Quando o casal consegue discutir inicialmente o regime de bens e o que vai ou não ser partilhado, gera segurança e engajamento das partes, com redução de litígios
Quando o casal consegue discutir inicialmente o regime de bens e o que vai ou não ser partilhado, gera segurança e engajamento das partes, com redução de litígios| Foto: Shutterstock

O processo de dissolução conjugal é, em geral, uma fase bastante delicada na vida de qualquer casal. Se o término do relacionamento já pode ser envolto de conflito, a disputa pode se intensificar com as questões legais e muito sensíveis a serem resolvidas, como guarda de filhos, alimentos (pensão alimentícia) e, em especial, a divisão dos bens, a chamada partilha.

No entanto, existem instrumentos legais que podem tornar essa divisão mais pacífica e justa, de uma forma que onere menos o casal. Essas ferramentas jurídicas abrangem tanto a prevenção de conflitos, se ajustadas antes do casamento ou da união estável, ou a minimização deles, se procuradas após a decisão pelo fim da relação.

O tema pode parecer delicado, já que ninguém pensa em um eventual desfazimento da relação conjugal em meio à sua celebração, mas a realidade não pode ser desconsiderada. 

Segundo dados do IBGE, os brasileiros têm se divorciado cada vez mais e mais rápido. Em 2022, foram 970 mil casamentos e 420 mil divórcios. Ou seja, houve um divórcio para cada 2,3 uniões naquele ano. Em 2010, a proporção era de um para quatro. Ainda segundo o Instituto, quase metade das separações ocorreram com menos de dez anos de casados em 2022.

Como destaca o advogado Jorge Augusto Nascimento, Sócio da Domingues Sociedade de Advogados, a clareza sobre os efeitos do desfazimento da relação conjugal pela transparência já na constituição desta, pode evitar conflitos. “Aqui vale o velho ditado: ‘O combinado não sai caro’. Quando o casal consegue discutir previamente o regime de bens e o que vai ou não ser partilhado, gera segurança, maior alinhamento, redução de litígios e, por consequência, tudo fica mais barato”.

Entre os regimes previstos em lei, o mais comum entre os brasileiros é o da comunhão parcial, em que o patrimônio adquirido, onerosamente, durante a união conjugal é compartilhado. A prevalência ocorre porque o modelo não exige maiores detalhamentos e é o regime automático escolhido quando o casal não opta por outra modalidade, regra que se aplica ao casamento e também na união estável.

“Muitas das vezes esse regime não atende os interesses da pessoa”, observa Jorge Augusto. Ele cita como exemplo a previsão de que bens recebidos gratuitamente não se comunicam na partilha quando o casal está sob o regime da comunhão parcial, mas, o que muitos não sabem, é que os frutos gerados por esses bens, são, sim, compartilhados. “Se eu recebo em doação cotas de uma empresa, elas não são partilháveis, mas os lucros, sim”, detalha. Situação essa similar com os valores advindos de aluguel de um imóvel recebido por doação.

Pacto antenupcial e escritura de união estável: prevenção de conflitos

Muito comuns em outros países, como nos Estados Unidos, os acordos matrimoniais têm se tornado mais frequentes também no Brasil. A utilização desse tipo de contrato muitas vezes é preterida pela preocupação do constrangimento da sua discussão no início da relação conjugal, mas a sua implementação proporciona uma ferramenta de planejamento que beneficia o futuro dessa mesma relação conjugal.

Com destaca Nereu Domingues, sócio-fundador da Domingues Sociedade de Advogados, um acordo antenupcial bem redigido pode proteger a vontade e o patrimônio individual de cada cônjuge, evitar longas disputas judiciais e garantir uma divisão de bens justa.

No caso de uma união estável, o documento correspondente ao pacto antenupcial seria a própria escritura ou contrato de formalização da relação, que pode prever direitos e obrigações similares ao previsto no pacto.

“Na área de direito de família e sucessões, se você não fala, a lei vai falar por você. Naturalmente, a lei nasce do bom senso, de uma necessidade comum, mas não tem como prever as situações específicas de cada casal, esse documento é muito importante nesse sentido, de oportunizar a fala do casal”, observa. 

O pacto antenupcial, elaborado antes do casamento, é necessário em qualquer regime escolhido diferente do automático, como na comunhão universal, na separação de bens e no pouco conhecido regime da comunhão final dos aquestos, mas também pode existir na comunhão parcial. “Nele, a deliberação conjunta do casal e a autonomia da vontade, respeitados os limites legais, devem prevalecer”, detalha Jorge Augusto. Ou seja, trata-se de uma ferramenta poderosa para evitar desentendimentos futuros. 

Em uma união estável, a opção pela eleição de outro regime, que não o da comunhão parcial, passa pela necessária elaboração de  uma escritura ou contrato indicando a escolha de outro regime.

O documento estabelece a gestão do patrimônio em caso de desfazimento da relação conjugal ou morte de um dos cônjuges, mas também pode trazer diretrizes no caso de incapacidade de um dos membros do casal. 

Nereu cita como exemplo o caso de uma união em que eventualmente um dos cônjuges não consiga administrar seu patrimônio em razão de alguma doença que gere incapacidade, mesmo que temporária. “Se não há uma previsão anterior, a lei diz que quem vai administrar os bens é, em primeiro lugar, o cônjuge, em segundo lugar os pais e, em terceiro lugar, os filhos. Enfim, ainda que a previsão da lei seja relativa e não absoluta, é possível verificar a existência de situações familiares em que nenhum desses indicados são recomendados para representar o incapaz, daí a importância do próprio dono do patrimônio já estabelecer previamente o seu desejo”, pontua.

Apesar de ser mais utilizado para fins patrimoniais, o pacto e a escritura ou contrato de união estável pode trazer também obrigações e direitos pessoais por meio de “cláusulas existenciais” que podem abranger inclusive aspectos comportamentais do casal. Um exemplo famoso é o que institui multa em caso de traição, mas pode se estender a detalhamentos com cuidados médicos numa situação de incapacidade.

Para assegurar uma maior efetividade do pacto antenupcial ou do instrumento que formalize a união estável, é recomendável que ele seja feito por meio de um instrumento público, não traga imposições inconstitucionais ou ilegais, e seja constantemente atualizado conforme a realidade do casal e os novos entendimentos da Justiça. 

“Se você está em outra relação, se surgiram outros deveres, se a situação patrimonial mudou sobremaneira, é importante a revisita desse documento. Essa atualização não deve ocorrer só por mudança de legislação, ou de novos posicionamentos jurisprudenciais, mas porque a sua vida mudou”, explica Nereu.

Mediação na dissolução conjugal: uma alternativa pacífica

A mediação é outra abordagem alternativa e eficaz para resolver conflitos na dissolução conjugal. É um método que pode ser procurado após a decisão pela separação, mas que também pode ser pactuado já no acordo antenupcial ou instrumento de formalização da união estável como primeiro passo a ser dado pelo ex-casal na busca por um acordo que satisfaça as partes. 

Com a ajuda de um mediador experiente, os cônjuges ou companheiros podem negociar diretamente, de maneira aberta e construtiva. A mediação promove um ambiente de diálogo, em que ambos os lados têm a oportunidade de expressar suas preocupações e chegar a um acordo de separação mutuamente aceitável. Isso não só acelera o processo, como também reduz os custos e o desgaste emocional.

“Trata-se da participação de um terceiro que tem conhecimento da lei, que vai estudar bem o caso, que vai entender qual é a vontade de um e de outro e, a partir disso, vai tentar mediar as vontades e trazer isso para um meio-termo. É importante saber que haverá ganhos, mas também algum tipo de renúncia”, explica Jorge Augusto sobre o procedimento.

“No Judiciário é difícil encontrar uma solução em que os dois ganhem, nesse sentido, a mediação pode ser muito mais acolhedora, especialmente porque o propósito do mediador é orientar as partes para que elas mesmas construam a solução do impasse”, completa Nereu.

Ambos os profissionais apontam ser importante que o mediador consiga se colocar no mesmo nível das partes, que tenha empatia diante da situação, para gerar confiança de todos em torno do acordo que será pactuado.

A mediação pode ocorrer fora do Judiciário, no próprio escritório de advocacia, gerando um divórcio ou dissolução de união estável consensual, que pode ser lavrado diretamente em Tabelionatos mediante escritura pública. Desde 2007, quando essa possibilidade foi expressa em lei, já ocorreram mais de 1 milhão de atos dessa natureza no Brasil, gerando, além de economia processual, rapidez e menos desgaste na solução de conflitos.

Mas, se o divórcio ou dissolução da união estável já nasceu com um processo judicial, a mediação também pode ser uma solução a qualquer momento da ação, levando a um acordo que encerra a discussão. Aliás, o Código de Processo Civil (CPC) que entrou em vigor em março de 2016 tornou obrigatória a realização de audiência de conciliação e mediação logo no início do processo.

Esse tipo de solução alternativa de controvérsias vêm sendo muito incentivada pela lei e pelo Judiciário, como aponta Nereu. “A Justiça está assoberbada com um volume de processos enorme e, por melhor que seja o esforço, não consegue atingir a mesma velocidade de uma mediação”, aponta.

Em qualquer dos casos, é obrigatório o acompanhamento de um advogado da área de família, que inclusive pode atuar para ambas as partes. “É uma pessoa que vai assegurar que os teus direitos estão sendo cumpridos, que você não está sendo lesado em algum direito aos que teria como legítimos para reclamar”, diz Jorge Augusto.

O profissional destaca como principal ganho da mediação a participação dos envolvidos na construção do acordo. “Quando você leva a decisão para um juiz, é lógico que há um histórico de leis e jurisprudência, mas você não está tendo uma participação direta no resultado do divórcio, e pode ser surpreendido com uma decisão que contraria 100% daquilo que você acredita como correto. A frustração é muito grande e esse sentimento magoará a pessoa por anos e pode até atrapalhar na continuidade de uma relação minimamente amistosa do casal”, avalia.

A satisfação gerada pela participação direta do ex-casal na construção da mediação também faz com que o cumprimento das obrigações firmadas seja mais ágil, eficaz e dificilmente questionado na Justiça. Deve-se considerar que, na maior parte das vezes, um divórcio inclui, além da partilha, outras questões, como alimentos e guarda de filhos.