O Brasil passou por grandes escândalos de corrupção nas últimas décadas, que tiveram uma influência significativa não apenas na política nacional, mas também na economia, em especial no setor privado. Grandes empresas acusadas de desvios tiveram crises de reputação e passaram por abalos financeiros enquanto lidavam com denúncias. Com isso, a necessidade de programas de integridade para prevenção de casos de corrupção e improbidade administrativa ganhou ainda mais destaque no mundo corporativo.
Mas engana-se quem pensa que apenas grandes empresas podem se ver envoltas em acusações de improbidade administrativa, por exemplo. Esses atos ilegais possuem manifestações tanto na esfera criminal quanto na cível e administrativa.
“O fato é que a improbidade administrativa é uma das manifestações do fenômeno geral da corrupção, que está presente em maior ou menor intensidade, conforme a sua experiência histórica endêmica e enraizamento em determinada sociedade”, avalia Gerald Koppe, advogado sócio do Peregrino Neto Advogados e coordenador do departamento de direito público, focado em improbidade administrativa e direito administrativo sancionador.
O ato de improbidade administrativa é aquele ato ilegal, praticado por agente público, representado por uma conduta inadequada ou imprópria, que tem a vontade específica e maliciosa, ou desonesta, de se enriquecer ilicitamente, de causar prejuízo ao erário ou de violar os princípios da administração pública.
“Contudo, nem sempre a improbidade administrativa se restringe ao setor público. A improbidade também se materializa com a participação do setor privado, constituindo um elemento bastante relevante nesta equação”, explica Koppe. “Os critérios para se avaliar a responsabilidade do agente privado podem se referir à presença de recursos públicos na sua formação ou a aplicação em seu benefício ou a análise de sua conduta, caso tenha induzido ou concorrido dolosamente para a prática do ato de improbidade”, completa.
Gestão de riscos: importância da integridade, da auditoria e de medidas corretivas
Segundo o especialista, há diversos modelos para tratamento de possíveis casos de improbidade administrativa por parte das empresas. No primeiro modelo, que deve ser afastado, a corrupção é ativamente incorporada pela organização como meio para a realização de suas transações empresariais, aplicando os seus recursos para viabilizar as negociações ilícitas, com pagamento e percepção de vantagens indevidas ou o exercício de tráfico de influência.
Um segundo modelo, segundo Koppe, igualmente não recomendado, é aquele em que, embora se tenha a intenção e percepção de cumprimento da lei, por omissão, a empresa possui certa leniência e conivência com a existência da corrupção no ambiente de negócios, deixando ao poder público a responsabilidade pela repressão.
“Apesar da existência desses dois modelos precários e diante da percepção mundial em torno da importância do tema da corrupção, da improbidade administrativa e da possibilidade de sua responsabilização direta, as empresas privadas constataram que a adoção de políticas internas e de programas de integridade para o seu combate, revelou-se postura essencial para a gestão dos riscos empresariais e para a sua própria sobrevivência”, diz o advogado.
A partir da percepção de que a corrupção traz mais riscos e prejuízos do que vantagens para as empresas, surge um terceiro modelo para que as organizações lidam com casos que podem ser classificados como improbidade administrativa.
“Por este modelo, há a instituição de uma efetiva política de enfrentamento ativo da corrupção, incluída a improbidade administrativa, com implantação de controles internos, programas de integridade e de auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e tratamento disciplinar”, explica Koppe.
A própria Lei Anticorrupção estabelece parâmetros e medidas que as empresas devem adotar para a implantação de um efetivo programa de integridade, tendo por finalidade prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública. Esse conjunto de medidas também servem para eventual redução de sanções pelo cometimento de atos corruptos. Por sua vez, a Lei de Improbidade Administrativa reconhece a adoção destas medidas para a prevenção destes atos e podem estar contempladas para celebração de acordos em benefício das empresas.
Entre essas medidas estão a implantação de padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade para sócios, administradores, colaboradores e terceiros com quem a empresa mantém relações empresariais, por exemplo.
Também é importante que as empresas contem com mecanismos para assegurar a manutenção de controles internos, demonstrações financeiras e registros contábeis que refletem a realidade da organização, além de procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios e contratos administrativos ou em qualquer interação com o poder público.
A criação de canais de denúncia de irregularidades, a existência de órgão interno independente para aplicação de medidas disciplinares previstas e fiscalização do cumprimento também são medidas importantes para evitar acusações futuras de improbidade administrativa.
Atuação em conformidade legal é o melhor remédio
A ação de improbidade administrativa pode adotar um viés extremamente repressivo em relação às empresas privadas, a depender do caso analisado. Por isso, a prevenção desses casos é sempre mais recomendada, segundo Koppe.
“A corrupção e especificamente a improbidade administrativa nas empresas privadas tem por consequência a geração de um custo elevado e nocivo para a própria atividade econômica”, diz o advogado. “Há um ônus adicional sobre as transações empresariais, impactos nos preços finais dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores, a geração de distorções no mercado, incremento na tributação para fazer frente aos recursos que faltam, o afastamento de novos empreendimentos e a redução do emprego”, completa o especialista.
No aspecto legal, a lei estabelece uma série de impactos que podem ocorrer durante o trâmite da ação e de sanções que podem ser aplicadas após proferido um julgamento final. Um desses impactos é a decretação de indisponibilidade dos bens da empresa e, eventualmente, dos sócios ou administradores, durante o curso do processo.
Como sanções resultantes da eventual condenação da empresa por ato de improbidade administrativa, há o ressarcimento integral do dano ao erário, além de outras consequências, como a perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, o pagamento de multa civil equivalente ao acréscimo patrimonial, ou ao valor do dano ou de até 24 vezes a remuneração do agente, podendo ser aplicado em dobro e a proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais, ou creditícios por até 14, 12 ou 4 anos, com inscrição no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS).
“Essas ações podem causar significativos prejuízos financeiros e econômicos às empresas, das quais possivelmente não poderão se recuperar. Esses prejuízos, ao lado dos impactos à sua imagem e reputação, podem até mesmo provocar o próprio encerramento de seus negócios”, explica Koppe. Por outro lado, a decisão condenatória de empresa, deverá considerar os efeitos econômicos e sociais das penalidades, de modo a viabilizar a manutenção das suas atividades.
Como se defender de acusações de improbidade administrativa
Em caso de denúncia por improbidade administrativa, é essencial que a empresa tenha à disposição uma equipe preparada para lidar com o caso. “A contratação de uma defesa jurídica técnica especializada é essencial, considerando a complexidade dos aspectos processuais e de méritos intrínsecos a qualquer acusação de ato de improbidade”, diz Koppe.
A defesa jurídica deve ser realizada tanto nas ações já ajuizadas quanto nas investigações prévias ou inquéritos civis, instaurados pelo Ministério Público e que precedem estas ações judiciais.
Segundo o advogado, muitas vezes é necessária a contratação de especialistas, técnicos em outras áreas do conhecimento, como contábil, econômico, de engenharia, médico, a depender do caso concreto.
“Enfim, o ponto principal nestas ações, é a demonstração da efetiva legalidade dos atos ímprobos imputados à empresa, comprovando, por exemplo, a inexistência de prejuízo ao erário, de enriquecimento ilícito ou de violação aos princípios da administração pública, assim como a ausência de dolo, a fim de buscar a absolvição ou a redução significativa das sanções aplicadas”, explica o advogado.
“Outros pontos a serem analisados podem ser ainda a existência de prescrição, a suficiência e validade das provas utilizadas e a demonstração de que não houve benefício ou vantagem indevida”, completa Koppe.
Outra estratégia de defesa, segundo o advogado, é a celebração de acordos de não persecução civil (ANPC), previstos na Lei de Improbidade Administrativa. “Conforme o caso, pode ser uma solução mais benéfica à empresa, se comparada à continuidade do trâmite da ação, com os riscos da condenação”, garante o especialista.