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Restaurante em Pequim, capital da China
Restaurante em Pequim, capital da China: tudo o que voa, anda ou nada| Foto: BigStock

Se você pudesse perguntar qualquer coisa sobre a China, o que seria? Como é a vida lá? As pessoas têm liberdade? Como as coisas chegaram onde estão? Explicar a China para ocidentais e responder algumas dessas perguntas é justamente a ideia da coluna que a autora e jornalista chinesa Xinran manteve no jornal inglês The Guardian entre os anos 2003 e 2015. Aqui no Brasil, os textos estão disponíveis na antologia "O que os chineses não comem?" (Editora Cia das Letras).

Segundo a própria autora, uma das primeiras coisas que se precisa saber sobre a China é que, como é um país grande e populoso, sua cultura não é homogênea. "A China tem 56 grupos étnicos, cada qual com suas próprias história, língua e cultura. (...) Cerca de 1,3 bilhão de pessoas realizam coisas, comerciam e fazem amor em centenas de línguas, pronúncias, costumes e culturas. Além disso, o controle do Estado, as políticas, os graus de desenvolvimento e as condições de vida não são comparáveis em regiões diferentes. É por isso que os ocidentais ouvem histórias tão distintas", relata.

Ainda assim, a autora tentou registrar alguns dos hábitos e costumes chineses. A seguir, cinco coisas que você precisa saber sobre a China, de acordo com as colunas de Xinran:

1. Relacionamentos

Os chineses podem ser bastante distantes no que se refere a relacionamentos – Xinran afirma que não é comum beijar em público. Nem mesmo os beijos de bochecha, tão comuns como cumprimentos em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, são bem vistos. "No Ocidente, ninguém consegue acreditar que o ato de beijar custou a vida de muitas mulheres chinesas", conta.

Sexo também é um tema tabu desde o século X. Xinran afirma que existem livros sobre o tema, "mas eles eram tratados como manuais de saúde para os governantes, e as pessoas comuns nunca tiveram permissão para lê-los". Sem uma educação sexual adequada, seja feita pela família ou externamente, criam-se situações sociais de difícil solução.

Como exemplo, a autora relata a conversa que teve com um casal – juntos há três anos – que não conseguia ter filhos. Depois de algumas perguntas, Xinran descobriu o motivo: os dois nunca tiveram relações sexuais, simplesmente dormiam um do lado do outro e achavam que isso bastaria para conceber um filho. Tanto que acharam as perguntas e sugestões feitas pela autora "sujas e pervertidas".

Em 2002, as escolas criaram a obrigatoriedade da educação sexual em seus currículos, porém sem preparar professores adequadamente para a tarefa.

2. Política do filho único

Um dos temas mais frequentes quando se fala sobre a China é a política do filho único, lançada na década de 70 para conter o crescimento populacional. Fato é que, dentro de um país de valores patriarcais, se favorece a criação de filhos homens: o que leva ao abandono frequente de recém-nascidas e um desnível considerável no número de homens e mulheres adultos nas gerações posteriores.

Para falar mais sobre o tema, Xinran entrou em contato com uma conhecida que trabalha para o governo chinês. Essa fonte insiste que o controle populacional foi uma medida importante para o país – mesmo que isso tenha custado a vida de diversas meninas.

Ainda assim, nem essa opinião nem a política em si são unânimes. Um conhecido chinês da autora relata que "a política de filho único não funciona na minha região. Algumas famílias chegam a ter seis filhos".

3. Religião

"Existe mesmo uma grande quantidade de boas mulheres chinesas que acreditam em todas as religiões do mundo" – diz a autora sobre o hábito comum de ter em uma mesma casa uma cruz cristã e uma imagem de Buda. Para Xinran, isso se explica pela maneira próxima com que a religião e a política se misturam, com inúmeros governantes se tornando figuras de adoração. A morte de Mao Tsé-Tung, em 1976, é um dos fatores que levam à essa "crise de crenças".

Xinran afirma: "Essas chinesas não loucas? Não: elas estão assustadas, desde que perderam seu próprio deus humano. Durante os últimos 5 mil anos, os chineses viram seus imperadores e líderes políticos como deuses (...). No começo do século XX, a China estava mergulhada no caos, enquanto o sistema feudal chegava ao fim, e em todo aquele derramamento de sangue, o papel do salvador foi assumido pelos senhores da guerra. Eles sabiam que os chineses não poderiam viver sem seus deuses como esteio para seus espíritos. Não importa quão diferentes fossem as teorias do nacionalismo, da democracia, do socialismo e do comunismo, representadas por Sun Yat-sen, Chiang Kai-shek e Mao Tse-tung: a maioria dos chineses comuns, no período entre 1920 e 1980, não os via como líderes políticos, mas sim como novos imperadores com nomes modernos – e como deuses".

Ainda segundo Xinran, esse é um dos fatores que levam a população a não se opor a situações extremas, como a Revolução Cultural. Se o líder falou, deve estar certo.

4. Sentimentos em relação ao Mao Tsé-tung

Os sentimentos em relação ao Mao Tsé-tung, como várias outras coisas na China, divergem muito entre gerações e perfil demográfico, e Xinran começa a perceber isso em suas entrevistas com mulheres de várias idades e origens.

"Esse tipo de conversa ajudou-me a entender um pouco mais por que Mao – que aos olhos de muitas pessoas, especialmente no Ocidente, é visto como um homem mau que fez seu povo de idiota, matou milhões e deixou a China afundar na pobreza – ainda é amado e reverenciado por muitos chineses, e não apenas camponeses e agricultores. Porque ele trouxe paz à China depois de quarenta anos de guerra (1910-49), porque compreendeu aquelas camponeses e agricultores (então mais de 90% da população) e lhes deu o que precisavam", relata Xinran.

Mas, ao mesmo tempo, gerações mais jovens e urbanas têm problemas para lidar com o passado do seu país, chegando a negar a Revolução Cultural. "Eles não podiam acreditar que seus pais tivessem sido estúpidos a ponto de seguir Mao".

Uma pequena anedota sobre até onde o apoio a Mao pode chegar. Quando ainda trabalhava em uma emissora de rádio chinesa, Xinran participou de uma reunião de pauta na qual foi decidido quais feriados ocidentais poderiam ou não ser mencionados na China. Chegaram então ao domingo de Páscoa, ou "Festa da Ressurreição de Deus". Xinran reproduz a voz de seu editor:  "Nosso grande líder Mao não ressuscitou. Como vamos dizer às pessoas que o Deus ocidental fez isso?".

5. Comida

Para responder a pergunta que dá título ao livro de Xinran, o que os chineses não comem? A resposta é: quase nada. Se voa no céu e não é um avião, se come. Se nada no mar e não é um submarino, também. Tudo o que tem quatro pernas sobre a terra, exceto mesas e cadeiras.

A verdade é que o modelo ocidental de alimentação não faz sentido em um país onde se tem mais pessoas do que comida disponível, além de dificuldades de distribuição do que é produzido. É por isso que animais como gatos e cobras são consumidos em muitos lugares – ainda assim, não são unanimidade entre todos os chineses.

Além disso, as comidas recebem nomes mais poéticos e ler um cardápio é equivalente a ler literatura. A autora conta como já encontrou um prato chamado "Tocar as mãos através dos cabelos pretos", composto por algas marinhas cozidas com pé de porco. Sem contar que os chineses acham qualquer cardápio ocidental descritivo bastante tedioso.

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