Não é nenhum segredo entre os operadores de transporte coletivo e nem entre os gestores públicos que este sistema modal vem sofrendo com quedas constantes no número de passageiros. Somente em Curitiba e Região Metropolitana, a estimativa é que mais de 30% dos usuários do transporte coletivo tenham deixado de usar ônibus desde o início deste ano. O dado é da Coordenação da Região Metropolitana (Comec) e leva em consideração a pandemia do novo coronavírus.
No entanto, o êxodo de passageiros iniciou bem antes das exigências de isolamento social e tornou-se um dos maiores desafios para os empresários do setor. Para recuperar os passageiros e fazer com que o transporte público seja a escolha número um da população é preciso atender a uma tríade complexa: conforto, agilidade e preço baixo. Para Ayrton Amaral Filho, CEO da Metrocard, associação que representa as 18 empresas operadoras do transporte público de Curitiba e Região Metropolitana, a resposta para este quebra-cabeça passa por um aumento do subsídio público para este serviço.
“O que a maioria das pessoas não entende é que o subsídio é para o próprio passageiro e não para as empresas operadoras. No mundo inteiro o metrô é subsidiado pelo governo, mas ninguém fala que este dinheiro vai para o empresário”, explica Amaral.
“Se tivéssemos em Curitiba o nível de subsídio que se tem na Europa, onde está claro o conceito de que o subsídio é para a população, nós entregaríamos um sistema de transporte melhor do que o de lá”, pontua.
A defesa do aumento dos valores de subsídio aos passageiros faz parte de uma entrevista exclusiva feita pelo GazzConecta com o CEO dentro do programa Papo Mobilidade — uma série de cinco episódios em vídeo e podcast que discute com especialistas de todo o Brasil como será o transporte público do futuro. A entrevista completa sobre como tornar o transporte público prioridade em Curitiba e Região Metropolitana você confere a seguir:
Quais medidas podem ser tomadas em curto e médio prazo para tornar o sistema de transporte regional mais atrativo para a população?
Para ter atratividade no transporte coletivo, é preciso ter rapidez. Não importa o modal, se ele é elétrico, a biodiesel ou trem. O que importa é que as pessoas querem chegar mais rápido em seu destino, com o menor número de transbordos. Para isso, temos que olhar para questões como prioridade semafórica para o transporte coletivo, faixas exclusivas e sistemas viários estruturados que permitam trafegar com rapidez e de forma segura. E isso é viável com algumas obras, boa vontade política e inteligência. É possível dobrar a velocidade média do sistema em Curitiba. E, se dobramos a velocidade, também dobramos a capacidade de transporte de passageiros, trazendo mais conforto dentro dos veículos. É um equívoco dizer que a capacidade do sistema público de transporte está esgotada.
De que tipo de obra estamos falando?
Um bom exemplo é o projeto do CIVI (City Vehicle Interconnected) apresentado para a prefeitura em 2015, pelo consórcio formado pela Volvo/Nórdica, Cesbe e a Associação Metrocard. Esse projeto previa um investimento de R$ 3 bilhões para construir cerca de 100 quilômetros de vias estruturais exclusivas para o transporte coletivo, com viadutos, trincheiras, túneis de até quatro quilômetros, que dariam uma velocidade média ao sistema de 30 quilômetros por hora, muito semelhante ao metrô. O projeto também previa a construção de túneis, estações e terminais subterrâneos.
Comparativamente, para o projeto de metrô de Curitiba com apenas 15 quilômetros, o orçamento era de R$ 9 bilhões — isto é, três vezes mais caro que o CIVI, para uma quilometragem seis vezes menor. O projeto CIVI é uma solução para a Grande Curitiba, mas não houve interesse político em dar continuidade a ele.
Cito este projeto porque é um exemplo de que, se houver investimento inteligente em infraestrutura, é possível melhorar em muito o transporte público. Não é preciso que seja exatamente este projeto, mas é necessário que as políticas de mobilidade aumentem a produtividade, a rapidez e o conforto da operação com investimentos realistas e responsáveis. É importante que a política de mobilidade tenha continuidade, independente da duração dos mandatos das autoridades.
Tornar o sistema mais flexível para o passageiro, desde tarifas até horários, é possível?
Hoje nós temos uma legislação monolítica e rígida, que não permite que façamos uso de tecnologias que poderiam flexibilizar nossa operação. Alguns exemplos: por que o ônibus não pode trabalhar sob demanda em determinadas condições de horários e quantidade de passageiros? A regulamentação não permite isso. Por que não podemos ter tarifas diferenciadas no pico e no entre picos? Por que não podemos ter o transporte rodando com mais ônibus e menos lotados, com um subsídio maior do governo, como acontece na Europa?
Um maior subsídio é uma das principais demandas da Metrocard junto ao poder público?
O nosso desejo como associação é de que se tenha mais ônibus rodando nos horários de pico, com menos lotação. Importante dizer que, na região metropolitana de Curitiba, principalmente em linhas que fazem trajetos mais longos, este pico muitas vezes resume-se a menos de 30 minutos, quando por uma junção de fatores aleatórios muitas pessoas chegam ao terminal e embarcam no mesmo ônibus. Para que existam mais ônibus disponíveis nestes períodos há um acréscimo nos custos da operação, que acabam incidindo sobre a tarifa no modelo atual. Assim, fica claro que o subsídio do poder público é para melhorar a qualidade do serviço sem repassar seu custo aos passageiros. Sem subsídio, a tarifa média do sistema metropolitano seria de R$ 7.
De quanto estamos falando, percentualmente?
Hoje, na Região Metropolitana de Curitiba, o subsídio é de 25%. Na Europa, estes valores variam de 50% a 100% na maioria dos países que são referência de transporte coletivo de qualidade. Nestes locais, existe o entendimento de que é importante subsidiar o transporte para que ele seja atrativo. A maior diferença é que lá investiram em um sistema sobre trilhos, muito menos ágil e flexível que um sistema sobre pneus. E por que fizeram isto? Porque, quando o sistema foi criado, no início do século passado, nem se sonhava com as possibilidades tecnológicas e de conectividade existentes atualmente.
E é com esta vantagem que, se tivéssemos em Curitiba o nível de subsídio que se tem na Europa atualmente, entregaríamos um sistema de transporte ainda melhor que o oferecido por lá. A capacidade máxima de um sistema sobre pneus está em torno de 50 mil passageiros por hora - sentido nos sistemas BRT. Curitiba tem hoje metade desta capacidade em seu principal eixo. Estamos muito longe de esgotar nossa capacidade e não é necessário criar um novo modal para tornar o nosso transporte mais rápido, ágil e confortável.