O contrato de namoro se tornou polêmico com casos famosos que instituíram obrigações pessoais à união| Foto: Shutterstock
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A evolução da sociedade tem provocado transformações, entre outros aspectos, também nas relações familiares. Novas composições e constituições de famílias refletem a diversidade e a complexidade dos arranjos afetivos contemporâneos, fazendo com que os tradicionais casamentos não sejam também o caminho mais procurado para formalizar esse tipo de relação.

A união estável aparece, nessa via, como solução menos burocrática e cada vez mais buscada. Foi esse o tipo de união reconhecida, por exemplo, entre um homem e duas mulheres, que vivem como um trisal em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. A partir da união, reconhecida judicialmente em agosto do ano passado, eles puderam registrar também o filho com o nome de duas mães e um pai.

Para além de casos mais complexos como este, que exigiu intervenção judicial, a procura espontânea por uniões estáveis tem crescido exponencialmente. No Brasil, segundo relatório do governo federal, o número absoluto de casamentos tem diminuído, com queda de 10% entre 2016 e 2019. Em direção contrária, as uniões estáveis registradas aumentaram 464% em 15 anos, entre 2006 e 2019.

Já conforme levantamento feito pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB), entre janeiro e setembro de 2021, foram mais de 101 mil formalizações de uniões estáveis. O crescimento nesse período de pandemia foi considerável se comparado ao mesmo período de 2020, quando foram registradas 89 mil uniões. 

Os números tendem a ser ainda maiores a partir de uma mudança legislativa de 2022. Esse tipo de contrato deixou de ser exclusivamente formalizado no Cartório de Notas, por meio de escritura pública, e passou a ser realizado também no Cartório de Registro Civil, com um procedimento simplificado, o Termo Declaratório de Reconhecimento de União Estável.

Para o advogado Jorge Augusto Nascimento, sócio da DMGSA - Domingues Sociedade de Advogados, duas grandes vantagens têm tornado esse tipo de contrato cada vez mais comum: acessibilidade, por envolver menos custos, e praticidade, tanto para constituir ou desfazer a união, já que ambas podem ser feitas extrajudicialmente. 

“O casamento tem um rito próprio que deve ser seguido, com uma publicação prévia, verificação de impedimentos, e a formalização perante testemunhas e juiz de paz, tornando a união estável muito mais fácil de constituir”, resume. 

Direitos patrimoniais

Aos olhos da Constituição, tanto o casamento quanto a união estável, são consideradas entidades familiares, mas, no primeiro caso, o vínculo muda o estado civil das partes, enquanto a união formaliza algo que já existe na prática. Os direitos garantidos, em geral, são os mesmos, como acesso à herança e vínculo de dependência ao plano de saúde do companheiro, por exemplo.

A formalização também pode ser procurada judicialmente diante de uma separação ou mesmo para acessar direitos a partir da morte ou incapacidade do parceiro. O reconhecimento depende essencialmente de provas, como testemunhas, fotos e documentos que demonstrem como a sociedade via aquele relacionamento. 

“Aqui a gente tem um campo extremamente subjetivo. Basicamente, a lei diz numa frase que o casal tem o ânimo de constituir família. Mas, o problema é que dessa subjetividade surge a dúvida, o que às vezes está presente na cabeça de um, mas pode não estar na cabeça do outro”, aponta o advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, Nereu Domingues, sócio da DMGSA - Domingues Sociedade de Advogados.

Apesar de diferentes, em termos patrimoniais, a união estável equivale ao casamento, em que é possível até escolher o regime de bens previamente. Já no caso de a relação já existir de fato, mas não no papel, o reconhecimento dela levará à instituição do regime da comunhão parcial de bens, que também é automático no casamento quando não há outro escolhido pelas partes.

“Há a oportunidade de estabelecer previsões de regimes em qualquer caso, mas, quando você não fala formalmente, a lei fala por você”, alerta Nereu Domingues.

Contrato de namoro

Apesar de ainda pouco convencionais, os especialistas apontam que a proteção de patrimônio numa relação pode demandar um tipo de contrato que diga justamente o contrário da união estável, ou seja, que a união não tem pretensão familiar.

Trata-se do contrato de namoro, modalidade prevista desde 2013 e que, em dez anos, somou 482 registros em todo o Brasil, sendo que o número de contratos não registrados deve ser muito superior, considerando-se aqueles que devem ser formalizados por instrumento particular. O objetivo geral é minimizar ou até eliminar futuros problemas burocráticos com o fim do relacionamento.

O contrato de namoro se tornou polêmico com casos famosos que instituíram obrigações pessoais à união, a exemplo do documento firmado pelo jogador de futebol Endrick com a influencer Gabriely Miranda. 

Eles instituíram uma relação baseada no “respeito, compreensão e carinho”, com a obrigação de dizer “eu te amo”, e proibiram certas palavras no diálogo do casal e qualquer tipo de vício ou mudança drástica de comportamento.

Mas, como detalha Jorge Augusto, em regra, as cláusulas visam a proteção patrimonial. “Além de declarar que a relação não tem intuito de constituir família, esse contrato pode  instituir que se, por qualquer motivo, for entendida que a união ultrapassa uma relação de namoro, o casal já deixa previamente estabelecido o regime de bens, como o da separação convencional de bens, por exemplo”, aponta.

O advogado explica que, diferente do casamento ou da união estável, em que o vínculo patrimonial é evidente, o contrato de namoro ajuda a afastar essa condição. “No contrato de namoro é registrado que o casal ainda não tem consolidada a vontade de construir família, logo, essa união não tem qualquer efeito patrimonial”, resume.

Essa regra pode ser inclusive detalhada no contrato, como conta Nereu Domingues. “Se há um plano de um dia se casarem, eles compram um apartamento juntos, e cada um contribuiu com as prestações. O documento pode trazer que, ainda que eles adquiriram bens em conjunto, não caracteriza uma união estável e que, no eventual rompimento do namoro, cada um ficará com a proporção que contribuiu”, resume.

Muitas outras cláusulas podem ser firmadas para além das patrimoniais, como detalhamentos em caso de término, por exemplo, como regras para devolução de pertences, compartilhamento de senhas de plataformas de streaming, e até guarda de animais de estimação dos namorados.