Os amigos iniciaram o espaço sozinhos, mas logo tiveram ajuda de vizinhos para arrumar o local.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

“Nós nos conhecemos há quase 30 anos, crescemos aqui no bairro. Depois de adultos voltamos a nos encontrar. Quando o Léo me viu interessado em um espaço para fazer uma horta, ele me ofereceu o terreno da família dele para usar. Começava assim nosso movimento em empreender sonhos e projetos comuns”.

Só queria conhecer nossos vizinhos e interagir com eles. Dentro dessa ideia imaginei oferecer atividades culturais, promover ações como artesanatos, aulas de tai chi chuan, etc. O Léo queria uma bicicletaria, com espaço para acolher viajantes de passagem pela cidade. Juntamos nossos projetos e fomos em frente.

Não havia muito planejamento. Deixamos as coisas acontecerem. Trabalhamos pesado e colocamos tanta energia que, em pouco tempo, de forma surpreendente, as coisas aconteceram. Quebramos muro, desmontamos galinheiro. Foi um mês só para limpar o terreno. Com isso, veio um aprendizado importante: primeiro a gente tem que fazer, para depois convidar.

Depois que eu e o Léo limpamos tudo, veio o mutirão, com umas 20 pessoas, para nos ajudar.

Acredito que colaborar é não colocar expectativas sobre o outro. Se quiser nos acompanhar, que bom. Mas se não vier, tudo bem. Vivenciamos a colaboração em todas as etapas. Tivemos ajuda para tudo, desde a pintura das paredes, passando pela arrumação da horta.

Depois construímos o espaço para a bicicletaria e para receber os viajantes, com quarto e banheiro privativo. Sem divulgação, as pessoas começaram a vir. Já recebemos um grupo de argentinos que passaram uma semana conosco e ajudaram muito na horta. Depois vieram atores de São Paulo, que usaram o espaço para oferecer oficinas. Tudo sem nenhuma cobrança de hospedagem. Nossa ideia é receber e ajudar. Depois veio a ideia do café, que além de ser uma forma de sustento, é um ponto de encontro e reunião de pessoas.

Nesse meio tempo conhecemos moradores que estão aqui há 60 anos. Reunimos a vizinhança, falamos sobre como cuidar da horta, que é aberta para quem quiser chegar e usar. Lidamos com o bom senso das pessoas: quem quiser ajudar, fica à vontade para isso. Tem quem limpe o mato, quem plante e quem venha só para colher mesmo. Já fizemos encontros para trocas de frutas, onde cada um trazia o que estava sobrando. Acho importante também dar espaço para que as pessoas assumam o protagonismo e colaborem. O tempo de cada um é diferente e precisamos respeitar isso. Queremos promover mais ações e provocações para que as pessoas façam coisas juntas e assumam a responsabilidade pelo do outro. Por isso, aqui não temos muro, nem grade.

Horta e participação

A principal questão que propomos é a relação e a cooperação das pessoas. Enquanto a gente não resgatar isso, nossa sociedade vai se fragmentar mais e mais. A ideia das atividades colaborativas é trazer de volta as relações.

Nesse processo, todos mudamos, eu e o Léo. Comecei a andar de bicicleta, enquanto o Léo passou a buscar autoconhecimento. Nossos conceitos se fundiram e mudamos nosso estilo de vida.

Acredito que nossa essência é relacional, mas fomos deseducados sobre como nos relacionar de forma harmoniosa. Hoje isso é um problema, é desafiador: as pessoas se irritam, se magoam. Nossa inabilidade fez com que a gente se afastasse das relações. Mas são nessas relações que a gente cresce, e amadurecer é o caminho que eu enxergo para uma mudança real na sociedade.

Cooperação é uma forma de pensar. Hoje as pessoas buscam formas de ter prazer e benefício próprio. Nossa sociedade está baseada nos opostos onde um ganha e outro perde. Precisamos chegar a um ponto onde todos ganhem e trabalhem por um objetivo comum. A horta, para nós, é um exemplo disso. Por que não usar esse espaço onde todos podem ganhar? É tempo de encontrar caminhos para a colaboração, com pessoas criativas para provocar essas ações”.

Serviço

Além do café e da bicicletaria, a Ahorta Bike Café realiza uma série de atividades em seu espaço como cursos sobre filosofia, alimentação saudável, yoga, entre outros. Há também aulas regulares de dança do ventre, dança de salão, tango e tai chi chuan. Mais detalhes do trabalho podem ser vistos no Facebook da Ahorta.