Embora os contratos de concessão tenham sido firmados para dar segurança jurídica a passageiros, ao poder público e aos empresários, eles são instrumentos inflexíveis, longos e de difícil gestão no Brasil. Tempo de contrato, planejamento equivocado de custos e falta de previsão de riscos ampliam as dificuldades de quem atua neste segmento, causando um efeito para toda a cadeia do transporte público.
“Possuímos diversas normas, leis e regras totalmente controladas. Isso gera um descompasso em relação aos aplicativos de transporte. Se o transporte coletivo está totalmente regulado, os aplicativos são totalmente flexíveis. Isso gera um descompasso e cria uma dificuldade para o transporte público, incluindo a possibilidade de inovação”, afirma o presidente da Metrocard, Lessandro Zem.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que avaliou o transporte de 12 grandes cidades do país, incluindo Curitiba e Região Metropolitana, mostrou que nove delas contam com contratos de mobilidade superiores a 15 anos – em alguns locais, como Rio de Janeiro e Goiânia, o tempo total pode chegar a quatro décadas. As relações mais longas dificultam alterações relacionadas às exigências ambientais, tecnológicas ou estruturais nos padrões de mobilidade.
“Os contratos mais curtos tendem a permitir uma previsão mais assertiva dos custos e estimulam a concorrência no setor, atraindo mais empresas. Mas também demandam que os custos de investimentos e tamanho do escopo e complexidade do serviço sejam adequados à duração do contrato, e podem exigir mais participação do poder público”, diz o Idec, citando a necessidade de maior aporte de recursos por parte do poder público, normalmente realizado via subsídio.
Para Zem, os sistemas são muito bem definidos no papel, mas não funcionam na prática. “O sistema de transporte é muito bonito e bem escrito no papel. Mas vemos inúmeras cidades no Brasil com problemas, como fechamento de empresas e encerramento de contratos. Em muitos casos, o que é planejado não está dentro da realidade; e, se estiver dentro da realidade, ao ser executado, não é levado em consideração o custo real daquela operação”, diz.
Previsão de riscos
Uma das críticas de Zem aos contratos de concessão é a falta de previsão de riscos. “Nos atuais contratos de concessão não há previsão de riscos. A pandemia é uma situação atípica, mas não é algo previsto em contrato”, avalia. Para ele, os editais deveriam prever gatilhos específicos em relação ao subsídio e incentivo conforme o andamento do contrato. Inclusive, poderiam ser usados em caso de aumento de insumos – o diesel, por exemplo, subiu 23% no primeiro semestre de 2021.
“Em um edital de licitação, há a regra para o aumento ou para a queda de passageiros transportados. O que está previsto em contrato é a realidade daquele momento. Quando o empresário participa de uma licitação, ele analisa aqueles números e se estão dentro da proximidade. Porém, nos últimos 20 anos, o número de passageiros vem em queda”, diz.
Caso ocorra aumento de custo, haveria necessidade de equilibrar os valores sem onerar o passageiro. Neste caso, o subsídio poderia contribuir tanto na avaliação de Zem quanto na realizada pelo Idec.
Indicadores de qualidade em contratos de concessão
Conforme a avaliação do Idec, 10 das 12 capitais avaliadas contam com indicadores de qualidade. Apesar de a maioria estar relacionada à qualidade, à segurança e ao desempenho, cada município adota uma prática específica – enquanto São Paulo avalia 15 critérios distintos, Manaus analisa apenas três. Segundo a Política Nacional de Mobilidade Urbana, o uso de indicadores é autorizado para a definição de metas de qualidade e de desempenho, assim como penalidades e incentivos.
De acordo com Zem, porém, há muitos órgãos reguladores com pessoal técnico inabilitado para exercer essa função e que não levam em conta o contexto do segmento. “Ao termos esse tipo de situação, coloca-se em risco a operação do transporte público. Muitas vezes, os órgãos estipulam índices de eficiência e qualidade e exigem melhoria contínua do serviço sem avaliar quais os reais impactos no custo do transporte público dessas exigências, criando um círculo vicioso”, afirma.