A astrologia é um fenômeno fascinante. Não porque seja verdade (não é), mas porque, mesmo sendo um amontoado milenar de falácias – o grande político e orador romano Cícero já havia apontado várias delas, um século antes de Cristo –, ainda é capaz de produzir resultados considerados satisfatórios por milhões de pessoas, e de permanecer viva na consciência popular: todo mundo, imagino, conhece pelo menos uma “virginiana brava” ou uma “geminiana perfeccionista”.
Dessa forma, ela constitui uma superstição socialmente sancionada. Não prejudica a imagem dos adeptos, mesmo em extratos socais que se creem esclarecidos. Muito pelo contrário: uma pitada de astrologia, bem colocada numa conversa, pode até realçar a reputação de alguém.
É esse caráter satisfatório da astrologia que a maioria das objeções científicas à prática falha em debelar. Para a pessoa que se identifica com um signo (digamos, um ariano convicto) que importa que a precessão dos equinócios – o “rebolado” que o eixo da Terra completa a cada 26 mil anos – tenha feito com que, atualmente, em 20 de março, tradicional primeiro dia de Áries, o Sol esteja, na verdade, em Peixes?
E o cliente, feliz após consultar um astrólogo e obter conselhos aparentemente úteis para suas questões mais íntimas, dará de ombros para a informação de que medições cuidadosas das forças que atuam sobre o bebê, na sala de parto, falham em registrar qualquer influência de planetas ou estrelas. Ele sabe: e a convicção pessoal é mais forte que resmas de estudos científicos.
Ao longo de sua história, a astrologia desenvolveu, de modo uma técnica instintiva, parte linguística, parte psicologia, que torna irrelevantes as questões de realidade objetiva e veracidade. Essa técnica, em si, é um objeto de estudo quase tão fascinante quanto as próprias estrelas. Ela é especialmente poderosa na interação pessoal, quando as roupas, a voz e a linguagem corporal do cliente fornecem pistas preciosas ao astrólogo, pistas que ele, às vezes de modo inconsciente, entrelaça à narrativa pasteurizada dos astros. Mas funciona também à distância.
Você se identificaria com um psicopata?
Em 1968, o psicólogo francês Michel Gauquelin enviou a mais de 500 leitores da revista “Ici Paris” perfis astrológicos gratuitos “personalizados”, e pediu que os destinatários avaliassem as leituras. Dos 150 primeiros respondentes, 94% consideraram o perfil “muito preciso” e “inteligente”. Outros elogios incluíam expressões como “maravilhoso”, “extraordinário”, “certamente sou eu”. Mas o que Gauquelin havia remetido a todos eram cópias idênticas da interpretação de uma mesma carta natal – o do psicopata assassino francês Marcel Petiot, autor de mais de 60 mortes. Gauquelin comentou depois que “todos tendemos a ver, no horóscopo, um espelho”.
O fenômeno de ver, em estímulos e alegações vagos e genéricos, aquilo que desejamos, chama-se validação subjetiva. É um mecanismo que também ilude os astrólogos que trabalham de boa-fé. Por exemplo: o livro “Recent Advances in Natal Astrology” (“Recentes Avanços em Astrologia Natal”), de 1977, registra como um profissional britânico, supondo analisar o mapa astral de Lênin, interpretou todos os aspectos e posições planetárias de modo perfeitamente consistente com a vida e a carreira do líder russo. Mas, na verdade, as posições planetárias correspondiam a uma data 12 dias anterior ao verdadeiro nascimento de Lênin.
Astrólogos que buscam oferecer certezas mais específicas em seus horóscopos muitas vezes se expõe a situações vexatórias. Em 1988, a coluna de astrologia da edição australiana da revista “Cosmopolitan” previa que as mulheres de Libra visitariam o ginecologista no dia 22 de fevereiro. Um jornalista investigativo da cidade de Perth decidiu conferir. E descobriu que, no município, apenas oito librianas tinham satisfeito o vaticínio. Cerca de 20 mil a menos que o previsto.
*Carlos Orsi é jornalista de ciência e escritor. Sua mais recente obra de divulgação científica é o ebook “O Livro da Astrologia”
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