O resgate do vínculo entre os estudantes e as instituições de ensino será um dos principais desafios da educação no ano que vem. A migração para o ensino remoto em 2020, em função da pandemia de Covid-19, representou um grande desafio na formatação do conteúdo para toda a comunidade acadêmica. Professores e estudantes do ensino fundamental e médio precisaram se adaptar às pressas a essa nova configuração para manter vivo o vínculo entre as instituições de ensino e as famílias.
Resgate das relações sociais proporcionadas pela escola é uma das prioridades para a família de Flávia.| Foto: Arquivo pessoal

O resgate do vínculo entre os estudantes e as instituições de ensino será um dos principais desafios da educação no ano que vem. A migração para o ensino remoto em 2020, em função da pandemia de Covid-19, representou um grande desafio na formatação do conteúdo para toda a comunidade acadêmica. Professores e estudantes do ensino fundamental e médio precisaram se adaptar às pressas a essa nova configuração para manter vivo o vínculo entre as instituições de ensino e as famílias.

O distanciamento social comprometeu o conteúdo programado pelas escolas e prejudicou os relacionamentos.
O distanciamento social comprometeu o conteúdo programado pelas escolas e prejudicou os relacionamentos.| Pixabay

Porém, em alguns casos a pandemia resultou num afastamento da escola. Um mapeamento da Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED) apontou uma evasão de cerca de 58 mil alunos em todo o Paraná, tanto na rede pública quanto particular. Para 2021, além de resgatar esses estudantes, o foco do trabalho das escolas, órgãos governamentais e entidades da área da educação será na recuperação de possíveis déficits de aprendizado. Existem grandes chances de ocorrer uma espécie de “supletivo”, com os conteúdos de 2020 distribuídos no currículo do próximo ano.

NOVAS REGRAS

As diretrizes para o ano letivo que está por vir ainda não são claras, mas há um esforço conjunto das instituições para estabelecer linhas gerais de ensino ainda em 2020. No começo de outubro, o Conselho Nacional da Educação (CNE) aprovou um conjunto de orientações, que segue aguardando a aprovação do Ministério da Educação (MEC).

Entre os principais pontos da proposta do CNE está a manutenção do regime remoto até dezembro de 2021. Essa diretriz atinge todas as etapas de ensino, desde a educação básica até o ensino superior. A medida, se aprovada, permite que as escolas optem por manter as aulas online por mais um ano. Além disso, o Conselho propôs unir os anos letivos de 2020 e 2021 para integrar todos os conteúdos previstos. Para o 3.º ano do ensino médio a ideia é criar um ano complementar para reforçar o conteúdo das matérias.

Quer encontrar a escola certa para o seu filho. Veja todas as opções no Guia de Matrículas da Gazeta do Povo.

Em nota, a assessoria de comunicação do MEC esclareceu que as redes estaduais e municipais têm autonomia administrativa e didático-pedagógica. Sendo assim, cada rede deverá decidir tanto sobre o retorno às atividades presenciais, bem como com relação à reposição de conteúdo.

No Paraná, de acordo com a SEED, o prejuízo pedagógico de aprendizagem será caracterizado em casos em que os alunos tiveram algum tipo de dificuldade em acessar as ferramentas e plataformas. A Secretaria esclarece ainda que os estudantes que apresentarem qualquer tipo de dificuldade deverão ser atendidos pelas instituições de ensino, que devem suprir possíveis carências.

DESAFIOS

A adaptação ao formato online foi, sem dúvida, um dos grandes desafios da educação em 2020. A assessora pedagógica do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Paraná (SINEPE/PR), Fátima Hollanda, ressalta que as escolas precisaram se reinventar do dia para a noite. “Nesse período todos foram amadurecendo conforme as demandas e dificuldades”, pontua a especialista em gerenciamento educacional.

Fátima Hollanda salienta que desde o início os gestores e professores das escolas se mobilizaram para atender aos estudantes. “As instituições de ensino passaram por um processo de se reinventar e buscar uma parceria maior com as famílias para que essa nova forma de ensinar se deslocasse até a casa dos alunos”, afirma.

A definição de ferramentas tecnológicas para auxiliar nesse processo foi decisiva para que as instituições e os docentes pudessem readaptar à grade prevista para o ano letivo. O professor de matemática Ricardo Lopes conta que com a utilização desses recursos também foi necessário adaptar a forma como aquelas informações seriam transmitidas para os alunos.

“Tínhamos a preocupação de como os alunos teriam acesso ao conteúdo, já que nem todos têm acesso aos dispositivos, mesmo nos colégios particulares”, destaca. De acordo com Lopes, a dinâmica do online, apesar de atender bem o momento e permitir a manutenção do plano de ensino previsto inicialmente, conta com fatores que fogem do controle dos profissionais. Entre eles estão as dificuldades tecnológicas, como falhas na rede de internet e a falta de dispositivos nos lares dos alunos. Segundo uma pesquisa da Mind Lab com professores de redes públicas e privadas das regiões Sudeste e Sul, a falta de acesso às plataformas digitais foi apontada como um problema por 10% dos professores.

DISTANCIAMENTO

O resgate do vínculo entre os estudantes e as instituições de ensino será um dos principais desafios da educação no ano que vem. A migração para o ensino remoto em 2020, em função da pandemia de Covid-19, representou um grande desafio na formatação do conteúdo para toda a comunidade acadêmica. Professores e estudantes do ensino fundamental e médio precisaram se adaptar às pressas a essa nova configuração para manter vivo o vínculo entre as instituições de ensino e as famílias.
Resgate das relações sociais proporcionadas pela escola é uma das prioridades para a família de Flávia.| Arquivo pessoal

Com a distância, outro ponto afetado é o acompanhamento do desenvolvimento dos alunos, que só poderá ser mensurado com precisão no próximo ano. Flávia Hengenberg, 33 anos, mãe de Julia, 6 anos, Gustavo, 4, e Lara, 3, relata que estava mais preocupada com a adesão da filha mais velha ao ensino remoto, por já estar na fase de alfabetização. A apreensão da mãe, que também é educadora em uma rede de privada de colégios, era de que houvesse um déficit na compreensão do conteúdo nessa etapa essencial.

Segundo ela, com o tempo a filha foi se adaptando e houve um esforço conjunto da escola, professores e família para que o desempenho da criança fosse otimizado. “Cada criança tem um tempo e estamos respeitando isso, principalmente pela forma como as coisas estão. Se algo ficar para trás, ano que vem teremos a oportunidade de retomar”, pontua.

CONTEÚDOS

De acordo com a SEED, em 2021 as matérias essenciais – aquelas responsáveis pela continuidade na vida escolar –, serão intercaladas com os conteúdos do currículo deste ano. Para a Secretaria, essa deve ser a saída para garantir a aprendizagem dos estudantes.

Avaliações diagnósticas devem ser realizadas pelas instituições para analisar o nível de aproveitamento dos alunos e a absorção do conteúdo. Cada estudante deve ser avaliado individualmente, de acordo com Fátima Hollanda

Segundo ela, a educação inclusiva, pensando na necessidade de cada um, é uma tendência e a própria avaliação diagnóstica vai direcionar para um plano personalizado.

O professor Ricardo Lopes ressalta que será possível o resgatar o conteúdo, mas reitera que isso deve ser feito em um plano de um ou dois anos.

RELAÇÕES INTERPESSOAIS

Pensando no ambiente escolar, os conhecimentos disciplinares não foram a única perda desse ano. A pesquisa da Mind Lab mostrou que 31% dos professores acreditam que o maior desafio ao retornarem às salas de aula será lidar com as emoções, tanto pessoais como dos alunos. “No retorno à escola é muito importante promover ações de integração em que todos possam compartilhar experiências tornando possível o estabelecimento dessa reconexão à vida escolar a partir das situações vividas”, afirma Thiago Zola, gerente de projetos pedagógicos da Mind Lab.

A psicóloga Bárbara Snizek Ferraz de Campos, mestre em Antropologia Social, destaca a importância da convivência no ambiente escolar com crianças ou adolescentes da mesma idade. Ela explica que essa relação é livre de hierarquias, o que permite uma troca de “igual para igual”. “Esse contato é fundamental para que a criança aprenda a ser ela mesma, longe dos olhares dos familiares”, analisa. Outro ponto que a especialista destaca é o paradoxo causado pela pandemia, em que as crianças estão sempre cercadas de adultos, mas privadas do convívio com outras crianças.

E a perda do senso de socialização é uma das principais preocupações de Flávia com os três filhos. “A escola é um pequeno mundo onde eles aprendem uns com os outros e com situações que serão aplicadas na vida. Tudo isso dá ferramentas para que eles vivam outras etapas”, reforça.