Se a nova realidade das famílias brasileiras – em que muitas vezes os pais trabalham fora e têm menos tempo disponível – acabou delegando ainda mais responsabilidades para a escola, é cada vez mais importante que a instituição de ensino encontre formas de “entrar na casa” de seus alunos. Estar disponível, ser acolhedora e criar instrumentos para essa aproximação são desafios tanto para a direção da escola, mas também para professores .
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A psicopedagoga e blogueira do site Sempre Família, Esther Cristina Pereira, acredita que a criança com a família por perto é outra pessoa. “É um ser humano centrado, com estrutura. Porque a criança sabe que tem um adulto para cuidar dela, para fazer essa ponte. E quando a família está dentro da escola, aumenta a capacidade dessa criança de demonstrar a que veio, ou suas fragilidades, ou suas habilidades. Isso tudo está interligado”.
Na opinião de Esther, trazer a família para perto deve fazer parte da filosofia da escola. “A família vem para a escola se ela se sente aconchegada. Ela tem que perceber que é querida. Existem várias estratégias que a gente pode fazer: uma reunião com um café, uma palestra sobre como está a questão pedagógica, uma conversa coletiva, uma conversa individual”.
O acolhimento não exige grandes investimentos ou esforços, pode ser feito, muitas vezes, só com um sorriso. “Num mundo em ninguém mais se olha, a escola ainda é esse espaço de olhar. Muitas vezes a mãe chega no portão, você dá um abraço, oferece um café. Às vezes a gente coloca uma fruta, ou uma caixa de balinha. Isso demonstra que queremos aqueles pais ali. O pedagógico é apenas um pedaço da escola. A emoção, a conduta, o comportamento, a habilidade, a competência que você está trabalhando nessa criança é outro pedaço”, relembra Esther.
A dificuldade de horário dos pais também deve ser levada em conta. Muitas vezes a solução é abrir um horário de atendimento às 7h30 da manhã, na hora do almoço ou mesmo final de semana.
Levar a escola para a casa
Se trazer os pais à escola pode gerar algum tipo de resistência das duas partes, o caminho inverso pode ser mais fácil. “A criança é o grande instrumento para a escola entrar na casa. Por exemplo, um projeto em que a gente pede para a criança trazer um pacote de leite, porque vamos levar esse leite para uma família carente. Essa criança vai chegar em casa com todo um processo de fala. Muitas vezes ela muda o comportamento. E você entra na casa de forma sutil”, analisa a psicopedagoga.
A professora enumera algumas estratégias possíveis para iniciar este movimento. Pode ser uma lembrancinha, uma visita dos professores à casa da criança (recomendada para os pequenos), um projeto sobre meio ambiente, entre outras.
A professora Flávia Chaves da Silva, da EM Cei do expedicionário, em Curitiba, foi uma das professoras do Ler e Pensar que envolveu as famílias dos estudantes. Ao ler a reportagem “Cientistas, espiãs, inventoras: 25 mulheres maravilhosas que mudaram o mundo”, publicada na Gazeta do Povo, ela percebeu que a imagem que as crianças tinham de um cientista era de um homem idoso, de bigode branco, vestindo um jaleco branco, em um laboratório, mexendo em tubos de ensaio.
Flávia então lançou o questionamento para a turma de quem poderia ser cientista e depois veio a lição de casa: pesquisar, junto com a família, invenções feitas por mulheres. A tarefa foi cumprida com êxito e as crianças trouxeram ótimas referencias de objetos inventados, como por exemplo, a seringa, o bote salva-vidas, a cerveja, a champanhe e até mesmo o limpador de para-brisa. Veja mais sobre a prática.
Para qualquer faixa etária
A aproximação casa-escola é importante desde os primeiros anos da vida escolar da criança até a chegada à vida adulta. Com os pequenos, a “divisão de tarefas” é mais simples: os pais são responsáveis por quase tudo, desde levar a criança e seus pertences, ao preenchimento da agenda dela. Com o tempo, essas atribuições vão mudando.
“A criança um pouco maior precisa do emocional da família, da estrutura para que ela consiga ser melhor. O adolescente nem quer a família perto, ele se afasta da relação com pai e mãe. Neste momento, eu digo muito para os pais: vocês têm que estar 24 horas na vigília com o filho, porque ele não quer você, mas você precisa estar. Porque o adolescente se perde com facilidade quando não tem um adulto perto que possa fazer algumas compensações com ele. A família é estruturante em qualquer momento”.
Ao falar de adolescentes, Esther aproveita para “puxar a orelha” das famílias. “Os pais fazem um movimento bastante complicado que é na adolescência achar que esse ser humano já está pronto e acredita que dá para ‘largar’. E esse é o grande momento de perder esse ser humano porque ele encontra na rua pessoas que vão fazer o papel da família”.
Ao falar de adolescentes, Esther aproveita para “puxar a orelha” das famílias. “Os pais fazem um movimento bastante complicado que é na adolescência achar que esse ser humano já está pronto e acredita que dá para ‘largar’. E esse é o grande momento de perder esse ser humano porque ele encontra na rua pessoas que vão fazer o papel da família”.
A professora conta sobre um projeto em que o tema “honestidade” é trabalhado com adolescentes. “A cantina é aberta e eles pegam o lanche e fazem o pagamento sozinhos, não tem adulto nesse processo. Então eles levam para casa essa informação sobre a honestidade, a autorregulação. Eles conversam em casa sobre o projeto e trazem de volta essa demanda do quanto foi importante o pai saber que ele comprou e colocou o troco direitinho”.
Mas, para além dos projetos especiais, a relação casa-escola do adolescente no dia a dia também é diferente das outras faixas etárias. “O adolescente leva mais para casa os sofrimentos da escola do que as coisas boas. Porque normalmente ele não sente prazer em vir para a escola, ele vem porque é uma obrigação e leva para casa as demandas negativas. Mas a escola tem que fazer movimentos para estar perto. Porque é um momento delicado, em que o adolescente pode estar passando por dificuldades sérias. E se a gente não está próximo da família, se a família não está aqui com a gente, às vezes a gente demora a perceber isso”.
Aí, valem as lições que apontamos lá no início: ser um espaço acolhedor e encontrar formas de trazer a família até a escola. Um ciclo virtuoso.