A universidade precisa se atualizar, para dar conta de novos desafios e continuar contribuindo, como tem feito há mais de 800 anos
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A educação sempre aparece ao lado da saúde como o maior problema brasileiro. E o ensino superior reflete os avanços e retrocessos verificados nos ensinos fundamental e médio no país ao longo do tempo. Se, por um lado, as políticas de inclusão permitiram que mais gente tivesse acesso à escola – e, por extensão, à universidade –, tem-se a impressão de que a qualidade do ensino diminuiu dramaticamente, “nivelando por baixo” a aprendizagem.
Esse fenômeno pode ser confirmado pela recorrente ausência do país em posições relevantes nos rankings internacionais que medem o desempenho de estudantes e instituições de ensino. Por exemplo: não há universidades brasileiras entre as 50 melhores do mundo nos rankings internacionais, e o Brasil tem sido um dos últimos colocados no Pisa, levantamento que avalia sistemas de educação de ensino fundamental no mundo.
Tudo isso seria fruto de um círculo vicioso: a educação básica de baixa qualidade entrega à universidade estudantes despreparados, que acabariam se tornando apáticos e desinteressados – que, ou abandonam o curso, ou “cumprem tabela” na graduação, chegando ao mercado de trabalho imaturos e com sérias dificuldades para lidar com os problemas da vida real.
Diante desse quadro sombrio, uma alternativa interessante está em curso na PUCPR: em 2014, ela decidiu rever completamente seus processos de ensino e aprendizagem. “Os profissionais do século 21 precisam estar preparados, como nunca antes na História, para enfrentar desafios interdisciplinares, complexos e globais. Precisarão demonstrar capacidades de trabalho em equipe, de inserção em novas culturas e contextos, de aprendizagem autônoma, de conexão com assuntos contemporâneos e de metodologia para resolução de problemas, muitos deles ainda desconhecidos”, enumera a professora Cinthia Spricigo, diretora de Suporte à Graduação, em um texto sobre as mudanças no ensino. “Mobilizar habilidades, conhecimentos e atitudes para enfrentar situações complexas: esta é a definição de competência, justamente o que se espera do profissional do nosso século. O mundo do trabalho precisa de competências, não de conteúdo.”
Mesmo porque o “conteúdo” (ou informação) é abundante nos dias atuais, está disponível o tempo todo para quase todo mundo. “A informação não é mais privilégio de um grupo seleto. Você pode fazer uma busca no Google e aprender qualquer coisa, fotografia, cinema, física quântica ou gastronomia. Para se apropriar da informação não é mais preciso ir à aula. A mera transmissão do conteúdo deixou de ter razão de ser. A universidade deve ter outro papel, tem que ser o lugar onde as pessoas vão desenvolver habilidades para se tornarem indivíduos mais proativos”, descreve Elisangela Ferretti Manffra, coordenadora do Centro de Ensino e Aprendizagem da PUCPR (CrEAre).
“Nesse contexto, a universidade precisa se atualizar, para dar conta desses novos desafios e continuar contribuindo, como tem feito há mais de 800 anos, para o bem e o progresso da sociedade. Um dos pontos centrais para que isso aconteça tem a ver com a superação daquilo que eu tenho chamado de ‘docenciocentrismo’: o professor não pode mais entrar em sala de aula para transmitir verdades a alunos (seres passivos) que não sabem”, defende o filósofo Jelson Oliveira, professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da universidade. “O professor deve ser um mediador entre os estudantes e o conhecimento. É preciso criar estratégias que exponham os estudantes a situações concretas, para que eles não aprendam apenas para a prova, mas para a vida. E é aí que entra a aprendizagem ativa.”
Ele diz que a opção por essa abordagem segue as recomendações de especialistas em educação e da Unesco, que alegam que é preciso preparar o estudante para que ele aprenda por si mesmo quando o professor não estiver mais por perto: “Acreditamos que é um modo de colocá-lo frente a frente com o conhecimento, parte dele trazida pelo professor, parte pelos colegas, parte pelos livros e artigos científicos e parte pelas plataformas digitais e outras fontes”, explica. “Regurgitar informação em sala de aula para alunos passivos, desinteressados e indisciplinados é perda de tempo e irresponsabilidade, puro mercantilismo. Escola não é banco que deposita verdades e imprime o extrato no final. Escola é comunidade educativa, é lugar de experimentação e construção de verdades. É aí que entra a ideia de competência: não basta mais ter informação, é preciso saber aplicá-la em casos concretos, desenvolvê-la e avaliar os limites éticos do seu uso.”
Nesse processo, a universidade vem realizando uma série de ações para engajar professores e alunos no projeto. A mais recente é a conferência Devising 21st Century Higher Education with PUCPR, que acontece entre os dias 26 e 28 de julho no campus Curitiba. Direcionado aos professores, o evento trará educadores reconhecidos mundialmente para discutir a reorganização da educação e inspirar os participantes a repensar seu papel nesse novo cenário. “A ideia é conquistar novas adesões por meio do contato com pessoas inspiradoras, que fazem algo diferente na prática, gerando identificação com a proposta,”, resume o pró-reitor de Graduação da instituição, Vidal Martins. “Não conseguimos levar centenas de professores a Harvard, à Universidade McGill do Canadá e a outros lugares que inovam no ensino superior. Mas podemos trazer essas fontes até eles.”