Os brasileiros estão gastando mais tempo nos deslocamentos para o trabalho, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2011, estimava-se que 8,9% dos brasileiros levavam mais de uma hora para se deslocar de casa para o trabalho, índice que subiu para 10,2% em 2015. Parte do problema está na concentração cada vez maior de pessoas nos grandes centros, mas também decorre das dificuldades enfrentadas pelo transporte coletivo, como a queda da velocidade média, o incentivo ao transporte individual e o custo alto da passagem.
Na última década, a frota de veículos do Brasil quase dobrou: saiu de 54,5 milhões em 2008 para 100,7 milhões em 2018, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito. O número é fruto do incentivo, sobretudo do governo federal, à aquisição de veículos do que ao investimento no transporte coletivo. Algumas discussões, contudo, visam incentivar iniciativas que privilegiem o transporte coletivo, caso do investimento em faixas exclusivas (prioridade para os ônibus), a taxa de congestionamento e o compartilhamento da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide).
Ouça a entrevista com o engenheiro de Transporte Urbano Allan Cannell sobre o que poderia ser feito para melhorar o transporte coletivo, inclusive melhorar a tarifa:
O presidente executivo da Associação Nacional dos Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, afirma que os congestionamentos, o aumento de tempo despendido no trânsito e os prejuízos à economia e à qualidade de vida pela população é a conta que se paga quando há ausência de políticas de transporte. Na organização administrativa brasileira, os municípios são os entes com menores condições de investimento, sobretudo na situação econômica atual do país.
“Antes de 1988, a União tinha um imposto – o Fundo Nacional do Desenvolvimento de Transporte – que era usado para estruturar e financiar projetos de transporte nos municípios. Algumas cidades fizeram melhorias na infraestrutura graças a esses recursos, caso de Curitiba, Goiânia, Belo Horizonte e Recife”, afirma Cunha.
Faixas exclusivas: prós e contras
Apontadas como solução em muitas cidades, as faixas exclusivas de ônibus de fato contribuem para o transporte público. Logo que foram instaladas, em São Paulo, a Companhia de Engenharia de Tráfego mostrou um aumento de 68,7% na velocidade média. Em Curitiba, foi instalada uma faixa exclusiva em um trecho de 1,1 quilômetro na Mario Tourinho, que os ônibus levavam 17 minutos para percorrer.
“As faixas exclusivas ajudam bastante, mas não se pode colocar mais que 5 ou 6 linhas devido à confusão nas paradas, o que é comum em São Paulo. Ela funciona melhor com linhas troncais, ultrapassagem nas estações para as linhas diretas e terminais integrados para as linhas locais. Um bom exemplo seria o BRT Rio – ou era em 2016”, afirma o engenheiro de transporte urbano, Alan Cannell. Conforme Cannell, essa é uma equação complexa nas grandes cidades: “é difícil achar espaço para as faixas com ultrapassagem”.
Apesar dessas barreiras, o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Mantovani Néspoli, afirma ser fundamental a continuidade dos investimentos em infraestrutura para o transporte coletivo.
“É preciso constituir redes de transporte mais racionais nas cidades, evitando desperdícios e ociosidades, e trazer para os contratos com os operadores maior possibilidade de criação de alternativas dentro da própria rede”, diz.
Na Região Metropolitana de Curitiba, o subsídio dado pelo governo estadual tem como contrapartida a implantação de faixas exclusivas, especialmente nas vias de acesso dos municípios adjacentes, caso da Avenida Victor Ferreira do Amaral. Para Cannell, a queda na velocidade é algo que precisa ser combatido pelos gestores.
“Com o trânsito cada vez mais pesado, o ônibus fora de canaleta não sobrevive. Para cada 20% de perda de velocidade, o custo aumenta 10%. Ou seja, a frota para carregar os passageiros a 10 km/h precisa ser o dobro em relação a 20 km/h”, afirma Cannell.
Compartilhamento da Cide e outros impostos
Outra medida vista como essencial é a possibilidade de os usuários de transporte individual auxiliarem a bancar o transporte público. Em uma proposta conjunta entre ANTP, NTU, Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana e Frente Nacional dos Prefeitos, há a sugestão de que parte do que se arrecada com Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação de Automóveis, Cide, IPVA, licenciamento de veículos e multas de trânsito sejam revertidas a este fim.
De acordo com o documento, o princípio para selecionar essas fontes é a influência que eles exercem sobre a degradação do sistema. “A maior parte dos problemas operacionais do transporte coletivo resulta do fato de ele estar imerso no contexto urbano e sujeito às medidas gerais de mobilidade urbana. Apesar de o transporte coletivo ser um mitigador de problemas da concentração urbana, ele é apenado pelos incentivos dados ao transporte individual motorizado”, diz o documento.
“É justo, portanto, que os usuários dos transportes individuais motorizados contribuam para o financiamento do transporte coletivo. A forma de coletar esses recursos em um fundo deve usar o quadro tributário das três esferas do Executivo e destinar parte de sua arrecadação para isso, bem como de fundos já existentes”, acrescenta.
“Cabe lembrar que o transporte público é subsidiado em quase todos os países desenvolvidos, pois há o entendimento de que toda a sociedade deve ser chamada para custear este sistema, que é essencial, universal e o motor da economia das cidades”, afirma Mantovani.
Taxa de congestionamento
Desde 2002, em Londres, há uma taxa de congestionamento paga por veículos que circulam em determinada área da cidade. Alguns especialistas consideram uma solução para aumentar as fontes de financiamento do transporte público, outros, no entanto, entendem que o sistema precisa prover as necessidades do usuário antes de sua implementação.
Em outras palavras, é preciso incrementar o tripé velocidade, conforto e preço para que se possa cogitar esse tipo de medida. “As taxas de congestionamento são caras para operar e a redução obtida dura poucos anos. A tendência é de banir carros velhos, frota de diesel e dificultar o estacionamento”, opina o engenheiro de transporte urbano Cannell.
A superintendente de Trânsito de Curitiba, Rosângela Battistella, defende que os valores do estacionamento regulamentado estejam no mesmo patamar da tarifa de ônibus. “Hoje, o valor do estacionamento custa menos da metade da tarifa de ônibus. Esse custo precisa ser igual ou superior para incentivar o uso do transporte coletivo”, diz.