A governança familiar envolve a criação de regras e estruturas que regulam a relação dos entes com seu patrimônio| Foto: Shutterstock
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A preservação e o crescimento do patrimônio ao longo das gerações é um desafio significativo para muitas famílias empresárias. Segundo o IBGE, do total de empresas do Brasil, 90% são familiares, respondendo por 75% da força de trabalho e 40% do PIB do Brasil. Ou seja, são maioria e trazem bons números tanto para o grupo envolvido quanto para a geração de empregos e riquezas do país. 

Ao mesmo tempo, os dados são preocupantes quando se fala na continuidade saudável dos negócios: 60% dessas empresas fecham as portas nos cinco primeiros anos e 70% não conseguem manter as atividades após a morte do seu fundador.

Entre os negócios que sobrevivem até a segunda geração, muitos possuem governança familiar e corporativa bem estruturadas que, aliadas ao planejamento patrimonial e sucessório, desempenham um papel vital na administração de bens, continuidade familiar e gestão de patrimônio.

A governança familiar envolve a criação de regras e estruturas que regulam a relação dos entes com seu patrimônio. “O seu princípio é a  preservação do patrimônio afetivo e material da família, característica essencial para que os bens construídos por uma geração não se acabem na próxima”, resume o advogado e conselheiro de famílias Nereu Domingues, sócio fundador da DMGSA - Domingues Sociedade de Advogados.  

“Ouvi uma frase em uma série de TV que diz que ‘a melhor forma de um homem alcançar a eternidade é construir um patrimônio que vá além da geração dele’, e ela explica bem o que se pretende com a governança familiar”, diz ainda o Nereu. 

Entre outros, ele aponta como benefícios da governança familiar, a transparência e prestação de contas da gestão, a continuidade e sustentabilidade do patrimônio, a redução de conflitos e a proteção de ativos.

Aspectos

A governança familiar diferencia-se da corporativa ao focar na manutenção dos valores familiares e na necessária transparência da administração dos bens, como aponta o advogado Jorge Augusto Nascimento, também sócio da DMGSA.

Esse plano inclui, por exemplo, a criação de um protocolo familiar, que traz os valores fundamentais da família e a necessária observância desses valores na relação da família com o seu patrimônio. Estabelece desde regras básicas para a boa convivência familiar, seja familiar ou patrimonial, tais como a orientação para uma comunicação assertiva entre os membros da família, regramento acerca do uso do patrimônio comum, orientação sobre o regime de bens a ser adotado numa união, respeito aos profissionais das empresas até o regramento de como se dará à governança corporativa e/ou representação dos membros da família nos órgãos de gestão das empresas.

Esse protocolo também tem o papel de fornecer um contato com o histórico da família, para que a próxima geração tenha ciência do início de tudo e dos valores que fazem parte da estruturação daquele negócio. 

“Têm coisas muito ligadas à cultura. A família de origem japonesa, por exemplo, tem uma cultura na eleição de sucessores. Já os árabes possuem outra. Essas características podem constar no protocolo familiar para manter essa cultura da família viva de alguma maneira”, detalha Jorge Augusto.

Estruturação patrimonial

Os especialistas destacam que, do ponto de vista financeiro, um aspecto relevante da incorporação da governança familiar é a clareza sobre a utilização dos ativos da empresa pelos seus membros, mesmo que alguns deles não estejam diretamente envolvidos na sua gestão. 

“Em resumo, ‘a governança é uma forma de aquele que tem muito se dê bem com aquele que tem pouco e aquele que tem pouco se dê bem com aquele que tem muito’. Palavras do meu filho Matheus, então com 12 anos de idade, quando me ouviu falando de governança.  Em outras palavras, independentemente de um familiar ter mais percentual do que outro, de um familiar ter mais informação do que outro, ou de um familiar estar mais envolvido na empresa do que outro, uma boa governança fará com que todos se sintam igualmente partícipes e respeitados na gestão do patrimônio comum”, aponta Nereu Domingues.

Justamente por envolverem particularidades e vontades diversas, ao montar um plano de governança, é preciso conhecer a fundo os anseios dos membros da família, por meio de reuniões separadas, em que cada um possa externar suas pretensões, mantendo, ao mesmo tempo, uma relação saudável com os demais.

“As famílias, por vezes, também nos ajudam na construção de soluções. Então, cada vez que eu aprendo uma solução, vejo o que posso usar em outra, vou repetir essa experiência se ela for bem sucedida”, aponta Jorge. 

Junção de ferramentas

Para a redução mais efetiva dos conflitos, a governança familiar não é um plano que deve existir sozinho, mas vir acompanhado de uma boa governança corporativa envolvendo a empresa, e planejamento patrimonial e sucessório no que tange a família, explica Jorge Augusto.

Na formação de uma governança corporativa, há diversos instrumentos jurídicos disponíveis, um dos principais, como aponta o especialista, é a criação de um Conselho de Administração. “É um grupo de pessoas que vai aproximar os sócios dos diretores, grupos que têm muitas vezes interesses antagônicos. Essa ferramenta se coloca nesse meio para equalizar essas pretensões, eliminando o conflito de agência”, detalha.

Já os planejamentos patrimonial e sucessório são essenciais para maximizar os benefícios financeiros e minimizar custos póstumos, como com impostos e inventário, no contexto desses planejamentos, a discussão e a implementação de regras de governança familiar estão muito presentes. Além disso, pode reduzir potenciais conflitos familiares ao estabelecer regras para a transição empresarial. 

Nereu Domingues aponta que é essencial na construção de todos esses planos o envolvimento ativo de todos os membros familiares e a prevalência da transparência na relação desenvolvida. “Esse conjunto de práticas é fundamental para que ao final todas as partes se deem bem, se sintam endereçadas, prestigiadas. Muitas famílias se desentendem por questões básicas, pela falta de transparência e de dividir a responsabilidade na tomada de decisões”, avalia.