"Allahu akbar!"
A frase entoada pelos terroristas que dedicam à Alá os ataques realizados — levantou cada vez mais o questionamento entre os ocidentais: como lidar com o Islã? Depois de pelo menos 20 ataques terroristas terem sido relacionados a islâmicos em 2017, pensar que todo muçulmano é extremista é quase inevitável, mas será que isso é verdade?
Para tentar explicar um pouco melhor o Islã para os ocidentais, o teólogo, islamólogo e sacerdote jesuíta Samir Khalil Samir concedeu uma entrevista para os jornalistas italianos Giorgio Paolucci e Camille Eid. O resultado foi registrado no livro 111 perguntas sobre o Islã (Editora Quadrante, 240 p., R$ 40).
A seguir, veja uma seleção de cinco perguntas para entender um pouco mais sobre o Islamismo:
O que difere o Islamismo do Cristianismo?
O Islamismo se desenvolveu na Península Arábica entre os anos de 610 e 632 a partir da pregação do profeta Maomé. A religião se baseia em cinco pilares: a profissão de fé em Alá e em seu profeta, a prece ritual cinco vezes ao dia, o oferecimento da esmola ritual, o jejum no mês do Ramadã e a peregrinação a Meca, que deve ser cumprida ao menos uma vez na vida por aqueles que têm possibilidades.
Mas a verdade é que Alá é essencialmente o mesmo Deus cristão: "Alá não é uma invenção de Maomé ou da religião islâmica", explica Samir. É apenas a adoção de uma palavra comum em línguas mais antigas que se refere ao mesmo Deus do Cristianismo.
Porém, as religiões se diferem principalmente quanto à interpretação de Cristo. "O Alcorão nega os fundamentos doutrinais para a religião cristã: a divindade de Cristo, a encarnação, a crucificação e a redenção, a Trindade", escreve Samir. Os muçulmanos acreditam em um deus uno, não que nele há três pessoas distintas. Por isso, veem Jesus como um "homem enviado aos filhos de Israel para lhes recordar a mensagem de Deus", mas não como filho de Deus.
Já o Alcorão é considerado "a língua de Deus", ditado para Maomé. Assim, "não temos nenhuma possibilidade de interpretá-lo de forma crítica ou história, nem mesmo em relação aos aspectos que estão evidentemente ligados aos usos e costumes de um determinado contexto histórico e cultural", afirma Samir.
O que é a Jihad?
No contexto atual, jihad indica a guerra muçulmana em nome de Deus para defender o Islã. Segundo Samir, "a jihad é uma obrigação de todos os homens muçulmanos adultos. O Islã reconhece dois tipos de obrigação: a obrigação individual e a coletiva, e a jihad é uma obrigação coletiva no sentido de que toda a comunidade deve participar dela caso se sinta ameaçada". Isso é estabelecido no Alcorão e foi praticado desde o início por Maomé – tanto para se defender como para se prevenir de um ataque iminente.
"Antes de tudo, é preciso considerar a natureza do Islã, que se afirmou desde suas origens como uma mensagem e um projeto universalista: o Islã é um bem para todos os homens e todo mundo foi feito para acolher sua proposta. Mas de que modo se pode realizar o projeto de conversão do mundo que já está contido no Alcorão?", pergunta Samir. Uma das tendências que se desenvolveu historicamente é o uso da violência – tendência que, para o pesquisador, teve um aumento preocupante em tempos recentes.
Porém deve-se ter em mente que os ataques terroristas e o uso da violência não são unanimidade entre os muçulmanos. Vários deles são contra os ataques suicidas – o xeique Muhammad Tantawi, por exemplo, condena qualquer forma de suicídio, independentemente da situação. Já para outros os mártires não são suicidas, e sim heróis. Por não ter uma estrutura hierárquica explícita (ao contrário do Catolicismo, que tem no Papa uma figura central), não há um interlocutor que possa esclarecer questões como essa. A validade do extremismo continua sendo uma dúvida – inclusive entre os muçulmanos.
Qual a relação entre o Islamismo e os direitos humanos? Pode-se dizer que eles são machistas?
A concepção de lei do Islã é diferente da do Ocidente. "A fonte de todos os direitos é Deus. Para reconhecê-los ao homem, Deus exige primeiro a satisfação de seu direito: a total obediência à vontade divina em relação ao homem, que se exprime no Alcorão e na suna. Dessas duas fontes principais deriva a charia, a lei islâmica que, sendo legitimada pela revelação, é superior a qualquer outra lei estabelecida por iniciativa humana. Por isso a charia é considerada a perfeita expressão da vontade divina para garantir aos homens um ordenamento justo da sociedade humana", explica Samir.
Assim, os muçulmanos vivem em uma mistura entre as leis civis e a moral religiosa. A partir disso, contestam a universalidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "os direitos enunciados ali seriam fruto da cultura ocidental e da capacidade política e econômica que o Ocidente teve de impor na cena internacional como válido para todos", aponta Samir. A declaração não reflete assim os direitos humanos como entendidos pelos muçulmanos.
Uma das diferenças está evidenciada nos direitos da mulher. Para Samir, "tudo aquilo que para um ocidental parece contrário aos direitos das mulheres e à igualdade entre os sexos, para os muçulmanos é natural, justo e bom, como aquilo que majoritariamente corresponde à natureza e ao bem do homem e da mulher, pois Deus estabeleceu assim".
Segundo o Alcorão, o homem tem superioridade em relação à mulher, o que explica várias das posturas islâmicas quando ao casamento e o divórcio.
"Mesmo levando em conta que alguns Estados, como a Tunísia, empreenderam um processo de modernização do código de família eliminando algumas discriminações, deve-se observar que a condição da mulher no Islã, seja em nível jurídico, seja em nível prático, permanece ainda muito penalizada", afirma Samir.
Por que o Islã cresce tanto?
Vários fatores explicam a expansão do Islamismo. Em primeiro lugar, deve-se considerar a alta taxa de aumento demográfico, que é em média maior em países islâmicos que em cristãos. Outro fator é a atividade missionária, chamada dawa. "É a tarefa dada a cada muçulmano de apresentar o Islã aos irmãos de fé", explica Samir. Isso gera várias conversões ao redor do mundo — calcula-se que, na África, para cada pessoa que se converte ao cristianismo, sete se convertem ao Islã.
Outra motivação é o grande financiamento de alguns países islâmicos (como a Arábia Saudita) em favor de iniciativas de tipo assistencial, social, sanitária ou cultural, criando um polo de atração para o Islã.
O Islamismo quer se expandir para outras regiões?
Por considerar que a expansão da fé é uma missão de cada muçulmano, a resposta mais direta é sim. O aumento de mesquitas na Europa expressa, para Samir, um forte desejo de afirmar a presença islâmica no espaço público.
"Vestir-se de certo modo, cobrir-se com o hijab, manter a barba comprida é muito mais que uma moda ou o respeito por uma tradição: significa, na verdade, reforçar uma identidade que é ao mesmo tempo religiosa, cultural e social. Nos países islâmicos, em torno desse tema se desenvolveram verdadeiras contendas políticas entre os governos ou tendências liberais de um lado e as correntes integralistas e radicais de outro".
Assim, a migração de muçulmanos pode ser vista como uma maneira de expansão religiosa, mas não necessariamente. Segundo Samir, "há quem pense em uma penetração da Europa que utilize os instrumentos próprios das democracias ocidentais como o pluralismo e a liberdade de expressão, mas há também quem não faça nada mais além de praticar a fé em nível privado ou mesmo em suas manifestações coletivas, sem que essas práticas culminem em projetos de expansão religiosa, social ou política".
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