O transporte público foi alçado à categoria de direito social dos cidadãos em 2015 – em 2000, a moradia passou a fazer parte desta lista e, em 2010, a alimentação foi incluída neste grupo. Com essa mudança, o direito à mobilidade foi equiparado a outros temas importantes, como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, infância e assistência aos desamparados, conforme prevê o artigo 6º da Constituição Federal.
“Na minha opinião, foi um grande avanço a inclusão do transporte como direito social. Entretanto, na prática, a gente viu pouca coisa evoluir até o momento. O Brasil continua com gravíssimos problemas de mobilidade. A inclusão, por si só, não resolveria esses problemas, mas, na prática, deveria ser um facilitador [para investimentos]”, afirma o jornalista especializado em mobilidade e editor do site Diário do Transporte, Adamo Bazani.
Ouça a entrevista completa com Adamo Barzani sobre essa questão:
De acordo com Bazani, ao integrar a lista de direito social, o propósito foi simplificar a obtenção de linhas de financiamento. “Não é somente uma lei que vai mudar este quadro, mas dá segurança jurídica para facilitar a obtenção de recursos, que são escassos, ainda mais depois da crise econômica. Dessa forma, permitiria que as situações fossem facilitadas, o que, infelizmente, ainda não aconteceu na prática”, diz
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Levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostrou que, em 2019, está previsto o investimento de R$ 348 milhões em iniciativas voltadas ao transporte público urbano. É o equivalente a 0,01% do orçamento total do governo, de cerca de R$ 3,38 trilhões.
“Definitivamente, os governos não têm dado essa importância do transporte como um meio da consolidação de outros direitos: ao lazer, à educação, ao emprego e renda e à moradia”, ressalta Bazani.
O Observatório das Metrópoles afirma que o desenvolvimento urbano não pode ser desassociado das políticas de transporte, entre outras áreas prioritárias. Há estudos que mostram que o investimento em transporte coletivo é uma alternativa para o desenvolvimento econômico. Segundo a entidade, há pesquisas americanas que mostram que, para cada US$ 1 investido em mobilidade urbana, US$ 6 retornam para a economia. Um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que o desperdício de tempo no trânsito gera prejuízo de R$ 111 bilhões.
Rentabilidade
Por ser direito assegurado na Constituição, o transporte público deve ter linhas que não necessariamente sejam rentáveis, desde que atendam às necessidades da sociedade – ao contrário do que acontece com o sistema por aplicativos, no qual o motorista pode rejeitar corridas para locais distantes ou de difícil acesso.
“O transporte como serviço social não é feito para que haja retorno financeiro para o gestor. Para o operador, porém, o retorno, a sustentabilidade, precisa seguir o que está estabelecido em contrato. O lucro do empresário não pode ser visto como algo fantasmagórico”, afirma Bazani. Nesse caso, essas linhas que não são financeiramente sustentáveis precisam de respaldo da administração pública, ainda que com o subsídio.
Um estudo do Barômetro do European Metropolitan Transport Authorities (EMTA) mostrou que mais de 50% do custo da tarifa é subsidiado pelo poder público em cidades europeias, como Praga (74%), Turim (68%), Madri (56%), Berlin (54%) e Copenhague (50%). O subsídio pode ser ofertado de forma direta ou repassado por meio de impostos e taxas pagas por toda a população. “O subsídio não pode ser encarado como algo de outro mundo, proibitivo. Em todo o mundo, não só nos países desenvolvidos, subsídio é algo normal para o transporte, desde que seja feito de forma inteligente”, analisa o jornalista.
Na avaliação de Bazani, as discussões sobre o financiamento do transporte público precisam superar os aspectos políticos. “O carro faz uma ocupação desproporcional da cidade. Nada mais justo que o transporte individual, que ocupa de 5 a 17 vezes mais espaço do que um passageiro do transporte público, contribua com o nível de uso que faz da cidade”, ressalta. “Repasse da Cide [Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico], pedágios urbanos, direcionamento dos estacionamentos rotativos contribuem não só para o financiamento, mas para a justiça no uso da cidade”, acrescenta.
Recomendações da ONU
A Organização das Nações Unidas (ONU) vê o transporte como um pilar importante para o desenvolvimento social. Neste sentido, a entidade dá algumas orientações às nações por meio de um relatório intitulado “Mobilizando o Transporte Sustentável pelo Desenvolvimento”, fornecendo orientações sobre o transporte sustentável para os países até 2030.
- Planejar e direcionar investimentos baseados em três dimensões do desenvolvimento sustentável: desenvolvimento social, impactos ambientais e crescimento econômico;
- integrar todos os esforços de planejamento de transportes sustentáveis;
- criar estruturas institucionais, legais e regulamentares de apoio para promover o transporte sustentável e eficaz;
- desenvolver a capacidade técnica dos planejadores e implementadores de trasportes para garantir acesso equitativo a mercados, postos de trabalho, educação e outras necessidades;
- ampliar esforços na prevenção de mortes e lesões de trânsito;
- estabelecer estruturas de monitoramento e avaliação de transporte sustentável para coletar e analisar dados com estatísticas confiáveis;
- promover fontes de financiamento diversificadas e estrutuas fiscais para promover sistemas, iniciativas e projetos de transporte sustentáveis.