O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu retirar o país do Acordo de Paris sobre a mudança climática. A decisão é mais simbólica que prática, já que o acordo não impunha metas obrigatórias de redução de emissões. Até mesmo Rex Tylerson, secretário de Estado do governo Trump e ex-executivo da gigante petrolífera Exxon, era a favor da manutenção do acordo. O único mérito da retirada, segundo a análise ácida da revista The Economist, é o fato de representar “o cumprimento de uma promessa de campanha”.
De qualquer modo, o ato de Trump traz novo fôlego ao debate, na opinião pública, sobre o aquecimento global e as medidas que devem (ou não) ser tomadas para combatê-lo. Abaixo, apresentamos uma lista de dez itens – cinco fatos e cinco mitos – sobre a questão da mudança climática, refletindo a melhor ciência disponível sobre o assunto:
Existe um processo de aquecimento global em curso
Desde a publicação do famoso “gráfico do taco de hóquei” em 1999, que mostrava a chamada anomalia da temperatura global – o desvio, ano a ano, da temperatura em relação à média de longo prazo do último milênio – dando um salto tremendo a partir do século 20, diversos outros estudos foram feitos, confirmado, em essência, a mesma conclusão. Como escreveu o pesquisador Michael Mann, um dos responsáveis pela elaboração do “taco de hóquei” original, em seu livro The Madhouse Effect, “dezenas de grupos de cientistas realizaram seus próprios estudos, usando diferentes bases de dados e diferentes métodos, e chegaram a suas conclusões de modo independente (...) dado o caráter icônico da curva do taco de hóquei, havia um enorme potencial de recompensa, em termos de notoriedade científica, para qualquer um que provasse que ela estava errada. Muitos tentaram”, mas nenhum conseguiu. Estudo recente, publicado em Nature Geoscience em 2013 – e atualizado em 2015 – aponta que a média global de temperaturas entre os anos 1971 e 2000 foi mais alta do que a dos 1400 anos anteriores.
O aquecimento global visto atualmente é antropogênico – isto é, causado pela atividade humana
Há várias linhas de evidência que apontam que a atividade humana, principalmente a emissão de gases gerados pela queima de combustíveis fósseis, é a principal causa do aquecimento global registrado atualmente.
A existência de um efeito estufa – o fato de que certos gases tem a capacidade de aprisionar calor na atmosfera – foi deduzida originalmente pelo matemático francês Joseph Fourier há cerca de 200 anos: Fourier deduziu que, sem esse efeito, a Terra seria um planeta muito mais frio. Cem anos depois de Fourier, o químico sueco Svante Arrhenius provou que o CO2 é um desses gases. Assim, é lógico supor que um excesso de CO2 na atmosfera levará ao aquecimento.
É possível demonstrar ainda que há um excesso de entrada de CO2 gerado por atividade humana na atmosfera: em 1999, trabalho publicado na revista Nature já apontava que a concentração de dióxido de carbono acumulada na atmosfera terrestre, a partir da revolução industrial, era a maior dos últimos 420 mil anos. Em 2005, trabalho publicado na Science mostrava que os corais dos oceanos vêm cada vez mais assimilando carbono do tipo liberado pela queima de combustíveis fósseis.
Somando-se a isso, outro estudo, publicado em 2006 no periódico Tellus B: Chemical and Physical Meteorology, mostra que não só muito do carbono encontrado na atmosfera terrestre tem a assinatura química esperada do produto da queima de combustíveis fósseis, como também que, à medida que a concentração de CO2 na atmosfera aumenta, a de oxigênio cai – o que corrobora a ideia de que o CO2 está sendo criado por um processo de combustão. Além disso, leituras de satélite da radiação emitida para o espaço pela Terra mostra um déficit de radiação infravermelha – isto é, calor – na faixa absorvida, exatamente, pelo CO2.
O aquecimento global ameaça o meio ambiente
Novas notícias sobre o impacto do aquecimento global na biodiversidade surgem todos os dias. Em março deste ano, a revista online Scientific Reports, do Grupo Nature, trouxe estudo apontando a destruição de pelo menos 40% de uma comunidade de coral no mar do Sul da China, atribuída à elevação da temperatura. Outras publicações mostram que a Grande barreira de Coral da Austrália também está morrendo. A disseminação de um fungo que vem causando a extinção de espécies inteiras de sapos e rãs também pode ser ligada à mudança climática. Diversas extinções em massa do passado foram causadas por alterações climáticas rápidas, que ocorrem num ritmo que o processo de evolução natural de muitas espécies não consegue acompanhar. A mudança climática antropogênica é veloz.
O aquecimento global ameaça a qualidade de vida da humanidade
Os impactos negativos previstos do aquecimento global em muito superam alguns supostos benefícios – por exemplo, a abertura de novas áreas para a agricultura. É provável, por exemplo, que os regimes mais ou menos previsíveis de chuva de que a atividade agrícola depende sejam drasticamente alterados pela rápida variação do clima; ondas de calor são uma ameaça à saúde, principalmente dos idosos, e a elevação das temperaturas também abre novos campos para mosquitos transmissores de doenças e parasitas. A elevação do nível dos mares levará à inundação de áreas costeiras, com a possível imersão de cidades.
Aquecimento global significa mais desastres naturais
Já existem diversos estudos publicados ligando o aquecimento global a um aumento na frequência dos chamados eventos climáticos extremos – grandes enchentes ou secas recorde, por exemplo. Embora algumas pessoas digam que é impossível ligar um evento específico (por exemplo, as grandes enchentes que atingem o Nordeste brasileiro atualmente) à mudança do clima, a forma correta de olhar para o sistema climático é como se ele fosse um dado de jogo de azar. O aquecimento global atua viciando o dado, fazendo com que certos números saiam mais vezes do que deveriam. Trabalho publicado na PNAS em, 2012 afirmava que anomalias climáticas observadas na Rússia e nos EUA entre 2010 e 2011 podiam ser atribuídas, com alto grau de certeza, à mudança climática.
A culpa é das ilhas de calor urbanas
Zonas urbanas, por conta da impermeabilização do solo, da poluição do ar, do calor gerado por máquinas e motores e do uso intensivo de materiais como concreto, metal e asfalto, geram “Ilhas de calor” – áreas de temperatura mais elevada que o esperado em condições naturais. Mas, embora as ilhas de calor contribuam para a elevação da temperatura do planeta, o aquecimento global antropogênico vai além disso: registros de temperatura em áreas rurais, nos oceanos e florestas também indicam uma progressiva elevação em todas essas áreas. As cidades esquentam mais depressa, mas o planeta inteiro está esquentando por causa das emissões de CO2.
O aquecimento global é causado pelo Sol
Existem diversos fatores que podem influenciar o clima – são as chamadas “forçantes climáticas”. A concentração de CO2 na atmosfera é uma delas, mas existem ainda a radiação solar, o formato da órbita da Terra, a atividade vulcânica, entre outras. Uma análise detalhada das diversas forçantes, no entanto, mostra que a única que tem variado de forma compatível e consistente com o aquecimento observado é o CO2. Muita gente cita a atividade solar, mas a verdade é que desde 1975 que a temperatura da Terra se “descolou” do Sol – a energia emitida pelo astro vem caindo, enquanto a temperatura segue aumentando. Um artigo publicado em 2011 em Environmental Research Letters aponta que, entre 1979 e 2010, a atividade solar foi fraca e teve, na verdade, um leve efeito de resfriamento global.
O aquecimento global antropogênico ainda é controverso entre os cientistas
É verdade que existem cientistas que discordam da ideia de que o aquecimento global é real, ou que é causado pela atividade humana, para haver uma “controvérsia” é preciso que a comunidade científica esteja dividida em grupos de tamanho e credibilidade equivalentes ou, ao menos, semelhantes, e este não é o caso: por exemplo, o fato de haver uma minoria de biólogos que duvida da evolução das espécies, ou uma minoria de físicos que acha que a teoria da relatividade está errada, não torna o trabalho de Darwin ou Einstein “controverso”. Uma pesquisa entre cientistas de boa reputação e que publicam estudos sobre o clima aponta um consenso de 97% a favor da teoria do aquecimento global provocado por serres humanos. O trabalho foi publicado em 2013 pelo periódico Environmental Research Letters. Esse resultado é robusto, tendo sido confirmado em outros levantamentos.
Existem alguns abaixo-assinados de “cientistas” contra a hipótese do aquecimento global, mas eles ou reúnem uma esmagadora maioria de gente sem especialização na área (por exemplo, médicos, engenheiros, matemáticos) ou, até, assinaturas falsas e de pessoas mortas.
Os cientistas que defendem a hipótese do aquecimento global antropogênico são parte de uma conspiração
Seria preciso um complô enorme para sustentar um consenso de 97% dos especialistas num determinado assunto, ainda mais num sistema competitivo como a ciência, onde as recompensas por provar o consenso errado são enormes – Albert Einstein, por exemplo, deveu boa parte de sua fama inicial ao fato de ter demonstrado a inexistência do éter luminífero, uma substância que preencheria todo o espaço e seria o meio de propagação da luz.
Há alguns anos, o vazamento de mais de mil e-mails trocados entre cientistas que estudam a mudança climática foi usado como argumento a favor da ideia de uma conspiração, mas todos os pesquisadores envolvidos acabaram inocentados em investigações conduzidas tanto por suas universidades quanto por comissões externas, como o Comitê de Ciência e Tecnologia do Parlamento Britânico.
Combater o aquecimento global prejudica a economia
Os custos de não fazer nada para controlar o aquecimento global superam, em muito, os custos de limitar as emissões de carbono geradas por atividade humana. Além disso, políticas de cortes nas emissões estimulam a produção de conhecimento e o desenvolvimento de novas tecnologias. Relatório publicado pelo Google em 2011. O trabalho conclui que “a inovação em energia trará grandes benefícios em termos de PIB, empregos e segurança”. O cenário de maior crescimento apontado pelo Google é um em que as emissões de carbono das empresas geradoras de energia são taxadas a US$ 30 por tonelada.
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