O delicado equilíbrio financeiro que mantém o transporte público operando na Região Metropolitana de Curitiba está ainda mais ameaçado pela pandemia de Covid-19. O alerta é da Associação Metrocard, representante das 18 empresas que operam o sistema de transporte regional, que opera com uma frota de 900 ônibus. Além da queda do número de passageiros que já vem ocorrendo nos últimos anos, a operação limitada a 65% da capacidade total dos carros no horário de pico e 55% no entre pico trouxe um desafio ainda maior para quem precisa gerenciar as linhas metropolitanas.
Para a Associação Metrocard, o formato atual está exaurido, penalizando os empresários do transporte que operam com grande risco financeiro e afastando os passageiros com uma tarifa acima do suportável pela população. “Há um estudo feito há alguns anos pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que mostrou que o limite elástico da tarifa no Brasil é R$ 2,50. Corrigindo pela inflação o limite hoje seria próximo dos R$ 3”, explica o CEO da Metrocard, Ayrton Amaral Filho. “Dessa maneira, toda vez que a tarifa supera este limite, está expulsando os passageiros do sistema. Para o nível de renda do brasileiro, a tarifa de R$ 4,50 está muito acima do que é internacionalmente recomendado, como percentual da renda familiar a ser gasto com transporte. Só por aí já se percebe que falta melhor entendimento das autoridades para uma política mais saudável no tratamento ao transporte público”, complementa.
Menos passageiros significa que o sistema fica cada vez mais caro para aqueles restantes. Hoje a tarifa técnica, real e sem subsídio, está próxima a R$ 7,00 por passageiro. É necessário repensar como o transporte na Região Metropolitana de Curitiba deve ser financiado e regulado, buscando novos meios de rentabilizar a operação e oferecer preços competitivos ao público. “É preciso oferecer maior segurança jurídica para que as empresas possam investir, um marco regulatório de transição até a licitação, de forma a permitir um avanço também para a realização de parcerias público-privadas (PPP) no futuro. Olhando para a região metropolitana em específico, todas as empresas operadoras assinaram um termo de transição há cinco anos para que o governo não mude as regras do jogo a todo momento até que se disponha, finalmente, a realizar a licitação metropolitana. Como fazer investimentos e renovar a frota em um clima de total insegurança? O preço de um ônibus comum é de R$ 400 mil e de um biarticulado R$ 1,3 milhões. Por outro lado, não há autorização sequer para fazer propaganda dentro dos ônibus e assim gerar novas receitas para o sistema, pela rigidez da legislação”, conta Amaral.
“Outro exemplo é na própria bilhetagem. Nós investimos na bilhetagem eletrônica há anos, mais recentemente com a aquisição de 12 totens de autoatendimento, com aluguel mensal de R$ 1,5 mil cada e em lojas próprias em cinco terminais. Não há reconhecimento do poder público sobre este investimento, ao contrário, apenas questionamentos sobre a operação da bilhetagem, que é realizada de forma extremamente profissional. O custo de toda a operação da bilhetagem é totalmente absorvido pelas empresas operadoras, para proporcionar serviços de qualidade e maior facilidade aos passageiros. O custo mensal para manter toda esta operação supera a casa de R$ 1 milhão e não faz parte da planilha de custos que remunera a operação metropolitana, arremata.
Para o presidente da Associação Metrocard, Lessandro Zem, é hora de discutir o transporte público metropolitano como um serviço essencial prestado a toda a população, com um envolvimento ativo do poder público para inverter a curva da queda de demanda e subvencionar na medida correta o valor das tarifas. “O transporte coletivo é público e precisa ser tratado de modo prioritário nas políticas governamentais. E, para ser acessível à população, demanda um maior nível de subvenção do estado. Pensar que somente os passageiros devem suportar todos os benefícios de um transporte regular, operando 20 horas por dia em todos os horários, com ou sem passageiros, com uma infinidade de gratuidades, é desafiar a lógica e contrariar as regras básicas da economia. Também é preciso um olhar atento para compreender como a sociedade está sendo impactada pelas novas tecnologias e pelos efeitos da pandemia. As próprias mudanças nos regimes de trabalho — como o home office, por exemplo, que permanecerá em certa medida — obrigam o estado a repensar como o transporte público se sustentará no ciclo pós-pandêmico”.
Além da necessária subvenção às tarifas públicas, a Metrocard também defende que é preciso analisar outras formas de trazer recursos para fortalecer o sistema, desde medidas simples, como a permissão de veiculação de propaganda dentro dos veículos, até modelos que já existem nos países desenvolvidos, cobrando uma “taxa de mobilidade per capita” de todas as atividades comerciais, industriais e de serviços para manter a tarifa acessível a todos.
“Uma das formas de sair de um pensamento de custeio coberto por tarifas e subsídios é criar uma taxa na qual o valor do custo da operação seja dividido pelo número de trabalhadores de cada município. Este valor fixo por trabalhador seria cobrado das empresas, saindo mais barato do que a aquisição de vale-transporte e também abrindo a catraca para que o trabalhador use o ônibus de forma livre”, sugere Edilson Miranda, associado da Metrocard e diretor-geral da Viação Santo Ângelo. “Esta é uma forma de usar o potencial de inclusão social do transporte público, envolvendo todo mundo neste financiamento. Existem várias outras formas de se criar um fundo de subsídio, mas sempre rodamos e acabamos apegados à tarifa única, quando o correto seria acabar com ela”, resume.
Para saber mais sobre este assunto, acompanhe o terceiro episódio do Papo Mobilidade, um programa criado pelo GazzConecta em parceria com a Metrocard. O assunto é como tornar o transporte público brasileiro sustentável economicamente. Além de Edilson Miranda representando a associação, também participaram da gravação o secretário extraordinário de mobilidade de Porto Alegre, Rodrigo Tortoriello e o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira.
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