Diariamente, o transporte coletivo carrega 40 milhões de passageiros – o equivalente a pouco menos de 20% da população do país. No entanto, esse número já foi muito maior. De 1993 a 2017, a queda de usuários transportados foi de 35,6% - nos últimos 10 anos, apenas 2007, 2008 e 2011 tiveram ligeiro aumento, com base na análise de 9 capitais do país, segundo o anuário da Associação Nacional dos Transportes Urbanos (NTU).
MOVE METROCARD: Marcos Bicalho, diretor administrativo e institucional da Associação Nacional dos Transporte Urbanos, aponta os motivos para os congestionamento nas grandes cidades e as possíveis soluções. Ouça agora
Em contraponto, houve um aumento considerável da frota de veículos, conforme o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Em 2008, o país contava com um total de 54,5 milhões de veículos – considerando carros, caminhões, ônibus, motos –, número que atingiu 100,7 milhões em 2018. Ou seja, enquanto os ônibus caíram 35,6%, o transporte individual cresceu 85% em uma década.
De acordo com a NTU, pesquisas realizadas indicam que, em vias estruturais, os automóveis ocupam 70% do espaço, mas transportam cerca de 20% do total de pessoas. Estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) estimou que, no Brasil, o prejuízo com o desperdício de tempo no trânsito seja de mais de R$ 111 bilhões. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, a população gasta pelo menos 2,5 horas para ir e voltar do trabalho.
“Esse volume [de carros] colocado nas ruas reduziu a velocidade média dos principais corredores das cidades, o que retirou do transporte público as condições ideais de operação. Dessa forma, ele deixou de oferecer atributos de qualidade essenciais para os usuários: pontualidade, regularidade e tempos menores de viagem”, diz o engenheiro Luiz Carlos Mantovani Néspoli, Superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
Falta de planejamento e de vontade política
O presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha, coloca dois fatores fundamentais para que os congestionamentos tomassem conta da maioria das cidades brasileiras: a falta de planejamento das cidades e o interesse político em incentivar o transporte individual. “Nós estamos pagando uma conta alta por uma ausência de políticas de transporte”, diz. De acordo com ele, parte da estrutura viária das grandes cidades brasileiras data da década de 1970, quando o Fundo Nacional do Desenvolvimento de Transporte subsidiava esses projetos.
Com a mudança da Constituição, em 1988, houve um vazio de investimentos em infraestrutura e na formação e qualificação de profissionais especializados em planejamento urbano. “São mais de 20 anos sem que a mobilidade fosse vista como uma necessidade. Se incentivou a indústria automobilística com benefícios tributários e o transporte público ficou relegado a um segundo plano. Na década de 1990, o ônibus tinha uma velocidade média razoável e muita gente usava. Dos anos 1990 para cá, tivemos uma queda permanente”, avalia Cunha.
Néspoli afirma que as cidades devem buscar investimentos benéficos ao sistema de transporte: como corredores, BRT e faixas exclusivas. “É preciso constituir redes de transporte mais racionais nas cidades, evitando desperdícios, ociosidades, e trazer para os contratos com os operadores maior possibilidade de criação de alternativas dentro da própria rede”, defende.
O fator preço
Outros aspectos pesam na hora de o usuário escolher o modal de deslocamento, além da pontualidade, regularidade e velocidade média, especialmente o preço. E o transporte coletivo enfrenta uma complexa equação: quanto menor o número de passageiros, mais pressionada fica a tarifa, visto que ela consiste na divisão do custo do sistema pelo total de usuários.
“Atualmente a tarifa é cara para quem paga e insuficiente para um serviço de qualidade. Quando tinha a demanda elevada, transportávamos 60 milhões de passageiros por dia.
Hoje, transportamos 38 milhões, e a produtividade do ônibus caiu muito. Essa situação precisa ser contornada”, avalia Cunha, da NTU.
Segundo o superintendente da ANTP, o preço – levando em conta a atual circunstância econômica do país – afugenta os usuários do transporte coletivo e incentiva a buscar outros meios, como andar a pé ou sistemas alternativos. “A baixa atividade econômica do país, o nível de desemprego alto e a queda de renda da população está levando antigos passageiros dos ônibus a andar a pé ou para sistemas alternativos como o dos aplicativos”, relata.
Sugestões de melhoria
De acordo com Cunha e Néspoli, ao menos quatro ações podem ser tomadas para que o transporte coletivo volte a ganhar pontos com a população, tornando-se mais atrativo.
- O investimento em prioridades em vias, melhoria na gestão operacional e na informação para os usuários.
- Precificar de forma correta o custo do uso do automóvel, reduzindo o estacionamento urbano gratuito (ou usando esses recursos para retornar ao transporte coletivo) e considerar a criação de um pedágio urbano.
- Integrar a chamada micromobilidade para que atuem de forma complementar ao transporte público, como as novas bicicletas e patinetes elétricos e até mesmo os aplicativos de transporte.
- Ampliar o volume de recursos para o transporte coletivo por meio de subsídios, entendendo que toda a sociedade precisa custear o sistema.