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Há 15 anos, em agosto de 2004, a população venezuelana foi convocada às urnas para o que se tornaria sua última grande oportunidade de afastar Hugo Chávez do poder. Diante da polarização política, a oposição conseguiu provocar a realização de um referendo pela continuidade ou não de seu mandato. O chamado “referendo revocatório” virou uma espécie de corrida de um homem só, em que o chavismo não concorria contra um candidato - mas contra a sua própria rejeição. Sob acusações de fraude, Chávez acabaria vencendo e se perpetuaria no poder, onde permaneceu até a morte, em 2013, abrindo espaço para seu sucessor escolhido a dedo - Nicolás Maduro, no poder até hoje.
No Brasil, aquela votação de 2004 também repercutiu. Um grupo de “pensadores” e “notáveis” de esquerda, entusiasmados com o governo chavista, lançou um manifesto em apoio à sua manutenção no cargo, tentando convencer a população do país vizinho a seguir no rumo que o país estava. O documento, intitulado “Se eu fosse venezuelano, votaria em Hugo Chávez”, contava com 69 signatários, incluindo o escritor Fernando Morais, o compositor Chico Buarque e o arquiteto Oscar Niemeyer, além de apoio internacional, como o do linguista Noam Chomsky e do historiador Eric Hobsbawm.
Passados 15 anos e com a Venezuela em colapso social, político e econômico, muitos dos que apoiaram Hugo Chávez na ocasião nem sequer estão vivos - como ele próprio. Houve arrependidos e quem silenciasse sobre o tema, mas boa parte dos entusiastas do chavismo na época não chegaram a mudar de ideia desde então. A seguir, confira a opinião de alguns dos principais signatários do movimento nos anos seguintes ao referendo de 2004:
Fernando Morais, escritor e jornalista
Um dos articuladores do manifesto, nunca se afastou da esquerda bolivariana. No início de 2019, diante das tensões que ameaçaram derrubar Maduro do poder, Fernando Morais foi signatário de um novo manifesto, intitulado “apoiamos a soberania do povo venezuelano e o mandato constitucional de Nicolás Maduro”. O biógrafo do ex-presidente Lula também defendeu o governo de Maduro em um vídeo publicado no YouTube no ano passado, argumentando que “o que está havendo lá hoje é uma guerra de agressão dos Estados Unidos” e que “o que está acontecendo na Venezuela não é democracia, excesso de democracia ou falta de democracia, são 203 bilhões de barris de petróleo”.
Oscar Niemeyer, arquiteto, falecido em 2012
Stalinista de carteirinha, Niemeyer morreu no final de 2012, às vésperas de completar 105 anos de idade, quando Chávez ainda governava a Venezuela. Ainda naquele ano, seguia alinhado ao governo chavista, assinando outro manifesto a favor da reeleição (mais uma) do mandatário bolivariano. Niemeyer também propôs a Chávez a construção de uma gigantesca estátua em homenagem a Simón Bolívar, comparável em tamanho ao Cristo Redentor. “Ele não me pediu nada, mas achei que ficaria bem esta homenagem”, disse o arquiteto na época. O projeto não saiu do papel.
Chico Buarque, compositor
Reservado a respeito da crise venezuelana, Chico Buarque não tem se manifestado publicamente a respeito de Chávez ou Maduro, mas segue participando de eventos ligados a movimentos que apoiam o chavismo. Em 2015, foi filmado assinando um CD para Maduro.
Roberto Requião, ex-governador e ex-senador do Paraná
A exemplo de Fernando Morais, Requião também argumenta que a crise venezuelana deve ser explicada por intervenções externas - como a dos Estados Unidos. No início deste ano, iria à posse de Maduro, mas acabou não comparecendo, alegando problemas pessoais. Em uma live no Facebook, explicou seu posicionamento: “eu iria para deixar claro que nós somos a favor da autodeterminação dos povos, que a encrenca política da Venezuela tem que ser resolvida pelos venezuelanos, e não com censura norte-americana, com bloqueio econômico e com manifestação de outros países que não têm nada com isso”.
Carlos Heitor Cony, escritor, falecido em 2018
Para Cony, embora a Venezuela tenha mantido um governo que ele eufemisticamente definia como “centralizado”, a presença de Hugo Chávez no poder representava um avanço popular e era democrática. Embora não tenha opinado publicamente sobre o país em seus anos finais - após a morte de Chávez - o escritor argumentava em 2012, oito anos após o manifesto: “com os governos populares de Raúl Castro, Cristina Kirchner, Evo Morales, Hugo Chávez e Alfredo Palacios, se deixou de ser vaquinha de presépio dos Estados Unidos, que perderam prestígio e consequentemente dólares em muitas áreas. Está certo que continuam, de certa forma, governos centralizados, como na Venezuela, mas outra aparência, sem aquela roupagem surrada das velhas dinastias ditatoriais peronistas, somozistas, stroessinistas, pinochistas, além, naturalmente, de seus governantes terem sido eleitos pelo voto popular”.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo espanhol radicado no Brasil
Um dos defensores da Teologia da Libertação no Brasil, o bispo espanhol esteve entre os articuladores do manifesto de 2004. Oito anos mais tarde, seguia admirando Hugo Chávez, ainda que com reservas, por ajudar a fazer com que “a América Latina não seja tão abertamente o quintal dos Estados Unidos”. Em anos recentes, sofrendo com o mal de Parkinson, Dom Pedro tem vivido recluso e, segundo seus cuidadores, não acompanha mais os acontecimentos da política nacional e internacional.
Noam Chomsky, linguista norte-americano
Mais um dos que atribuem a crise venezuelana ao envolvimento dos Estados Unidos, Chomsky assinou no início deste ano uma carta aberta apoiada por mais de 70 intelectuais, pedindo o fim da interferência estrangeira em Caracas. “Pelo bem do povo venezuelano, da região, e do princípio de soberania nacional, esses atores internacionais deveriam apoiar as negociações entre o governo venezuelano e os seus oponentes”, em vez de tentar simplesmente retirar Maduro do cargo, defendia o documento assinado por Chomsky.
Manu Chao, músico francês
Em 2007, três anos após apoiar o manifesto, Manu Chao já dava sinais de arrependimento: em visita ao Brasil, dizia não desejar falar de Chávez - “ele está querendo protagonizar demais e isso não é bom”. Ainda assim, considerava o processo vivido pelo país como positivo, e que a “transformação” da Venezuela era apresentada de forma distorcida ao mundo. Nos anos seguintes, Manu Chao evitou falar publicamente sobre a Venezuela. Neste ano, seu nome voltou a aparecer quando o país viveu dois concertos no mesmo dia, um em apoio a Guaidó e outro pró-Maduro. Conhecido pelo seu apoio a Chávez no passado, os dois lados sabiam que seu apoio poderia ser simbolicamente importante: os organizadores de ambos os eventos anunciaram a presença de Manu Chao em seu respectivo palco. Ele negou.
Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, falecido em 2015
Galeano e Maduro mantiveram boa relação até o final da vida do uruguaio. Em 2013, o escritor chegou a ser condecorado na Venezuela, recebendo das mãos de Maduro uma comenda da ordem de Simón Rodríguez (professor venezuelano dos séculos 18 e 19, considerado o mentor de Bolívar). Maduro também concedeu a Galeano um prêmio do fundo de cultura da Aliança Bolivariana para os Povos da América, que o escritor disse ter recebido com “imensa honra”. Em abril de 2015, apenas uma semana antes de morrer, Eduardo Galeano assinou um último manifesto, protestando contra a inclusão da Venezuela na lista de países que os Estados Unidos consideram uma ameaça à sua própria segurança.
Eric Hobsbawm, historiador britânico, falecido em 2012
Outro que morreu antes de Chávez, o historiador marxista Eric Hobsbawm manifestou grande interesse na situação da Venezuela em seus anos finais de vida, mas, já quase nonagenário, nunca chegou a visitar o país ou estudá-lo. Ele atribuía a chegada de Chávez e outros governos da esquerda latino-americana ao poder no início dos anos 2000 ao “fracasso da política econômica de livre mercado imposta pelos EUA e pelas agências internacionais sob sua influência”. Entrevistado na época do manifesto de 2004, resumiu seu apoio citando o próprio título do documento: “eu assinei porque, se eu fosse venezuelano, votaria no presidente Chávez”.
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