O executivo Fabio Aquino Vieira, de 46 anos, é um gestor profissional. O trabalho dele envolve, entre outras coisas, enxergar possíveis complicações que a empresa pode enfrentar no futuro para agir no presente e evitar que elas ocorram. Quando os problemas surgem - alguns são inevitáveis -, a missão é avaliar todo o quadro para descobrir o que deu errado e resolver a situação sem causar maiores danos. Algo muito parecido faz o médico Carlos Sperandio Júnior, geriatra de Vieira.
Sim, o executivo de 46 anos já se consulta com um geriatra, e faz isso há mais de uma década. Aos 35 Vieira procurou pela primeira vez um especialista em envelhecimento. Desde então, as consultas passaram a ser anuais. "Sempre fiz gestão de tudo na minha vida. Aos 35, percebi que estava faltando fazer a gestão da minha saúde. Procurar um geriatra foi a solução que encontrei para isso", conta Vieira, que já conseguiu convencer outros seis amigos a seguirem o mesmo caminho que ele.
"Eu recomendo para todos. Sempre digo que o geriatra é um profissional análogo ao pediatra. Ele te olha como um todo e tem uma visão de médio e longo prazo. Quando faz um tratamento, pensa no futuro, para que o paciente chegue com qualidade de vida lá na frente."
A "qualidade de vida lá na frente" a que se refere Vieira é justamente o objetivo da geriatria. Como explica o dr. Carlos Sperandio Júnior, que atua no Hospital Santa Cruz, o geriatra é especialista em envelhecimento, não só em idosos.
"O paciente encontra no geriatra uma orientação de como envelhecer melhor", diz.
Mas em que consiste envelhecer melhor? De acordo com dr. Sperandio, é manter pelo máximo de anos a capacidade funcional do paciente. Isso significa manter a autonomia, que é a capacidade de ter um raciocínio claro, e a independência, força muscular e equilíbrio para realizar atividades cotidianas.
Dentro dessa busca por maximizar os anos de autonomia de cada pessoa, a geriatria trabalha com um conceito chamado de "compressão da morbidade". O termo complicado é a diretriz da geriatria e consiste em jogar as doenças mais graves e limitantes o máximo possível para o fim das nossas vidas. "O problema não é ficar velho, mas ficar velho e doente. Isso ninguém quer e é nisso que a geriatria atua", afirma.
Pesquisa divulgada pelo IBGE em 1º de dezembro mostra que a expectativa de vida dos indivíduos que chegam hoje aos 65 anos no Brasil é de 18,5 anos. Passar bem por quase essas duas décadas e vida, e quem sabe a ampliar por mais algum tempo, é um trabalho que começa ainda na juventude.
Porém, não pense que nosso corpo só sente os efeitos do envelhecimento lá pelos 60 anos. Pesquisa realizada pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e publicada em 2015 pela revista científica Pnas, mostra que por volta dos 20 anos já é possível detectar sinais de envelhecimento em nosso corpo.
Os pesquisadores analisaram durante 12 anos os dados de 954 pessoas nascidas na Nova Zelândia entre 1972 e 1973. Para calcular a idade biológica de cada paciente, foram avaliados 18 aspectos diferentes - como, por exemplo, o condicionamento físico, a função renal e hepática e o comprimento de estruturas do cromossomo que tendem a ficar mais curtas a medida que envelhecemos.
Ao fim, o que se constatou foi que para algumas pessoas a idade biológica era muito superior a cronológica. Na maioria desses casos, sinais de envelhecimento já eram evidentes aos 26 anos, quando o grupo foi avaliado pela primeira vez.
A combinação genética e estilo de vida explica por que algumas pessoas envelhecem mais rápido do que outras. Se ainda não é possível mudar a genética, o estilo de vida é maleável. E é justamente neste ponto que a atuação do geriatra, mesmo quando ainda se é um adulto jovem, passa a ser importante.
"A geriatria tem o conceito que é a avaliação geriátrica ampla. Avaliamos toda a capacidade funcional do paciente, as dificuldades que ele enfrenta hoje e não tinha antes. Depois dessa avaliação, determinamos o que o paciente deve fazer. As pessoas acabam postergando os hábitos saudáveis, mas a conta chega."
Com o envelhecimento, a conta de anos de descuido com a saúde chega, normalmente, em forma de doença crônica não transmissível. Nesse grupo estão alguns dos grandes males do nosso tempo: diabete e doenças cardiovasculares. São doenças que possivelmente vão levar o paciente a morte. Mas, antes disso, ele passará por anos de limitações e complicações.
Câncer também assusta na velhice
A conta dos maus hábitos na juventude também pode vir em forma de câncer. Fumo, poluição, uso abusivo de bebida alcoólica, sedentarismo e obesidade são fatores de risco que, somados a idade, só fazem aumentar a chances de o paciente desenvolver um tumor maligno.
Estudo do ano passado realizado pelo Observatório de Oncologia indica que em 2029 o câncer, e não mais as doenças cardiovasculares, passará a ser a principal causa de morte no Brasil. Entre os fatores que devem levar a essa mudança está justamente o envelhecimento da população.
A projeção do IBGE é de que em 2030, 13% da população brasileira tenha 65 anos ou mais. Atualmente, esse grupo etário corresponde a 8% da população. Com mais gente exposta por mais tempo a fatores de risco, a tendência é que haja mais mutações celulares e os casos de câncer aumentem. A explicação é da médica Ana Maria de Oliveira Santos, coordenadora da Oncologia do Hospital Santa Cruz.
Segundo ela, entre a população idosa, os cânceres de próstata, mama, pulmão, pele e os linfomas são os que mais preocupam. No Hospital Santa Cruz, de acordo com Ana Maria, cerca de 40% dos pacientes em tratamento oncológico são idosos.
Para esses pacientes, nem sempre os tratamentos tradicionais - cirurgia para retirada do tumor, quimioterapia e radioterapia - são os mais indicados. "Os idosos, normalmente, têm outras doenças que, algumas vezes, são mais graves que próprio câncer. Então, temos que avaliar qual será o melhor tratamento que iremos aplicar para cada caso, com a intenção de preservar a qualidade de vida do paciente", diz Ana Maria.
Nessa busca por "qualidade de vida" - olha ela aqui outra vez -, o Hospital Santa Cruz também implementou um programa que torna ainda mais humano o atendimento do paciente oncológico. Entre outras medidas, todos que passam por tratamentos longos na oncologia recebem um crachá de identificação. Assim, não precisam passar pelo constante processo de identificação. Um ato simbólico, mas de grande significado, acontece na alta dos pacientes: quem se cura, independentemente da idade, toca um sino para celebrar a alta.
Atenção para a medicação
Além de doenças crônicas e infecções, a intoxicação medicamentosa também é motivo de internamentos de idosos e pode levar a morte. "O idoso tem um metabolismo diferente do adulto jovem. Então, um medicamento comum para um adulto jovem, mas usado sem a orientação correta, pode ser fatal para um idoso", alerta Carlos Sperandio Júnior, que também é coordenador do Pronto Socorro do Hospital Santa Cruz.
Uma diferença metabólica importante entre idosos e adultos jovens é o funcionamento dos rins e fígado. Esses dois órgãos são responsáveis por metabolizar os medicamentos no organismo. Nos idosos, eles têm o funcionamento mais lento, o que compromete a eliminação das substâncias existentes nos medicamentos e aumenta a chance de uma intoxicação medicamentosa.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas da FioCruz (Sinitox), em 2015 (último ano com informações disponíveis foram registrados 1,6 mil casos de intoxicação medicamentosa em idosos em todo o país. Esse número tende a ser muito maior, uma vez que nem todos os casos são notificados. Entre os medicamentos que mais preocupam nessa idade, estão os antidepressivos, os relaxantes musculares, os antibióticos e os antiarrítmicos.
Todos esses medicamentos fazem parte do cotidiano da maioria dos idosos, mas se usados de maneira incorreta podem levar até a morte. Por isso, o idoso nunca deve usar medicação sem orientação médica. Também é importante que cada um dos especialistas consultados por ele tenha conhecimento de todos os medicamentos usados. Além disso, o idoso deve contar com a ajuda de um adulto jovem para administrar as medicações, diminuindo assim o risco de manipulação e dosagem incorreta.