Ativista dá depoimento ao filme de Ava Duvernay| Foto: Netflix /

A escravidão nos EUA tecnicamente acabou há 150 anos. Mas Ava DuVernay, diretora de ‘Selma: Uma Luta pela Igualdade’, quer que você dê mais uma olhadinha na emenda à Constituição que a aboliu.

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Seu documentário, “A 13ª Emenda”, é uma visão poderosa sobre como o sistema presidiário dos dias de hoje tem elos com a escravidão. O filme, que estreou na Netflix e em alguns cinemas seletos na sexta-feira, oferece uma mensagem bastante atual e comovente, tendo saído neste espaço de tempo entre o movimento Black Lives Matter e as eleições por vir.

“A 13ª Emenda” foi aplaudido de pé na semana passada no New York Film Festival, onde se tornou o primeiro documentário a abrir o prestigioso evento. O título se refere à 13ª emenda à Constituição dos EUA, que aboliu a escravidão formalmente. Mas DuVernay concentra suas atenções na execução da cláusula da emenda, que declara que a escravidão e a servidão involuntária são ilegais, “exceto como castigo por um crime”.

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Numa entrevista ao The Washington Post, DuVernay afirmou que ela a princípio queria fazer um documentário que explorasse “a ideia de que há empresas lucrando milhões de dólares com a punição de seres humanos”. Mas o filme inevitavelmente acabou se voltando para os diálogos atuais sobre o sistema de justiça criminal e os assassinatos de afro-americanos cometidos pela polícia.

“Conforme fui mergulhando nisso (a indústria da mão de obra de prisioneiros), eu descobri que não era possível contar a história toda sem dar o contexto histórico e cultural”, disse DuVernay. O contexto cultural é o Black Lives Matter – um tema que fica evidente em “A 13ª Emenda” antes mesmo que o movimento seja mencionado por nome.

O documentário conta com os comentários de uma ampla gama de especialistas, o que inclui Jelani Cobb, da The New Yorker, a ativista dos direitos civis Angela Davis, o ex-Presidente da Câmara dos Representantes Newt Gingrich, Henry Louis Gates, professor da Harvard University, o Representante da Câmara Charles B. Rangel, do distrito de Nova York, Van Jones, ex-oficial da administração Obama, e Grover Norquist, político conservador e defensor da reforma tributária.

DuVernay disse que a Netflix entrou em contato sobre a possibilidade do projeto depois que ela terminou seu drama histórico aclamado pela crítica, “Selma: uma luta pela igualdade”. Os efeitos da prisão há muito são um assunto de interesse para a diretora e um tema recorrente em sua obra. “Middle of Nowhere”, o segundo longa-metragem de DuVernay, que rendeu-lhe o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cinema de Sundance, acompanha uma mulher que se vê obrigada a lidar com o fato de seu marido ter sido condenado a oito anos de prisão.

Um dos personagens principais da série de drama de televisão de DuVernay, “Queen Sugar”, que estreou no mês passado no canal OWN, é um ex-presidiário cujo passado é um obstáculo imenso para que ele arranje um emprego e que coloca uma pressão constante em sua relação com sua família. Sua irmã jornalista, Nova, dedica seu trabalho a expor o preconceito racial do sistema de justiça do estado de Louisiana.

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Explosão carcerária

Mas há um sentimento de urgência em “A 13ª Emenda”, que começa com a voz do presidente Barack Obama, lamentando – num discurso à 106ª Convenção Nacional da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) – que “os Estados Unidos são lar de 5% da população mundial, mas 25% de toda a população carcerária do mundo”.

DuVernay logo estabelece uma relação entre essa estatística atordoante e a era pós-Guerra Civil: A breve cláusula que compõe a 13ª emenda permitiu ao sul reconstruir sua economia através da mão de obra de prisioneiros. Grandes números de afro-americanos foram presos – muitas vezes por crimes pequenos. “Foi a primeira explosão da população carcerária da nossa nação.”

“A 13ª Emenda” dá a D. W. Griffith e seu filme “O Nascimento de uma Nação”, de 1915, os créditos pela criação de uma imagem falsa, mas duradoura, de que negros são criminosos. O documentário acompanha as décadas de linchamentos, violência racial e leis de Jim Crow que levaram a uma reação na forma do movimento dos direitos civis (“O Nascimento de uma Nação”, de Nate Parker, que conta a história de uma rebelião de escravos liderada por Nat Turner e cujo título foi apropriado do filme de Griffith, também foi lançado nesta sexta-feira).

Conforme o documentário mapeia o número crescente da população carcerária nos EUA (de 357.292 in 1970 para 2.306.200 em 2014), DuVernay examina a retórica de “lei e ordem” popularizada por Richard Nixon e Ronald Reagan no final da década de 1960, o medo equivocado utilizado para justificar a violência cometida contra os ativistas do partido dos Panteras Negras (incluindo o líder de Chicago, Fred Hampton, morto pela polícia em 1969) e as disparidades raciais nas sentenças de traficantes negros durante a epidemia de crack dos anos 80.

Retórica eleitoral

“A 13ª Emenda” conta com imagens do candidato à presidência pelo Partido Republicano, Donald Trump, falando sobre o caso infame da corredora do Central Park, de 1989. Cinco adolescentes negros e latinos foram condenados pelo espancamento e estupro brutal da vítima, mas provas posteriores provenientes do resultado da análise de DNA acabaram inocentando-os. O caso levou Trump a publicar um anúncio que ocupava uma página inteira do New York Daily News pedindo para que o estado “trouxesse de volta a pena de morte”.

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“A 13ª Emenda” justapõe a retórica polêmica da campanha do candidato republicano com imagens de afro-americanos sendo atacados com mangueiras de água de alta pressão e cães policiais nos protestos do movimento dos direitos civis. Mas a rival de Trump do Partido Democrata também não sai ilesa no documentário, que destaca os comentários polêmicos de Hillary Clinton sobre os tais “superpredadores”, feitos em 1996, enquanto ela apoiava a lei anticrime de Bill Clinton de 1994.

O filme também lança luz sobre o Conselho Americano de Intercâmbio Legislativo (ALEC, na sigla em inglês), um grupo de políticas, de tendência conservadora, que fornece modelos de legislação para legisladores do estado, o que inclui leis que potencialmente beneficiam prisões privadas. DuVernay afirma que os momentos mais iluminadores para ela se deram ao fazer esta seção do documentário. “O fato de que muitas de nossas leis não são feitas pelos nossos próprios legisladores... foi assustador para mim”, disse DuVernay.

Mortes e linchamentos

 

Um dos segmentos mais comoventes do filme apresenta vídeos de mulheres e homens negros e desarmados sendo mortos pela polícia. “A 13ª Emenda” traça um vínculo entre esses vídeos e as imagens que os antecedem – fotos de linchamentos horrendos, o caixão aberto de Emmett Till e cenas de afro-americanos sendo brutalizados durante o movimento dos direitos civis.

Apesar do fato de que muitos vídeos de assassinatos cometidos pela polícia estão em domínio público ou são propriedade dos transeuntes que os filmaram, DuVernay e sua irmã Tera pediram e conseguiram a permissão das famílias das vítimas para que os vídeos pudessem ser usados. “Seria lamentável para mim alguém usar os últimos momentos da vida de outra pessoa sem permissão”, disse DuVernay.

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DuVernay diz ter esperança de que o documentário possa inspirar as pessoas “a refletirem de verdade sobre o que elas pensam e sentem” a respeito do modo como podem elas mesmas serem cúmplices na instituição do sistema penitenciário. DuVernay se declara especialmente orgulhosa de o seu filme ter estreado na Netflix, o que faz com que ele seja acessível para mais pessoas.

“A ideia de que as pessoas podem vê-lo a qualquer hora, em qualquer lugar, é poderosa”, ela afirmou.

Bethonie Butler escreve sobre televisão para o Washington Post.

Tradução: Adriano Scandolara