Manter uma sociedade empresarial saudável é fundamental para o sucesso e a longevidade de uma empresa. Como num casamento, aqueles que decidem se unir em prol de um negócio também possuem suas próprias vivências e habilidades, e as divergências de opiniões e atitudes são naturais.
Infelizmente, as brigas são comuns e podem prejudicar o andamento das empresas, o que torna frequentes as histórias de falhas decorrentes de conflitos entre sócios.
Existem, no entanto, caminhos e estratégias para reduzir o potencial de conflitos, como cuidados na elaboração de um contrato e/ou estatuto social, detalhamentos em acordos de sócios e a implantação de boas práticas de governança corporativa.
A base de qualquer sociedade empresarial é um contrato ou estatuto social (a depender do tipo de negócio) bem redigido. Apesar de essencial para evitar disputas futuras, esse documento é muitas vezes negligenciado; por isso, exige atenção e cautela na sua redação.
“Muitos sócios, por conta daquela euforia de abrir logo o negócio, fazem um contrato básico, muitas vezes ‘modelo de prateleira’ e, lá na frente, quando acontece alguma situação, não há previsão no contrato. Então, a primeira recomendação é discutir esse conteúdo para não fazer só o básico, fazer mais do que isso, ter um contrato de bom nível”, aponta o advogado Gabriel Zugman, sócio da DMGSA - Domingues Sociedade de Advogados
Por ser um documento público e obrigatório, equiparado à certidão de nascimento de uma empresa, o contrato ou estatuto social traz os dados básicos do negócio, como quem são os sócios, o endereço da sede, o ramo de atuação, e outros pontos. Mas, ele pode apresentar maiores detalhamentos, como deveres dos contratantes.
Entre as outras cláusulas que podem constar neste contrato, estão as que instituem regras de dissolução total e parcial da sociedade, de exclusão de sócios e outras normas gerais de governança.
“Uma sociedade é uma relação entre pessoas, logo, o contrato ou estatuto social deve definir previamente como lidar com as diversas situações decorrentes dessa relação, sejam elas rotineiras ou pontuais, comuns ou esporádicas. A mitigação de desconfortos ou desentendimentos entre os sócios prescinde de um bom contrato ou estatuto social.”, resume Nereu Domingues, também sócio da DMGSA - Domingues Sociedade de Advogados.
O especialista aponta que, além de sua boa elaboração, é importante que este documento seja revisitado constantemente, principalmente após mudanças legislativas e na própria constituição do negócio.
Acordo de sócios ou acionistas
Além do contrato ou estatuto social, é altamente recomendável às empresas estabelecer um detalhado acordo de sócios ou de acionistas. Diferente do documento que constitui o negócio, por ser restrito, ele busca regular outras especificidades entre os próprios membros e a sociedade. Por isso, seus itens dependem das escolhas de cada um, contanto que não ultrapassem os limites do contrato ou estatuto social.
Zugman detalha que este acordo abrange, entre outros pontos, a visão e os objetivos para a empresa, as responsabilidades de cada sócio, expectativas, participação nos lucros, regras de reinvestimento, gestão de despesas, processos de tomada de decisão e procedimentos para a resolução de disputas.
“É uma ferramenta que pode servir para inserir uma cultura de transparência e tomada de decisão conjunta, o que é vital para evitar conflitos”, aponta.
O especialista cita como exemplos causas comuns de desentendimentos entre sócios, como a prática de concorrência desleal e desvio de verbas pela gestão financeira, o que pode causar prejuízos evidentes.
Nesse sentido, o acordo atua na resolução mais clara e rápida desses problemas. “Muitas vezes essas questões que tratam de faltas graves, com possibilidade de justa causa e exclusão do sócio, ficam no Judiciário por anos e anos”, conta.
A lei brasileira institui que, sem determinação em contrário, as decisões empresariais dependem da anuência da maioria. Com o acordo de sócios ou acionistas, é possível, por exemplo, prever percentuais diferentes para resolver questões mais delicadas, como empréstimos bancários de grande porte, aquisições e fusões e mesmo no caso de falecimento de um dos sócios.
“A regra geral diz que, se um sócio falece e os herdeiros não querem ocupar seu lugar, eles devem receber o valor correspondente em 90 dias em dinheiro. Se ele tinha, por exemplo, 80% da sociedade, acaba com o negócio, é difícil resistir”, cita.
Governança corporativa
Implementar práticas de governança corporativa é outra estratégia eficaz para minimizar conflitos, principalmente no que se refere à transparência. Isso inclui manter uma comunicação clara e regular entre os sócios, realizar reuniões periódicas e criar relatórios de progresso.
Esse conjunto de práticas, normas e processos, que se traduzem em uma série de documentos, ajudam a garantir que todos estejam na mesma página, reduzindo a assimetria de informações.
“A governança corporativa permite que as decisões sejam tomadas de forma mais colaborativa e transparente, fazendo com que todos se sintam endereçados e prestigiados, o que é essencial para evitar mal-entendidos e conflitos”, explica Domingues.
Alinhada às regras instituídas nos contratos que envolvem a empresa, a governança também tem como papel fazer com que cada parte do negócio exerça suas funções de forma clara e que tenha sua atividade controlada pelos demais membros.
Já no caso de conflitos avançados entre sócios, sem resolução em nenhuma das ferramentas preventivas citadas, Zugman aconselha uma saída negociada. “É preferível devido à demora e aos custos emocionais e financeiros de um processo judicial prolongado. Existe a opção de resolver a disputa por meio da arbitragem, que é um tribunal privado. Ela tende a ser mais rápida e confidencial, protegendo a reputação da empresa. Apesar disso, também envolve custos elevados”, aponta.