a organização da lua de mel: o contrato de casamento. O planejamento matrimonial é um tema que vai muito além do simples ato de casar ou formalizar uma união. Ele envolve aspectos legais e patrimoniais que, se não forem cuidadosamente tratados, podem resultar em conflitos sérios no futuro.
É cada vez mais comum que casais busquem assessoria jurídica para estabelecer diretrizes claras sobre seus direitos e deveres, bem como definir questões patrimoniais a fim de evitar desentendimentos. A falta de planejamento pode acarretar em surpresas desagradáveis, especialmente em situações como divórcios, falecimentos ou disputas patrimoniais.
“Conversas difíceis são necessárias, e por meio do planejamento matrimonial os noivos terão auxílio para pensar na construção do relacionamento a dois, proporcionando segurança e clareza nessa nova etapa da vida”, explica a advogada Karoline Kuzmann, sócia do escritório Dal Bello Kuzmann Advocacia Especializada. “Ao estabelecer um contrato pré-nupcial, os parceiros podem garantir que suas expectativas em relação ao patrimônio e às finanças estejam alinhadas, além de discutirem diversas questões pessoais, reduzindo a possibilidade de desentendimentos ao longo da vida conjugal”, completa.
Acordo pré-nupcial: proteção e clareza
De acordo com Andressa Dal Bello Mentta, também sócia do escritório Dal Bello Kuzmann Advocacia Especializada, o acordo pré-nupcial é um dos principais instrumentos do planejamento matrimonial. “Ele estabelece claramente a divisão de bens e pode abordar questões como pensão alimentícia, propriedade de bens adquiridos durante a união e direitos em caso de divórcio”, explica.
Através do acordo pré-nupcial é possível estabelecer regras claras sobre a administração dos bens e a divisão do patrimônio em caso de separação ou falecimento, por exemplo. Este tipo de contrato ajuda a evitar surpresas desagradáveis, pois define previamente as expectativas de cada cônjuge em relação ao patrimônio, evitando conflitos que possam surgir durante o casamento.
De acordo com as especialistas, a elaboração de um acordo pré-nupcial oferece diversos benefícios, entre eles a proteção dos interesses individuais de cada cônjuge. Um dos pontos-chave é que o casal pode definir como os bens adquiridos antes e durante o casamento serão geridos.
Além disso, o contrato pré-nupcial também pode abordar outros temas importantes, como o pagamento de pensão alimentícia em caso de separação e até mesmo cláusulas que tratem de questões comportamentais, como a fidelidade conjugal. Embora esses temas possam parecer delicados, tratar dessas questões de forma antecipada e transparente ajuda a fortalecer o relacionamento.
“O planejamento matrimonial também é uma oportunidade valiosa para que os casais enfrentem conversas difíceis, com o auxílio de um profissional. Esses diálogos podem abordar expectativas, valores e preocupações que, muitas vezes, são negligenciados até que surjam problemas”, diz Karoline Kuzmann.
Outro ponto importante é que o contrato pré-nupcial pode ser modificado ao longo do casamento, desde que haja consenso entre as partes. Isso permite que o casal se adapte a novas circunstâncias, como o nascimento de filhos ou mudanças significativas na situação financeira de um dos cônjuges.
Regime de bens: escolha estratégica
A escolha do regime de bens é uma das decisões mais importantes que os casais precisam tomar antes de se casar, de acordo com as advogadas. O regime de bens define como o patrimônio será administrado e dividido durante o casamento e em caso de separação.
Existem diferentes tipos de regimes como comunhão parcial, comunhão total, separação total, separação obrigatória e participação final dos aquestos. Porém, se a reforma do Código Civil for aprovada no modelo proposto, o regime de separação obrigatória e participação final dos aquestos não existirá mais.
"Um profissional pode orientar o casal a explorar suas necessidades e a personalizar o regime de bens, criando o que chamamos de regime misto, que combina características de diferentes regimes para atender às especificidades de cada relação”, explica Andressa Dal Bello.
“Infelizmente, muitos casais desconhecem que essa personalização é uma opção viável e que, ao fazê-lo, podem estabelecer uma proteção patrimonial mais adequada às suas circunstâncias. A escolha informada do regime de bens pode, de fato, proporcionar segurança e evitar desentendimentos no futuro, garantindo que cada parceiro esteja ciente dos direitos e deveres que assumem ao se unirem”, complementa Karoline Kuzmann.
Segurança jurídica: garantindo tranquilidade no relacionamento
O principal objetivo do planejamento matrimonial é garantir a segurança jurídica do casal diante de tantas divergências jurisprudenciais. Sem um planejamento adequado, as questões patrimoniais podem se tornar complicadas e até mesmo gerar disputas judiciais.
Por exemplo, em caso de divórcio, a falta de clareza sobre a divisão dos bens pode resultar em longas batalhas judiciais, nas quais o juiz decidirá a forma como o patrimônio será dividido. É muito comum o cliente chegar ao escritório com informações equivocadas, pelo fato de ter casado pelo regime supletivo - comunhão parcial de bens - e desconhecer o que de fato abrange tal regime. Isso pode causar estresse e desgastes emocionais para ambas as partes.
“Ao discutir e formalizar questões financeiras e patrimoniais antes do casamento, os casais têm a oportunidade de abordar tópicos delicados de forma proativa. Isso reduz o potencial de conflitos durante momentos emocionalmente carregados, como uma separação”, alerta Andressa Dal Bello.
Além disso, a ausência de um planejamento adequado também pode prejudicar o cônjuge sobrevivente em caso de falecimento. Sem um testamento, a divisão dos bens será realizada de acordo com as regras do Código Civil, o que nem sempre corresponde aos desejos dos cônjuges. Sendo assim, um planejamento matrimonial personalizado é a base para um futuro planejamento sucessório, e que, muitas vezes, os casais fazem ambos em conjunto.
Em situações de famílias com filhos de casamentos anteriores, a falta de um planejamento sucessório adequado pode gerar conflitos entre o cônjuge sobrevivente e os herdeiros, resultando em disputas judiciais.
Por isso, o planejamento matrimonial pode incluir a elaboração de um testamento que estabeleça claramente como os bens serão divididos em caso de falecimento. Também é recomendável considerar a contratação de um seguro de vida, que pode proporcionar uma camada extra de proteção financeira ao cônjuge sobrevivente.
Cláusulas existenciais: prevenindo conflitos futuramente
Um aspecto menos conhecido do planejamento matrimonial é a possibilidade de incluir cláusulas existenciais no contrato pré-nupcial ou na escritura de união estável. Essas cláusulas podem ser extremamente úteis para evitar conflitos futuros, pois estabelecem regras claras sobre questões que, embora possam parecer triviais no início da relação, podem se tornar fontes de desentendimentos com o tempo.
Um exemplo de cláusula existencial é a cláusula de multa em caso de infidelidade, que estipula uma indenização para o cônjuge traído. Embora esse tipo de cláusula seja polêmico, já existem decisões judiciais no Brasil que reconhecem sua validade.
Outra cláusula interessante é a cláusula sobre a possibilidade de viverem em residências separadas. Essa cláusula pode ser útil em situações onde o casal precisa viver em cidades diferentes por motivos profissionais, mas deseja manter a união conjugal. Ao prever essa situação no contrato, o casal evita questionamentos sobre a validade da união e garante que ambos os cônjuges continuarão a ter os mesmos direitos e deveres, independentemente da distância física.
Há outras cláusulas que podem ser inseridas nesse tipo de acordo, segundo as especialistas, como indenização em caso de divórcio, cláusula de não processar ou cláusulas de paz, cláusulas antibaixaria, cláusulas sobre os deveres domésticos e relativos à criação dos filhos, entre outras.
“Em resumo, o planejamento matrimonial não apenas ajuda a prevenir surpresas desagradáveis, mas também promove um ambiente de transparência e confiança entre os parceiros”, defende Andressa Dal Bello. “O planejamento matrimonial proporciona um espaço seguro para conversas difíceis sobre dinheiro, bens e expectativas. Com o apoio de um profissional, os casais podem expressar suas preocupações e negociar soluções que atendam a ambos, fortalecendo a relação”, completa Karoline Kuzmann.