Quando Theresa May convocou eleições antecipadas, em meados de abril, seu Partido Conservador não tinha razões para questionar o plano. Com ampla vantagem nas pesquisas, os tories, como são conhecidos, tinham diante de si a oportunidade de aumentar ainda mais sua maioria no Parlamento e garantir um Brexit mais duro e sem contestações. Mas, em um mês e meio, os mais de 20% de vantagem que May possuía sobre a oposição viraram uma tênue margem de 2,5% no voto popular. Os tories até venceram as eleições, mas o resultado foi amargo: o partido perdeu assentos e a maioria absoluta no Parlamento. No fim, teria sido melhor não chamar o país às urnas. O que deu errado nos planos da premiê britânica?
Desconfiança com eleições antecipadas
As circunstâncias que levaram às eleições não eram novas. Os conservadores lideraram as pesquisas por meses após conseguir aprovar o Brexit no referendo realizado em junho do ano passado mas, mesmo assim, Theresa May manteve-se firme em sua posição: não convocaria uma votação antes da hora. O próximo pleito deveria ocorrer apenas em 2020, e assim seria. Mas, em abril, a premiê britânica mudou de ideia: querendo um caminho mais fácil para negociar a saída da União Europeia, procurou aproveitar a fraqueza do Partido Trabalhista para conquistar uma maioria acachapante.
As eleições antecipadas também serviriam para May legitimar seu mandato, já que ela assumiu o posto de primeira-ministra sem passar pelas urnas: herdou o cargo após a renúncia de David Cameron nos dias seguintes ao referendo, sendo escolhida em uma decisão interna do partido. Analistas britânicos entendem que a decisão de chamar eleições antes da hora, mudando de ideia para tirar proveito político da situação, ajudou a criar uma aura de desonestidade em torno de May — foi o primeiro erro, logo no pontapé inicial da campanha.
Mais do que isso, pleitos antecipados costumam ter grandes chances de sair pela culatra, afirmou John Curtice, especialista político ouvido pela BBC, enquanto os resultados saíam durante a madrugada. Segundo Curtice, a busca por eleições fora de hora, quando o cenário está favorável a quem ocupa o cargo, é normalmente interpretada pelos eleitores como um sinal de que alguma medida impopular deve ser tomada em breve e o político quer capitalizar antes de perder votos. Em geral, entende o comentarista, isso não funciona, e as urnas respondem negativamente da mesma forma.
A esquerda saiu de casa
É tendência no mundo inteiro: eleições com participação pequena favorecem candidatos conservadores. Em 2017, com todas as pesquisas indicando uma vitória com sobras dos tories, o Partido Trabalhista redobrou seus esforços para fazer os eleitores saírem de casa: com um índice de comparecimento de 68,7%, essas foram as eleições com menor abstenção nos últimos vinte anos na Grã-Bretanha.
O alto número de votantes se refletiu em um sucesso inesperado para a oposição: em vez de perder assentos, os trabalhistas saíram das eleições fortalecidos, elegendo 261 parlamentares (um aumento de 32 em relação ao último pleito), seu maior número desde 2005, quando venceram com Tony Blair. Os tories, por outro lado, viram suas expectativas se transformarem em preocupação, com a perda de 13 representantes após algumas previsões otimistas sugerirem, no início da campanha, que poderiam ganhar mais de cem.
A surpresa trabalhista incluiu vitórias históricas: em Canterbury, por exemplo, distrito eleitoral que só havia enviado conservadores ao Parlamento desde que foi criado em 1918, a esquerda elegeu um nome pela primeira vez em um século. A candidata trabalhista Rosie Duffield obteve uma vantagem de apenas 187 votos sobre Julian Brazier, que ocupava o assento há trinta anos.
O apelo populista de Corbyn
Em meio a um país dividido quanto ao Brexit, Jeremy Corbyn, um candidato apontado como radical demais para os próprios padrões trabalhistas, acabou ganhando espaço com a polarização do momento. Mesmo com pensamentos considerados antiquados — o desejo de renacionalizar indústrias privatizadas na época de Margaret Thatcher e a pouca afinidade com a OTAN, por exemplo — e acusações de compactuar com grupos como o Hezbollah, Corbyn acabava ganhando pontos pela sua “sinceridade”.
O candidato trabalhista também não era contrário à continuidade das negociações pela saída da União Europeia, o que ajudou a dissipar os temores de parte do eleitorado relutante quanto a um novo referendo e os impactos econômicos disso. Corbyn, que concorreu com o slogan “Por muitos, não por poucos”, também soube surfar na onda jovem, que costumeiramente vota à esquerda: prometeu maior financiamento ao Serviço Nacional de Saúde e anunciou uma plataforma que buscaria reduzir os custos do ensino superior aos estudantes do país.
Dificuldades com o Brexit
Desde o início, Theresa May assumiu a postura de “Dama de Ferro do Brexit”, comandando as negociações de perto e não cedendo às exigências da União Europeia nas conversas realizadas em Bruxelas. May dedicou sua campanha a afirmar que era a pessoa mais qualificada para seguir lidando com o processo de saída da UE, e garantiu que seguiria comandando o diálogo após manter o cargo. O Brexit também serviu como pretexto para seu sumiço da mídia na reta final de campanha, quando os tories começaram a despencar nas pesquisas: May chegou a dizer que as eleições convocadas por ela mesma haviam se tornado uma “distração” do que realmente importava — o Brexit.
Mas a postura personalista ajudou a converter a premiê em vidraça: cada novo entrave caía nas costas de May. A libra seguiu instável frente ao euro. Conforme a União Europeia e Angela Merkel afirmaram que o Brexit não seria leve, ou seja, representaria uma exclusão total da Grã-Bretanha de qualquer vantagem comercial, opositores e eleitores passaram a questionar se o tom beligerante de May era o mais adequado para tratar do tema. A relutância de May em resolver a situação dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido, sem garantir seus direitos após a conclusão da saída da UE, também foi duramente criticada: “a premiê usa os europeus como moeda de troca”, declarou o Partido Trabalhista.
Polêmicas durante a campanha
Em abril, as eleições eram uma corrida ganha antes mesmo da largada: a missão era apenas conduzir o Partido Conservador até a linha de chegada, sem sofrer algum acidente — mas Theresa May encontrou mais de uma curva fechada no caminho rumo ao surpreendente 8 de junho. Considerada uma oradora medíocre, suas aparições públicas geravam críticas e constrangimento, a tal ponto que a primeira-ministra optou por abrir mão de debates, entrevistas e discursos nos últimos dias da campanha.
A premiê também se viu às voltas com o sucesso de uma canção de protesto que virou hit da oposição – “Liar Liar”, da banda Captain Ska – que rapidamente tomou o posto de quarto single mais tocado na Inglaterra e o segundo mais ouvido na Escócia com um refrão pegajoso que afirmava: “Ela (May) é uma mentirosa. Você não pode confiar nela”. A música acabou tendo sua veiculação proibida no rádio, por ser considerada propaganda eleitoral irregular de acordo com a legislação britânica, e o sumiço foi vendido por militantes de oposição como censura do governo.
A principal polêmica a erodir a vantagem eleitoral de May, porém, foi o episódio apelidado de “dementia tax”, o “imposto sobre Alzheimer”. Não se tratava de um imposto novo, mas de uma mudança legal proposta pelo programa dos tories que ameaçava deixar muitos pacientes sem cuidados especiais: pela lei atual, qualquer pessoa com menos de 23.250 libras em capital é elegível a um enfermeiro bancado pelo Estado; os conservadores propunham aumentar esse piso para 100 mil libras, mas considerando como capital também os imóveis em nome do paciente. A opinião pública rapidamente se voltou contra a proposta: segundo estimativas, a medida acabaria reduzindo em até 17% o número de britânicos capazes de receber cuidados gratuitos.
O que acontece agora
“Não foi um tiro no pé”, disse o parlamentar conservador Nigel Evans sobre as eleições, completando: “nós demos foi um tiro na cabeça”. Ao final da contagem dos votos, os tories concluem essas eleições com 318 parlamentares em um universo de 650 – perderam doze assentos e, com isso, a maioria absoluta que possuíam antes das eleições. Por si só, o resultado poderia até mesmo inviabilizar a continuidade do governo conservador, já que em tese abriria margem para os trabalhistas formarem uma aliança com as siglas menores (como o Partido Nacional Escocês, conhecido como SNP, e os Liberais-Democratas) e ultrapassarem a representação conservadora.
Esse cenário, porém, se tornou impossível para a oposição pelo inesperado e agudo declínio do SNP, o partido que mais perdeu congressistas nesta eleição — foram 21 a menos em relação a 2015, baixando seu total para 35 parlamentares. A redução do SNP também joga um tempero novo nas negociações do Brexit: a Escócia havia votado massivamente pela continuidade na União Europeia e, tendo sido derrotada pelos votos dos ingleses, existia grande expectativa de um novo referendo pela independência do país em relação ao Reino Unido. Com a perda de representatividade do SNP, principal partido a levantar a bandeira da independência escocesa, os eleitores parecem ter mandado o recado de que, apesar do Brexit, não desejam um novo referendo autonomista. Nicola Sturgeon, líder da sigla, já indicou que não deverá insistir na questão.
Com isso, os tories têm condições de formar um “governo minoritário” no chamado “Parlamento suspenso” pois, mesmo sem ocupar mais da metade dos assentos, foram o partido mais votado. O que Theresa May está buscando agora, no entanto, é garantir uma coalizão que a permita recuperar o prejuízo e voltar a ter uma posição majoritária — o plano é atrair os 10 membros eleitos pelo Partido Democrático Unionista (DUP), sigla conservadora e pró-Brexit que tem base na Irlanda do Norte. Mesmo se confirmar a parceria com o DUP, porém, May ainda sairá do pleito com menos força política do que antes: os parlamentares tories e do partido norte-irlandês somariam 328 assentos em conjunto, contra os 330 que o Partido Conservador possuía, sozinho, antes da votação desta quinta-feira.
É por ter obtido uma vitória com sabor de derrota que May se encontrará em posição delicada nos próximos dias. Durante a campanha, a mandatária havia dito que, se os tories perdessem a maioria, ela renunciaria ao posto. Ontem, ao mesmo tempo em que admitia que seu Partido Trabalhista não chegaria à maioria, Jeremy Corbyn lembrou da promessa de May e insistiu que a premiê deveria deixar o poder e abrir caminho para outro nome do Partido Conservador. A primeira-ministra, até o momento, não dá sinais de que vai manter a palavra, e busca articular acordos que a permitam continuar no cargo. A briga, agora, não é mais com a oposição: é dentro da própria máquina Tory, onde setores importantes do partido culpam May pela desastrada campanha eleitoral e devem fazer pressão por uma substituição.
Governadores e oposição articulam derrubada do decreto de Lula sobre uso da força policial
Tensão aumenta com pressão da esquerda, mas Exército diz que não vai acabar com kids pretos
O começo da luta contra a resolução do Conanda
Governo não vai recorrer contra decisão de Dino que barrou R$ 4,2 bilhões em emendas