O desdobramento das mais de 70 delações realizadas pelo presidente e executivos da empreiteira Odebrecht ainda estão no seu início, mas como reafirmou o juiz do caso, Sérgio Moro, deve prolongar a operação por pelo menos mais um ano. Dentre o que já foi descoberto até aqui porém, a reação é apenas uma: muito mais do que uma empresa que se apropria de recursos públicos por meio de fraudes, a Odebrecht é parte integrante do governo brasileiro, ou ainda, responsável por definir os rumos do próprio governo.
Como em um processo sucessório da própria empresa, Emílio Odebrecht alega sem pudor algum, que ajudou a moldar a postura de candidatos à presidência. Definiu que o candidato Pastor Everaldo deveria em 2014 ter uma postura mais pró-mercado, e repreendeu-o quando este teria ido longe demais defendendo a privatização da Petrobrás. Ainda em 2002, Emílio alega também ter ajudado a moldar o tom da famosa carta aos brasileiros, na qual Lula se dirigia aos empresários e a população prometendo um tom mais ameno e conciliatório.
Entender onde começam e onde terminam as relações pessoais entre a Odebrecht e políticos brasileiros não é lá uma tarefa fácil. Por anos, segundo a própria empresa, milhões foram mantidos em contas aqui e no exterior destinado a bancar mordomias aos políticos dos mais variados partidos. A empresa teria atuado para construir um estádio para o time do coração do ex-presidente (da mesma forma que a sua concorrente Andrade Gutierrez teria sido cobrada para ajudar o time de outra ex-presidente), além de apoiar empresas de parentes, ou mesmo empreitados do filho do ex-presidente Lula, como um campeonato de futebol americano.
Relações deste tipo não são nenhuma novidade para a empresa, ao menos não no outro lado do atlântico, em Angola, onde a empresa patrocina a anos o time do ditador do país, o Santos Futebol Clube, que mistura uma homenagem ao Santos de Pelé, e ao próprio ditador, José Eduardo dos Santos.
Na mesma Angola, a Odebrecht atua em setores tão diversos quanto mineração e supermercados. Atua em qualquer setor, desde que o governo esteja ao lado para apoiar.
Por aqui, a prática é comum, e uma das principais responsáveis por fazer a empreiteira ver seu faturamento saltar de R$ 17,3 bilhões em 2003 para R$ 132,5 bilhões em 2015.
Desde que as delações começaram, muita coisa do que parecia apenas política de governo tiveram seus motivos relevados. Abaixo, selecionamos algumas vezes em que o governo brasileiro acabou por favorecer a empresa, sem querer querendo:
1 - Quando o presidente atuou como lobista da empresa para garantir o monopólio do setor petroquímico.
Joia da coroa do grupo Odebrecht, a petroquímica Braskem, dona de metade do faturamento do grupo, possui uma origem conturbada.
Criada em 2002 por meio da fusão de outras 5 empresas, incluindo a Copene, a companhia petroquímica do nordeste, braço da Odebrecht na área, a empresa enfrentou em seu início uma série de resistências por parte da Petrobrás, que lutava na época contra a privatização do setor.
Em meio as eleições, já com certa intimidade, Emílio Odebrecht procurou Lula para tratar do assunto, e garantir um apoio financeiro, caso o ex-presidente entendesse a importância de garantir que o setor não seria estatizado pela Petrobrás.
Lula então teria delegado a tarefa a Palocci, segundo a delação de Emílio, e a resistência dentro do próprio partido anti-privatização, não demorou a ser quebrada.
Com o governo já eleito, Emílio teria levado a um jantar em Brasília, com a então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, uma série de pautas para a sobrevivência da Braskem.
Nomeado por Lula como presidente da Petrobrás, José Eduardo Dutra, resistia, afirmando que a empresa voltaria a ter forte presença no setor petroquímico, como desejavam os sindicalistas.
Para sorte da Braskem e da Odebrecht porém, Lula teria passado a decisão sobre o futuro do setor das mãos da Petrobrás, para a de Dilma, cumprindo assim seu acordo de campanha com a companhia. A Petrobrás seguiria sócia na Braskem, mas sem o controle.
2 - Quando o Brasil decidiu que precisava de um submarino nuclear, e surpreendentemente descobriu que a Odebrecht sabia fabrica-los.
Tendo saído do papel após décadas, o projeto de desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear para a marinha brasileira representou o auge de um projeto de valorização das forças armadas brasileiras, em um momento no qual o Brasil ainda lutava para ser reconhecido no conselho de segurança das nações unidas.
O projeto, orçado em 6,7 bilhões de euros ou R$ 23 bilhões, seria controlado por um consórcio liderado pela DCNS, companhia francesa, com participação do governo francês no seu capital. A intenção era além de construir o submarino, transferir a tecnologia lá presente.
Para a surpresa geral porém, a estatal francesa decidiu escolher, sem licitação, a Odebrecht para executar a obra.
Por meio do pagamento de propinas ao presidente da Eletronuclear, e a ao representante da companhia francesa no Brasil a Odebrecht levou o projeto, e foi responsável pela construção da basa naval onde o submarino esta sendo construído. Segundo o TCU, apenas na construção da base, houve superfaturamento de R$ 406 milhões.
3 - Quando o governo decidiu que deveria incentivar a indústria de etanol aqui e no exterior, e a Odebrecht se mostrou especialista na área.
Poucas coisas entusiasmaram tanto os brasileiros no início do século, quanto a ideia de que produziríamos o combustível do mundo. Com o petróleo subindo a valores nunca antes vistos, a ideia pegou. O etanol entrou na moda, e o governo tomou a dianteira.
Construir usinas no Brasil porém, não seria suficiente. Por mais que o resto do mundo, incluindo a google alocassem bilhões por aqui para fazer a área crescer, era preciso criar um mercado mundial no setor.
Seguindo esta ideia, o governo brasileiro atuou para que países como Cuba, Angola e Moçambique construíssem ou reformassem usinas na área. Mesmo em Cuba, a reforma, e a posterior operação do negócio acabaram indo parar nas mãos de uma empreiteira brasileira, justamente a Odebrecht.
Em uma mistura de apoio por parte do BNDES e bancos públicos e privados, a Odebrecht Agroindustrial investiu R$ 10 bilhões no setor. Atualmente, a companhia luta para não falir na área, e suas dívidas deverão ser pagos ao longo dos próximos 13 anos.
4 - Quando o governo decidiu criar o maior programa de privatizações da história, e botou Marcelo Odebrecht no conselho.
Chamado de choque de capitalismo pela revista Veja, o programa de concessões criado no governo Dilma em 2012, era um exemplo daquilo que o governo esperava por parte do setor privado: apetite por investir.
Para ajuda-la a montar e divulgar o programa, a ex-presidente selecionou empresários como André Esteves do BTG, Eike Batista, e Marcelo Odebrecht.
Seriam R$ 200 bilhões em áreas como portos, aeroportos, ferrovias etc.
Após o lançamento porém, o programa começou a naufragar, com acusações de que o governo estariam querendo prever até mesmo o lucro que cada companhia teria em setores como ferrovias.
Sem conseguir alavancar todos os setores porém, o governo acabou sendo bem sucedido em um deles, os aeroportos. Na maior privatização individual da história do país, a Odebrecht topou pagar R$ 19 bilhões pelo aeroporto do galeão. Cerca de 294% acima do valor mínimo.
5 - Quando a Odebrecht, de repente, se tornou especialista em gerir aeroportos e estádios, mesmo sem nunca ter feito isso antes.
Muito além da própria gestão do aeroporto do galeão no rio de janeiro, a Odebrecht aventurou-se em áreas das mais diversas. Junto do empresário Eike Batista, arrematou a concessão do Maracanã, em uma parceria onde Eike deteria 5% e a empreiteira o restante.
Assim como o Galeão, a gestão do estádio foi um completo desastre.
Em meio aos problemas da Lava Jato, a empresa espera sair do controle do estádio, que teria lhe rendido um prejuízo de R$ 150 milhões nos últimos 2 anos.
O mesmo caso ocorre com o aeroporto, onde a companhia repassou a gestão a grupos chineses, após apurar um prejuízo de quase R$ 1 bilhão.
A saída da gestão do Maracanã porém, não será tão prejudicial a empreiteira, que cobra o prejuízo do governo do Rio de Janeiro.
6 - Quando o BNDES decidiu que financiar obras em outros países era uma boa ideia para a economia, e fez isso colocando 70% dos recursos nas mãos da Odebrecht.
Muito além de um porto em Cuba, as obras financiadas pelo BNDES no exterior chegam as dezenas de bilhões de reais investidos, e passam de 3 mil operações.
São estradas em Angola, usinas no peru, metrô na Venezuela e inúmeras outras obras de infraestrutura financiadas com recursos do FAT Cambial, parte do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que extrai parte do seu FGTS para pagar seguro desemprego e... bancar parte do BNDES.
Segundo O Globo, realizar tais obras garantiu ao FAT um prejuízo de R$ 1,1 bilhão ao ano, dado que os juros aqui são maiores que os valores cobrados das empresas que receberam o financiamento.
Dos R$ 50,5 bilhões concedidos, nada menos do que 70% porém, tem uma única empresa como destino, justamente a Odebrecht.
7 - Quando a Petrobrás decidiu que estava tudo bem ter R$ 6 bilhões de prejuízo vendendo insumos a Braskem.
Não apenas em sua origem a maior empresa do grupo Odebrecht contou com favorecimento por parte da maior estatal brasileira (que também consta como sócia na própria Braskem). Segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público federal, a estatal topou vender nafta, um derivado do petróleo, por valores abaixo dos praticados internacionalmente.
A estatal comprou durante anos, petróleo e seus derivados por um valor acima daquele pelo qual revendeu no país. Até aí, nenhuma novidade, pois a política tinha segundo o governo, a intenção de controlar preços de combustíveis no mercado interno.
Ao manter o mesmo valor para a venda do Nafta a Braskem, a companhia acabou apurando um prejuízo de R$ 6 bilhões, tudo isso garantindo uma propina de US$ 5,5 milhões ao ex-diretor da estatal, Paulo Roberto da Costa.
Petrobrás e Braskem porém, negam que a operação tenha causado prejuízo, e consideram que o valor de 91% até 93% daquele praticado no mercado europeu seja o mais adequado para o produto no Brasil.
8 - Quando a Odebrecht, depois dos crimes descobertos, decidiu criar uma lei para aliviar sua situação.
A Lava jato já estava em andamento havia certo tempo, e com ela, os incômodos causados pela iminente falência de ícones do capitalismo de compadrio brasileiros. Empresas como Camargo Corrêa, colocaram a venda setores importantes, reduzindo sua participação em áreas antes consideradas nobres na economia brasileira.
Redigida com apoio da própria Odebrecht, segundo Emílio, a Medida Provisória permitiria acelerar a celebração de acordos de leniência, no qual as empresas admitiriam corrupção e teriam penas menores, ao excluir da jogada o Ministério Público.
Sem necessitar de negociação com o Ministério Público para definir o acordo, a MP favoreceria acordos menos úteis a investigação, conduzida justamente pelo Ministério Público.
Segundo o próprio ex-presidente da Odebrecht, Emílio Odebrecht, a criação e a edição da MP foram realizadas pela ex-presidente Dilma a seu pedido.
9 - Quando o governo decidiu ajudar os trabalhadores investindo melhor os recursos do FGTS, colocando-os em um Fundo e Investimento, e subitamente descobriu que a Odebrecht era a maior beneficiária.
Que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, rende menos do que a inflação, causando prejuízos, não é uma novidade. O que pouca gente sabe porém, é que o Fundo concentra hoje recursos superiores a R$ 420 bilhões, investidos em áreas tão diversas quanto saneamento e títulos da dívida pública.
De fato, nenhum fundo de investimentos brasileiro, por maior que seja, possui tantos títulos da federal em carteira. Ainda assim, o retorno do fundo é baixo, e com isso, o valor destinado aos seus detentores, menor ainda.
Para dar compensar em partes este fato, o governo federal decidiu em 2008 criar um Fundo de Investimentos para alocar parte dos recursos totais em projetos de infraestrutura privados, por meio de compra de participações em empresas ou títulos que financiem estas empresas. Em pouco tempo, empresas do grupo Odebrecht receberam cerca de R$ 3,85 bilhões, ou 10% dos recursos do fundo.
Em agosto de 2014, já com a Lava Jato em andamento, o fundo decidiu reduzir o peso da empreiteira em sua carteira. Investindo em outras empresas.
Pelas delações de hoje, sabe-se que para receber estes R$ 3,5 bilhões em aportes, a Odebrecht teria pago R$ 13 milhões a membros do conselho do fundo.
10 - Quando o governo decidiu que o pré-sal era o futuro, e a Petrobrás decidiu pagar US$ 720 milhões por 2 sondas de perfuração que custam US$ 40 milhões, tudo construído pela Odebrecht.
Salvação da pátria e cujos recursos foram devidamente destinados mesmo antes de entrarem no caixa do governo, o pré-sal foi responsável por uma verdadeira euforia. Muito mais do que qualquer sindicato ou entidade estudantil que tenha apoiado o governo porém, os recursos de boa parte dos contratos realizados na operação tiveram destinação certa: o caixa das maiores empreiteiras do país.
Para explorar tantas áreas novas, a Petrobrás encomendou inúmeras sondas e plataformas, levando a uma euforia generalizada no setor de construção naval. Praticamente toda grande empreiteira brasileira tornou-se sócia de um estaleiro, e especialista em construir plataformas, quase do dia pra noite.
Como não poderia deixar de ser, a Odebrecht tomou a dianteira, tornando-se uma das maiores responsáveis pela construção de sondas para o pré-sal.
Em apenas duas delas, o contrato com a Petrobrás previa um pagamento de US$ 360 milhões por unidade.
Entre 2009 e 2011, a empresa contratou 21 sondas para perfurar o pré-sal, todas elas construídas no Brasil.
Segundo delação do diretor da subsidiária Odebrecht Óleo e Gás, a própria companhia importaria suas próprias sondas. Em resumo: só a Petrobrás topava comprar as sondas, nas palavras do delator, mais caras e de pior qualidade que as estrangeiras.
Hoje, com a queda na demanda por perfurações, a estatal colocou estas duas sondas a venda. Valor? US$ 20 milhões cada.