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Lei Natural

A ambição moral do homem e as perigosas ideias de Ayn Rand

A defesa que Ayn Rand faz do egoísmo seduz os jovens, mas não satisfaz aqueles que buscam na vida algo além da segurança material. (Foto: Reprodução/ Wikipedia)

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Há alguns anos, a revista First Things dedicou um artigo às anotações de Ayn Rand às margens de seu exemplar do livro de C. S. Lewis, A Abolição do Homem. Ali, Rand se exaltava diante do que Lewis escreveu à respeito dos perigos da ciência, chamando-o, em seu típico estilo passional, de "bastardo abismal", "uma monstruosidade", "uma mediocridade social-metafísica barata, horrível, miserável, melindrosa", "um batedor de carteira de conceitos" e "um místico derrotado".

Não é fácil compreender a razão de tamanha indignação. Lewis não se colocava ali contra a ciência, mas, considerando-a poderosa, queria alertar sobre seus perigos: assombrado pelo crescimento de seu domínio técnico sobre a natureza, afirmava ele, o ser humano corre o risco de abolir sua própria humanidade e, em nome da razão, de se tornar um escravo de suas próprias paixões irracionais.

A questão central, ao meu ver, é a defesa que Lewis faz do que ele chama de tao, mas que no hinduísmo é chamado de rta e, entre nós, de lei natural: a noção de que existe um valor moral objetivo, derivado da própria ordem da realidade, e de que ele é conhecido por toda humanidade, em maior ou menor grau, nas diversas culturas. De fato, ao lado de uma passagem na qual Lewis afirma que os antigos sistemas éticos buscavam formar um ser humano tal como concebido pelo tao, Rand escreve, ironizando: "e que trouxeram grande alegria, paz, felicidade e estatura moral aos homens!! O bastardo!".

É certo que existem semelhanças entre suas visões morais: Rand, tal como Lewis, era uma grande crítica do subjetivismo, do ceticismo moral, do relativismo e do emotivismo, tônicas de nosso mundo contemporâneo; ambos presenciaram, de perto ou de longe, os horrores totalitários que assolaram o século XX e, por isso, se preocuparam com crescente domínio do homem pelo homem; e, assim como o tao de Lewis, o objetivismo de Rand quer ser uma visão moral objetiva e racional.

Mas existe um abismo entre os dois: Lewis pretende falar em nome de uma noção tradicional de moralidade partilhada por toda a humanidade; mas, sendo um inglês do século XX, ele a pensa na perspectiva ocidental, baseada na noção aristotélica do ser humano como um animal político (um animal social, diria Tomás de Aquino), no ideal estoico da philanthropía e no mandamento cristão da caridade.

Nova moralidade

Estes princípios são opostos à visão de Rand que, rompendo com a tradição, propunha uma nova moralidade, superior, adequada ao ser humano que alcançou a maturidade da ciência: contra a ética do altruísmo, ela apresentava o egoísmo racional, a noção de que o homem deve "agir para seu próprio autointeresse racional", ou seja, buscar, antes de tudo, a sua própria felicidade, entendida não como um estado subjetivo de satisfação de desejos de origem emocional, mas como uma vida realizada segundo os valores da ética objetivista - razão, propósito e autoestima - e de suas três virtudes correspondentes - racionalidade, produtividade e orgulho.

Para Rand, o bem humano requer diligência, mas não necessita do sacrifício pregado pelo altruísmo. Isso não significa que o egoísta racional seja um predador: os interesses racionais dos indivíduos não se chocam e "não há conflito de interesse entre homens que não desejam o imerecido, que não fazem sacrifícios, nem os aceitam, que se tratam entre si como comerciantes, trocando valor por valor", escreve ela em A virtude do egoísmo. O princípio da troca é "o único princípio ético racional para todos os relacionamentos humanos, pessoais e sociais, particulares e públicos, espirituais e materiais". Mas isso também não quer dizer que não exista o afeto pelo outro: "amor, amizade, respeito, admiração são a resposta emocional de um homem às virtudes de outro, o pagamento espiritual dado em troca do prazer pessoal egoísta que um homem tira das virtudes de caráter de outro".

Estamos aqui diante não apenas de duas éticas, mas de duas concepções políticas diferentes. A sociedade, para Rand, é benéfica ao homem, pois, graças a ela, ele pode expandir seu estoque de conhecimento e ser favorecido pela divisão de trabalho, o que permite a cada um dedicar seu esforço de maneira mais concentrada, tornando-o mais produtivo. Mas ela não pode compelir o ser humano ao sacrifício. O princípio político básico do objetivismo é: "nenhum homem pode iniciar o uso de força física contra os outros"; a força física pode ser usada apenas em retaliação contra aqueles que iniciam o seu uso. E, por isso, o único propósito adequado de um governo é proteger os indivíduos da violência física, garantindo a liberdade, a propriedade e a busca da felicidade.

Já a concepção clássica da política é baseada na noção de bem comum: esta é a finalidade da comunidade política, segundo Aristóteles, que não consiste em outra coisa que a garantia, na medida do possível, das condições de uma vida plena a todos os cidadãos.

Doutrina simplista

À primeira vista, o pensamento de Rand parece ser razoável e, de fato, foi celebrado por várias gerações como a libertação da superstição, da culpa e dos perigos da coletivização. Mas a força de sua sedução é também seu ponto fraco: por trás da aparência de racionalidade e sistematicidade, temos uma doutrina simplista demais, incapaz de abarcar a complexidade do real. Rand reduz o mundo à matéria e o homem ao seu interesse individual. Ela ignora sua intrínseca dimensão social e evita ou finge não saber aquilo que outros pensadores do pós-guerra como Martin Buber, Gabriel Marcel e Jacques Maritain entenderam tão bem: que o homem só se realiza no encontro com outros homens, na generosidade e no amor.

A doutrina de Rand é particularmente atrativa para os jovens. É que, no início da vida adulta, a preocupação central é com a construção de condições básicas que serão o fundamento de conquistas futuras. É comum, nesta etapa da vida, cheia de sonhos, que se tenha ambições de grandeza, poder e riqueza. Muitos, em nome de tais desejos, sacrificam outros desejos que também possuem: de serem relevantes, de se doarem, de fazerem a diferença na vida dos outros. Diante deste conflito de ideais, o objetivismo é útil para quem se decide a sacrificar o altruísmo no altar da ambição, argumentando que essa é a escolha racional a fazer. Mas não é incomum encontrarmos, entre as pessoas que foram materialmente bem-sucedidas nesta vida, que conseguiram destaque profissional, patrimônio e poder, uma crise de meia-idade que se põe a seguinte questão: que diferença fez tudo isso?

Se formos realmente sinceros, veremos que queremos mais. O propósito de fazer o bem ao próximo não é apenas uma virtude de monges e beatos, mas um desejo primário do ser humano: no fundo, gostaríamos de poder amar sem nos preocuparmos em sermos amados de volta, de fazer o bem sem uma expectativa de retorno. Gostaríamos de conseguir sermos altruístas. O egoísmo racional pregado por Rand pode ser uma virtude, mas é uma virtude dos fracos. Uma parte considerável de nossa infelicidade atual vem de vivermos em uma sociedade que não nos ensina como podemos nos tornar verdadeiramente bons.

A partir dos estudos antropológicos de Marcel Mauss, autores como John Milbank e Adrian Pabst observaram que o início das relações econômicas das sociedades humanas não foi marcado pela rapinagem ou por um sistema de trocas, mas pela doação da produção excedente, capaz de tornar aliados os estranhos de outras tribos. A origem da economia é o dom, mas não é apenas ali que ele se manifesta: em nossa vida cotidiana, percebemos que, a não ser em situações de degradação, a prática desinteressada do bem não é assim tão rara, mas relativamente comum, presente no carinho dos pais pelos filhos, no zelo dos professores por seus alunos, na boa vontade de vizinhos que não se importam em fazer uma pequena gentileza e na esmola que damos a um desconhecido.

É verdade que o dom sempre coexistiu com a guerra, que o altruísmo sempre conviveu, com o egoísmo. Não somos anjos, é verdade, mas também não somos predadores. E, se considerarmos com cuidado, perceberemos que nossos momentos mais felizes são aqueles em que nos sacrificamos por um bem maior.

Um mundo seduzido pelo objetivismo

Mas então, por que o objetivismo faz sentido para tantos? É que nossa sociedade se tornou como o mundo imaginado por Rand: nossas cidades não são mais comunidades, mas agregados de indivíduos ligados por um frágil pacto de não agressão; somos indivíduos isolados e atomizados, e, muitas vezes, parece que só podemos contar com nós mesmos. Isso não parece de todo ruim: temos mais liberdade para perseguirmos os nossos desejo; a pressão social, tão marcante na vida de nossos antepassados, se ainda existe, quase não passa de uma convenção social. Temos, diante de nós, um mundo de possibilidades. Mas, mesmo assim, nos sentimos solitários e desamparados. Em um dos momentos de maior afluência material da história, o que encontramos são números recordes de ansiedade e depressão.

O objetivismo de Rand deve ser entendido, antes de tudo, como uma reação ao coletivismo que marcou os regimes totalitários do século XX. É o que constatamos a partir da leitura de sua ficção. Em Anthem, por exemplo, encontramos um mundo em que não se pode mais dizer a palavra eu e no qual as descobertas científicas são deixadas de lado em nome da tradição. Eis o inimigo contra o qual Rand lutou por toda a sua vida e que projetou no livro de C. S. Lewis.

O que Rand parece ignorar é que o altruísmo e o comunitarismo não são formas de coletivismo. Este, como ela mostrou em sua novela, é uma forma de despersonalização; nele, o indivíduo é anulado diante do todo; não há dignidade da pessoa humana, mas apenas o interesse da Humanidade, esta abstração preferida dos ditadores. Rand estava certa em denunciar os seus perigos, mas combateu um erro com o erro oposto: a resposta a ele não é o individualismo, que também faz violência à natureza humana, mas o personalismo, a visão que, reconhecendo a dignidade e a liberdade do ser humano, não se esquece que ele só se realiza em comunidade. O homem que vive só, dizia Aristóteles, é ou um deus ou um animal selvagem. A utopia de Rand é um mundo de animais selvagens, domesticados por sua própria ambição, a acreditar que são deuses.

É por estar tão próximo do mundo idealizado por Rand que o nosso mundo, por excesso de conhecimento técnico e penúria de compaixão, corre o risco de alcançar a abolição do homem. É isso que Lewis pressentiu profeticamente e Tolkien, seu grande amigo, indicou de modo alusivo, em seu magnum opus, na construção do personagem de Saruman . John Rogers escreveu certa vez que existem dois romances capazes de mudar a vida de um adolescente de quatorze anos: o Senhor dos Anéis e A Revolta de Atlas; um deles é uma fantasia infantil que muitas vezes leva a uma vida toda de obsessão com heróis inverossímeis e a uma vida adulta emocionalmente estulta e socialmente desajustada, incapaz de lidar com o mundo real; o outro, obviamente, envolve orcs.

Não consigo deixar de pensar que talvez ele tenha razão.

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