O Código Civil é alvo de uma reforma em tramitação no Senado Federal que pode alterar pontos importantes da legislação vigente
O Código Civil é alvo de uma reforma em tramitação no Senado Federal que pode alterar pontos importantes da legislação vigente| Foto: Divulgação

Vigente desde 2003 no Brasil, o Código Civil é um apanhado de normas jurídicas que impactam diretamente na vida do cidadão.  Ele tem o objetivo de assegurar o equilíbrio das relações civis e traz diversas normas que envolvem contratos, casamento, herança e uma série de eventos comuns na vida de todas as pessoas. Apesar de ser relativamente novo, o Código Civil é alvo de uma reforma em tramitação no Senado Federal que pode alterar pontos importantes da legislação vigente. 

O Código Civil brasileiro foi sancionado em 2002 e entrou em vigor no ano seguinte. O documento atual é resultado de décadas de tramitação no Congresso Nacional. Isso porque o projeto original foi elaborado entre 1969 e 1975. Agora, passa por uma nova revisão em Brasília que pode impactar as relações civis. 

“Trata-se um ‘projeto’ de reforma e não um ‘Novo Código Civil’, já que mantém e expande os princípios e diretrizes fundamentais da atual legislação”, explica a advogada Karoline Kuzmann, sócia do escritório Dal Bello Kuzmann Advocacia Especializada. “Menos da metade do texto vigente foi modificado, com muitas propostas focadas em melhorar a redação para facilitar a compreensão dos dispositivos na atualidade”, completa a advogada. 

Direito das famílias: novos direitos e deveres

As principais modificações previstas na reforma do código civil dizem respeito ao Direito de Família, de acordo com a advogada Andressa Dal Bello, também sócia do escritório Dal Bello Kuzmann Advocacia Especializada.

“As mudanças visam consolidar práticas já reconhecidas na jurisprudência, melhorar a segurança jurídica e resolver lacunas existentes no Código Civil”, explica a advogada. 

Segundo as especialistas, o Direito de Família será impactado por diversas propostas contidas no projeto de reforma do Código Civil em tramitação no Congresso Nacional. 

Uma das alterações mais importantes é a ampliação do conceito de família. “Há a previsão de inclusão de todas as entidades familiares, sem distinção. Isso inclui o casamento, união estável, vínculos não conjugais e famílias recompostas”, explica Karoline Kuzmann

Além disso, a reforma do Código Civil também prevê o reconhecimento da multiparentalidade, com a validação de múltiplos vínculos maternos ou paternos. Ou seja, a partir da aprovação deste item, será possível que a criança seja registrada com mais de um pai ou mais de uma mãe, por exemplo. 

O projeto de reforma também traz a legitimação da união homoafetiva. “Há a previsão de substituição de ‘homem e mulher’ por ‘duas pessoas’ nas normas de casamento e união estável”, explica Andressa Dal Bello. 

Esses são exemplos de adaptação do texto da lei às normas que já estão em vigor. Em maio de 2011, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, já havia equiparado as relações de pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis de casais heterosexuais e permitiu a multiparentalidade, ao conceder repercussão geral ao tema n. 622, no leading case do RE 898060/SC, além de todas as disposições do CNJ regulando o tema na esfera extrajudicial.

O projeto de reforma do Código Civil também prevê a permissão para que a mãe registre o nascimento do filho em nome do pai, mesmo que ele não compareça ao cartório ou se recuse a fazer o exame de DNA para confirmar a paternidade. 

As mudanças também podem facilitar o divórcio unilateral, com a possibilidade de um dos cônjuges solicitar a dissolução da união estável ou o divórcio sem anuência da outra parte. 

Mudanças sobre regimes de bens e herança, previstas na reforma do Código Civil tornam a assessoria jurídica essencial

Além das alterações que impactam nas relações pessoais, a proposta de reforma do Código Civil também traz uma série de mudanças em relação ao regime de bens, de acordo com as advogadas. 

“Uma das mudanças é que o regime de bens poderá ser estipulado livremente pelos cônjuges ou conviventes, antes ou depois do casamento ou da união estável”, explica Andressa Dal Bello. 

Ela também destaca que com a reforma poderá haver novas regras para a alteração do regime de bens. “As mudanças podem ser feitas por escritura pública, sem necessidade de judicialização, a partir da data da alteração, pela proposta do § 2º do art. 1.639, e excluindo o atual art. 734 do Código Civil”, explica. 

Apesar da possibilidade de alteração no regime de bens, os pactos de alteração de regime não poderão ter eficácia retroativa, para evitar fraudes, segundo a advogada. Outra mudança é que não haverá mais a exigência de justificativa e da atuação do Ministério Público para alteração do regime de bens, como ocorre atualmente. 

“A proposta de reforma prevê a eliminação de exigências burocráticas que complicam a alteração de regime, promovendo a desjudicialização”, avalia Karoline Kuzmann

A advogada também aponta outra mudança significativa prevista na reforma. “A proposta de reforma do Código Civil Brasileiro inclui a revogação do regime de separação obrigatória de bens, conforme previsto no artigo 1.641. Este regime atualmente se aplica em três situações: quando o casamento é celebrado sem observância das causas suspensivas, quando uma das partes tem mais de 70 anos, e quando há necessidade de suprimento judicial. A ideia é eliminar essa imposição, considerada discriminatória e inconstitucional, especialmente em relação aos idosos”, explica. 

Outra mudança significativa diz respeito à herança. “O tratamento do cônjuge como herdeiro necessário pode ser revogado. Em seu lugar, está previsto o direito real de habitação e usufruto legal em casos de vulnerabilidade, embora a concorrência sucessória tenha sido proposta para extinção”, explica Andressa Dal Bello. 

Todas essas mudanças vão exigir dos cidadãos adaptações importantes no dia a dia para garantir que seu desejo seja seguido, de acordo com as advogadas. 

“O maior desafio será a educação da população, para que tenham conhecimento das alterações e possam utilizar dos instrumentos jurídicos apropriados para tentar mitigar riscos, como por exemplo em relação à concorrência sucessória”, diz Karoline Kuzmann. “Hoje o cônjuge é herdeiro necessário, ou seja, mesmo sem testamento ele irá concorrer com os filhos ou ascendentes nos 50% da parte indisponível. Com a alteração proposta pela reforma, o cônjuge deixa de ser herdeiro necessário, desta forma, nos casos em que os casais entendem por manter essa disposição patrimonial para o cônjuge, precisam se valer do testamento”, alerta a advogada. 

“Conforme mencionado na resposta anterior, se as mudanças propostas na reforma forem de fato aprovadas, as famílias precisarão se valer de instrumentos jurídicos para fazer a melhor destinação do seu patrimônio, o que deverá ser realizado por meio de uma equipe jurídica de confiança. Os escritórios de advocacia terão um trabalho fundamental, que é a propagação do conhecimento de forma educativa, além de ser necessário um planejamento sucessório”, completa Andressa Dal Bello. 

As advogadas também ressaltam propostas de alteração que vão impactar diretamente nos direitos dos cônjuges. Uma dessas mudanças é a equiparação entre cônjuges e companheiros na sucessão, com a revogação de regras que diferenciam cônjuges de companheiros. 

“Além disso, há a previsão de exclusão de cônjuges e companheiros do rol de herdeiros necessários, ou seja, os herdeiros necessários serão apenas os descendentes e ascendentes”, explica Karoline Kuzmann

Reforma do Código Civil ainda não tem prazo para acabar

O Senado recebeu oficialmente o anteprojeto do Código Civil elaborado por uma comissão de juristas em abril de 2024. 

O trabalho do grupo de 38 juristas começou em agosto de 2023.  Foram analisadas 280 sugestões da sociedade civil e realizadas diversas audiências públicas para chegar a um texto com mais de mil artigos.

A partir de agora, cabe aos senadores analisar a proposta que foi protocolada como projeto de lei pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Não há prazo para que a reforma termine de tramitar no Congresso Nacional e entre em vigor.